CARLOS BEZERRA JR.
Ensaio sobre a lucidez
Em maio de 2016, o PSDB decidiu apoiar o atual governo, mas não sem antes apresentar uma carta-compromisso com princípios e valores que expunham claramente, em um de seus tópicos, a defesa do debate imediato sobre o parlamentarismo no Brasil.
Quem tem feito o chamamento pela coerência do partido, que leva a social-democracia no próprio nome e que dela tem se afastado, é o superintendente da Fundação FHC, Sergio Fausto.
Em artigo publicado por esta Folha, diz: "A cobrança de coerência programática, incomum no Brasil, nos remete à origem do partido. (...) O PSDB nasceu parlamentarista".
No entanto, esse debate foi engavetado e ataques frontais a conquistas sociais, garantidas na Constituição de 1988, foram ativados. Ou alguém aqui dirá que nas eleições de 2014, disputada inclusive pelo atual presidente da República, debateram-se alterações na Constituição?
A reforma trabalhista que o governo quer está sendo feita à luz de toda clareza? No campo das intenções, a livre negociação cria emprego ou é a produção econômica a responsável por gerar postos de trabalho?
Diminuir o custo da empresa não pode ter como contrapartida o rebaixamento de direitos do trabalhador.
Enquanto isso, permanece engavetado o projeto de taxação sobre grandes fortunas, apresentado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Há mais de três décadas, Tancredo Neves dizia que "não pagaria a dívida externa com a fome do povo brasileiro". Tem político que prefere outras leituras de cabeceira.
É só tomar como base as alterações na Previdência Social, precedidas da aprovação da PEC do teto de gastos, que praticamente tornam proibitiva a aposentadoria, excluindo algumas bem-aventuradas categorias trabalhistas.
A pedra de toque de uma verdadeira e ampla mudança de que o Brasil precisa vem da reforma política. Com ela, desentorta-se uma penca de outras deformações: o tamanho da representação política dos Estados, a infidelidade partidária, o distorcido financiamento de campanha e a ausência de cláusula de barreira.
Voltando no tempo, Franco Montoro já pontificava: "Somente a reforma política vai propiciar a reconciliação dos políticos com o cidadão brasileiro".
O PSDB não pode sucumbir ao "eleitoralismo" e precisa se perguntar por que aceita ser a escora da marquise de um governo hesitante e impopular, que foi capaz de criar um ministério sem mulheres, negros ou índios, mas com vários nomes citados na Lava Jato, cujo presidente é de um partido que historicamente ganhou relevância por se alimentar de espaços institucionais.
A delação de Marcelo Odebrecht, aquele que se diz o "otário do governo", deixa em xeque algo que o próprio PSDB já contestava: a legitimidade da eleição da chapa Dilma/Temer.
Agora se cogita a divisão de chapa para escapar da cassação. Ora, isso nada mais é do que uma manobra para permanecer no poder. Assim sendo, é antirrepublicano e antidemocrático.
Embora ainda seja tema de discussões, acredito que a eleição direta é a única forma de reconciliação com o povo. Como disse o arcebispo anglicano Desmond Tutu, "se você é neutro em situações de injustiça, você escolhe o lado do opressor". Este é o momento de nos posicionarmos com clareza em favor da democracia.
CARLOS BEZERRA JR., médico, é deputado estadual (PSDB-SP) e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de São Paulo
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