O Enem e a surdez
Adriano Vizoni/Folhapress | ||
Primeiro dia de provas do Enem em São Paulo |
Suscitou alguma celeuma o tema deste ano para a redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem): "Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil". Não se trata decerto de um assunto corriqueiro, mas tampouco se afigura impossível de desenvolver.
Aqueles que criticam o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) por alegado excesso de dificuldade deveriam ler com mais atenção o caderno de questões. Havia ali elementos suficientes para redigir um texto.
Eram quatro os itens oferecidos: norma legal sobre o dever de prover educação à pessoa com deficiência; gráfico de queda no número de matrículas de surdos; anúncio sobre preconceito no mercado profissional; e trecho sobre o reconhecimento oficial da Língua Brasileira de Sinais (Libras).
Com esse instrumental —e a capacidade indispensável de interpretação—, é possível elaborar ao menos uma exposição básica. Mostra-se frágil o argumento de que o examinado teria de possuir conhecimento prévio do assunto.
A escolha do tema constituiu modo mais inteligente de abordar um debate relacionado a políticas inclusivas sem descambar para os exageros do politicamente correto.
Entre estes está a norma do Inep, cuja aplicação acabou barrada pelo Judiciário, que mandava dar nota zero para redações que desrespeitem os direitos humanos.
A cláusula abusiva, ao lado de cercear a liberdade de expressão, daria enorme margem a interpretações subjetivas por parte dos corretores. Mesmo a permanência de tal critério entre as cinco competências avaliadas abre brecha para decisões questionáveis.
Suponha-se que uma redação argumente de modo claro que surdos devem ser educados em estabelecimentos especiais. A proposta destoa dos avanços obtidos com a política atual de inclusão, e um examinador pode apressar-se a reprová-la —com o que estará apenas censurando uma opinião, não avaliando a qualidade do texto.
A análise ficaria ainda mais nebulosa em casos de temas tão divisivos quanto o direito ao aborto, a repressão ao narcotráfico ou a pena de morte. Ainda que haja bom senso na correção, restará inevitável insegurança entre os estudantes a respeito do que estão ou não autorizados a escrever.
Ninguém deve ser punido por manifestar opiniões ou esposar valores somente porque se desviam do pensamento dominante. Ouça-se a lição dos surdos em defesa da Libras: liberdade e respeito há em poder falar como se escolhe, não como outros mandam.
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