O efeito dominó de Zé Mayers

Crédito: Paul Drinkwater - 7.jan.2018/NBC/Reuters Oprah Winfrey speaks after accepting the Cecil B. Demille Award at the 75th Golden Globe Awards in Beverly Hills, California, U.S. January 7, 2018. Paul Drinkwater/Courtesy of NBC/Handout via REUTERS ATTENTION EDITORS - THIS IMAGE WAS PROVIDED BY A THIRD PARTY. NO RESALES. NO ARCHIVE. For editorial use only. Additional clearance required for commercial or promotional use, contact your local office for assistance. Any commercial or promotional use of NBCUniversal content requires NBCUniversal's prior written consent. No book publishing without prior approval. ORG XMIT: NBC86
A apresentadora e atriz Oprah Winfrey faz discurso contra assédio na premiação do Globo de Ouro

O ano de 2018 começou com mulheres no ataque. No dia 1º, atrizes de Hollywood lançaram o fundo Time's Up de apoio às vítimas de assédio. Uma semana depois, na premiação do Globo de Ouro, Oprah Winfrey anunciou : "Um novo dia está raiando no horizonte, graças à força de mulheres magníficas."

Desde 2015, nós, brasileiras, nos insurgimos contra as violências que tínhamos sofrido e desenterramos na rede, para quem quisesse ler, histórias íntimas sob a hashtag #MeuPrimeiroAssédio —dois anos antes de o #MeToo desglamorizar o assédio e apresentá-lo ao mundo como o que é: crime.

Em abril de 2017, uma mulher apoiada por muitas quebrou o silêncio contra um galã poderoso. Su Tonani é o nome dela. Mas foi apenas seis meses depois, quando Harvey Weinstein caiu, que muitos por aqui entenderam o gesto dela não como vingança, exagero ou oportunismo, mas como o mínimo para quem precisa atravessar um trauma: romper com o silêncio e falar.

No dia seguinte à premiação do Globo de Ouro, as timelines e capas de jornais louvavam a coragem e os vestidos pretos das americanas.

Mas, e nós?

Sempre fomos experts nos pactos de manutenção do statu quo. O Brasil foi o último país da América Latina a abolir a escravidão. Aqui, os crimes contra a humanidade são esquecidos, anistiados, e os indígenas podem seguir sendo dizimados por 500 anos.

A história mostra que os avanços promovidos pelo Estado contra a desigualdade são enfrentados com atos antidemocráticos.

Somos um país que não produz memória, justiça e tem enorme resistência às mudanças estruturais. Somos o país dos pactos de conciliação com o inconciliável. Por que no campo das lutas de gênero seríamos diferentes?

Enquanto aplaudimos as americanas, assistimos à desqualificação da luta feminista: o famoso "backlash", termo que ainda carece de tradução eficiente para o português, mas que remete a uma experiência conhecida. São os argumentos arregimentados pelo patriarcado para transformar a luta feminista em algo sem sentido ou fundamento. Mimimi. Exagero. Intolerância.

Em 1991, a feminista americana Susan Faludi ganhou o prêmio Pulitzer com a obra "Backlash: The Undeclared War Against American Women". À época, Faludi identificava um grande movimento de retrocesso, cujo objetivo seria voltar o relógio aos anos 1950.

Duas premissas centrais orientaram esse movimento: a) a ideia de que o feminismo teve conquistas reais e que mulheres e homens já seriam, nos Estados Unidos dos anos 1990, suficientemente iguais no que tange aos papéis de gênero; e b) a noção de que o feminismo seria cruel para as relações íntimas e desagregador no âmbito dos projetos políticos.

Tais premissas teriam sido, a princípio, articuladas por uma nova direita que surgiu sob a presidência de Ronald Reagan (1911-2004) nos anos 1980 e se tornou "mainstream" nas décadas seguintes.

Contudo, Faludi é clara ao lembrar que tais mensagens são repercutidas também pelo que a autora chama de emissários da esquerda.

Resta saber se o Brasil vai ignorar seu papel de vanguarda no questionamento ao patriarcado e renderá louros à ousadia hollywoodiana enquanto acomoda atritos e contém rupturas. A capa da "Time" que reconhece o poder influenciador das mulheres que quebraram o silêncio pode haver no país que não elabora seus traumas e crimes?

Precisamos ter mais coragem. Coragem para falar e ouvir. Para mudar estruturas e perder privilégios. Sabemos que dói. Mas não se compara à morte física e simbólica que mulheres vivenciam diariamente.

Até que a mudança se estabeleça, faremos cair galãs de novela e candidatos favoritos à prefeitura de grandes capitais, nossos Harvey Weinsteins. Segue o modus operandi da confecção do novo normal.

ANTONIA PELLEGRINO e MANOELA MIKLOS são ativistas e fundadoras do blog #AgoraÉQueSãoElas, hospedado pela Folha

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