Descrição de chapéu

Juízo emocional

Crédito: Silva Junior - 16.ago.2013/UOL Cristiano Araújo, na Festa do Peão de Barretos; cantor morreu em 2015 em um acidente de carro
Cristiano Araújo, na Festa do Peão de Barretos; cantor morreu em 2015 em um acidente de carro

Parece insustentável a decisão da juíza Rozana Fernandes Camapum condenando o jornalista Zeca Camargo a pagar indenização por danos morais ao pai e a empresários do cantor sertanejo Cristiano Araújo, morto em 2015. Caso venha a prevalecer, implicará sério dano à liberdade de crítica cultural.

Araújo pereceu com sua namorada em violento acidente de carro. Sua morte deflagrou certa comoção popular, e o enterro atraiu uma multidão que a muitos surpreendeu, dado que o cantor era pouco conhecido fora do círculo de fãs.

Camargo, colunista desta Folha, compôs e leu num programa de televisão uma crônica sobre esses fatos. Registrou o óbvio contraste entre fama e obscuridade, ambos relativos, no caso.

O jornalista comentou ainda que a reação emocional de parte do público dizia mais de suas carências culturais e do rumo da música brasileira do que da qualidade do trabalho desse artista em particular.

Pode-se questionar o momento da crônica, quatro dias após o evento trágico. Pode-se até defender que ela sugeria algum preconceito com o gênero das canções.

Outros terão visto como provocativo, ainda, o paralelo traçado entre as preferências musicais dos fãs e a voga de livros para colorir.

Nada do que Camargo disse, porém, configura crime nem ultrapassa o direito de criticar e a liberdade de expressão. Não basta que alguém se sinta ofendido, mesmo que em luto ou interessado na manutenção das vendas de discos, para que se possa falar em dano objetivo à imagem do cantor.

Entretanto não foi esse o entendimento de Camapum.

"Não respeitou o jornalista Zeca Camargo o momento do luto do pai, família, empresário e fãs do falecido", escreveu ela em sua sentença. "Não teve o mínimo de compaixão e sensibilidade e no seu egoísmo e narcisismo (...) passou a agredir aquele que já não tinha defesa, morto ao alçar voo (...)", disse a magistrada.

O autor da peça jornalística chegou a pedir desculpas publicamente, dizendo que não teve intenção de ofender a memória de Araújo. Resta agora recorrer da sentença.

É possível constatar que se dissemina uma hipersensibilidade com todo tipo de crítica, tendência que alimenta tanto as patrulhas ideológicas –como a sofrida pela atriz Fernanda Torres após escrever que o machismo não a incomodava– quanto os processos fúteis por supostos danos morais.

É lamentável que o Poder Judiciário não raro se preste a coonestar tais práticas de ameaça à liberdade da palavra e da cultura.

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