Editorial
Esperança e realidade
Diz-se que a fé move montanhas -e, guardada a devida licença poética, quase o mesmo pode-se afirmar da economia. Se a confiança reforça a disposição para investir e consumir, a descrença quanto ao futuro reduz a propensão ao risco e retrai a demanda.
É difícil explicar a profundidade da recessão brasileira sem observar o colapso da confiança e a consequente paralisia nas decisões de investimento a partir de 2014.
O movimento acentuou-se em meados de 2015, quando se apresentou a real situação de penúria das contas públicas, e se agravou com a crise política. A disparada do risco Brasil e do dólar levou os ativos do país ao pior desempenho entre os emergentes.
No início deste ano, os indicadores de confiança atingiram o menor patamar histórico em quase todos os setores -comércio, indústria, construção civil- e entre os consumidores. A queda acumulada do PIB desde o início de 2015 deve se aproximar de 8%.
Nos últimos meses, porém, ressurgiu alguma confiança; ações e títulos recuperam o valor perdido.
Nas semanas que antecederam as votações do impeachment de Dilma Rousseff (PT) na Câmara e no Senado, o risco Brasil caiu e retornou ao menor patamar em relação aos emergentes desde setembro de 2015, logo após o país perder o selo de bom pagador.
Ao mesmo tempo, a confiança setorial também saiu do coma, com forte alta em maio -momento que coincide com o início do governo de Michel Temer (PMDB).
De fato, há sinais promissores nas medidas iniciais para conter a despesa pública e na ênfase em lançar um debate franco acerca da reforma previdenciária. Entre a esperança e a realidade, porém, há uma grande distância. A situação real da economia é calamitosa, com retração acentuada do crédito e risco de quebras em série.
A crença de que o novo governo reorganizará a economia está por ser provada no Congresso. O conjunto de medidas com vistas a limitar o gasto público, essenciais para estancar o crescimento da dívida e viabilizar queda substancial dos juros, está longe de ser popular. Quanto ao ambiente político, o governo Temer patina no gelo fino da interinidade, tornado mais escorregadio pelos riscos da Operação Lava Jato, hoje voltada para figuras de proa do PMDB.
A retomada da confiança é indicador importante de que tempos melhores podem estar por vir. Mas as montanhas da economia e da política ainda precisam se mover.
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