JOLANDA ELINE YGOSSE BATTISTI
Proposta de teto de gastos precisa de ajustes? SIM
PRAZO LONGO DEMAIS
A polêmica PEC 241, que estabelece um teto para os gastos públicos, ainda precisa passar por mais três votações antes de entrar em vigor -uma segunda votação na Câmara e mais duas no Senado. Oportunidade, portanto, para propor ajustes importantes.
A ideia original é muito simples: as despesas primárias líquidas da União, corrigidas por alguns pontos que ficam fora do teto, não poderão ultrapassar algo em torno de R$ 1,2 trilhão por ano. Com a retomada do crescimento do PIB prevista a partir de 2017, projeções indicam que o deficit primário logo seria transformado em um superavit.
Os juros que o governo deve às famílias brasileiras poderiam ser pagos com receitas fiscais correntes, ao invés de aumento da dívida pública -que, por sua vez, começaria a cair. Isso resultaria em uma queda da taxa de juros real, e o governo voltaria a estar em uma situação fiscal sustentável.
Estamos à beira de uma crise fiscal -impor um teto aos gastos é uma forma inteligente de revertê-la, sem agravar a atual situação econômica. Então, o que há de errado na proposta?
Primeiro, o prazo. Vinte anos? Com isso, o governo está querendo ser "mais realista que o rei". Vários governos no mundo já estabeleceram tetos para seus gastos, mas nenhum deles adotou um prazo tão longo, e com razão.
Os tetos dos gastos públicos na Suécia são revistos a cada três anos. Em países como Finlândia e Holanda, o ajuste é feito a cada quatro anos, como parte do processo de eleição e escolha do novo governo.
Se o objetivo for a sustentabilidade fiscal, 20 anos é um exagero total. Na atual conjuntura, em menos de quatro anos de congelamento de gastos já seria possível gerar superavit primário e dívida pública sustentáveis.
O segundo erro foi desconsiderar que o Brasil está em uma fase de desenvolvimento muito diferente da dos países citados anteriormente, Estados de bem-estar social altamente evoluídos.
O governo holandês, por exemplo, gastará 29% do Orçamento público com saúde e 30% com seguro social e mercado de trabalho em 2017. Quem perde o emprego ou fica doente naquele país está protegido. No Brasil ainda não chegamos nem perto disso.
Quantos de nossos desempregados recebem de fato o seguro-desemprego? Como isso ficará no ano que vem, quando a falta de vagas no mercado ainda deverá aumentar?
O melhor seria não fazer um teto genérico, mas sim um teto para cada área, com escolhas explícitas para educação, saúde e seguros sociais, cujos gastos não podem ser tratados da mesma forma que os do aparelho burocrático.
A proposta deveria priorizar algumas áreas, com base em escolhas de eleitores, e não apenas por decisão dos governantes.
Quais ajustes deveriam ser feitos, além de reduzir o prazo para quatro anos e debater com a sociedade a evolução do espaço fiscal para a política social?
Um bom começo seria criar um Comitê do Orçamento Público, cuja avaliação independente daria credibilidade a propostas sustentáveis.
Outro ponto crucial seria dar mais visibilidade ao impacto que as propostas orçamentárias trarão para a sociedade, em termos de evolução da renda per capita.
A sociedade precisa saber quanto a renda de famílias de diferentes perfis socioeconômicos aumentará ou cairá sob diferentes cenários de gastos públicos, cobrança de impostos e contribuições sociais.
Essas projeções ficariam a cargo de instituições de pesquisa independentes, tanto na fase de elaboração da proposta de lei orçamentária como na época das eleições, quando o tetos de gastos deveria ser elaborado para o próximo mandato.
Medidas assim aumentariam a transparência da discussão e protegeriam os eleitores de candidatos com propostas fiscais insustentáveis.
JOLANDA ELINE YGOSSE BATTISTI é economista e professora de macroeconomia e economia brasileira na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. Também lecionou economia internacional na Universidade de Amsterdã
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