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Valentim Gentil Filho

O projeto que autoriza o cultivo de maconha para fins medicinais deve ser aprovado no Congresso? NÃO

Proposta assume eficácia e segurança sem dispor de dados confiáveis para isso

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Valentim Gentil Filho

Doutor em psicofarmacologia, é professor sênior de psiquiatria e professor emérito da Faculdade de Medicina da USP

Não existe “maconha medicinal”. A maconha, o haxixe e o óleo de Cannabis são preparações totais de uma planta que contém mais de cem canabinoides —moléculas que atuam no “sistema endocanabinoide” do cérebro. Dois deles merecem maior atenção: o tetraidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD).

O THC responde pelo abuso e dependência, tem pouco interesse medicinal e, por via endovenosa, induz sintomas psicóticos agudos em pessoas sadias. Já O CBD não é psicotóxico e tem indicação terapêutica estabelecida apenas para epilepsia resistente a tratamento em crianças e adolescentes.

Funcionário manuseia cânabis na linha de produção da Bazelet, empresa israelense de maconha medicinal - Lalo de Almeida - 3.mar.20/Folhapress

Outras indicações médicas de canabinoides dependem de comprovação de eficácia e segurança.

Crianças são particularmente vulneráveis aos efeitos nocivos da Cannabis. Editorial do “New England Journal of Medicine”, em 2018, alerta que o THC não deve ser usado contra vômitos na gravidez porque interfere com o RNA e a cromatina neuronal, causando alterações semelhantes às encontradas no autismo e na esquizofrenia.

Análise de 63 revisões de artigos científicos, publicada no Canadá em 2018, mostra que o uso da maconha e de outras preparações da Cannabis é associado a aumento de câncer no testículo, acidente vascular cerebral, inflamação pulmonar, complicações na gestação, parto prematuro, redução do peso ao nascer, dificuldades de coordenação motora, diminuição do fluxo sanguíneo cerebral, do volume dos hipocampos e da substância branca do cérebro. Conforme artigo de 16 de junho deste ano na revista JAMA-Psychiatry, o uso de maconha na adolescência se relaciona com reduções da espessura do córtex cerebral de regiões ricas em receptores (CB-1) de canabinoides.

Efeitos comportamentais e psicológicos evidentes incluem alterações do comportamento e da personalidade, com perda de iniciativa e motivação, prejuízo para aprendizado e desempenho profissional, crenças inusitadas, pseudocriatividade, sintomas psicóticos leves e persistentes, psicoses agudas, depressão, ansiedade e risco de suicídio.

Avaliações periódicas da saúde física e mental de 50 mil alistados no serviço militar sueco, em 1969, mostram que quem fumou maconha 52 vezes ou mais, aos 18 anos, teve 3,7 vezes maior taxa de internação psiquiátrica por surto psicótico do que os que não a usaram 35 anos depois. Dez outros estudos resultaram em taxas semelhantes.

Maconha com alto teor de THC foi identificada como provável componente causal para a esquizofrenia. Artigo na The Lancet, em 2019, informou que, em regiões de Londres, Amsterdã e Paris onde se usa Cannabis com mais de 10% de THC, a incidência de esquizofrenia é significativamente maior do que em outros locais. Variedades da Cannabis com teor de THC cada vez maior têm sido cultivadas e vendidas para fins recreativos. A maconha legalizada no Uruguai pode ter 15% de THC. O cigarro eletrônico chega a 60%. Jovens expostos a maiores concentrações de THC do que as usadas até há 30 anos terão prejuízos maiores do que os hoje documentados.

O projeto de lei 399/15 contradiz a essência da ética em saúde, pois assume eficácia e segurança sem dispor de dados confiáveis para isso. Contradiz, também, a lógica da economia, pois os custos médicos, humanitários, sociais e produtivos serão maiores do que os gastos do SUS com a compra e distribuição de preparações purificadas de componentes seguros da Cannabis para quem, de fato, precisar delas. Essa lei estimularia o uso da maconha, em vez de promover a prevenção primária de danos irreversíveis.

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