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Luís Fernando Tófoli

O projeto que autoriza o cultivo de maconha para fins medicinais deve ser aprovado no Congresso? SIM

Não se deve confundir prescrição médica com uso social ou bandeira moral

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Luís Fernando Tófoli

Doutor em psiquiatria pela USP e professor da Unicamp, é coordenador do Laboratório de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (Leipsi) e membro do Conselho Estadual de Políticas sobre Drogas do Estado de São Paulo (Coned-SP)

O projeto de lei (PL) 399/15, que trata do plantio de maconha no Brasil para uso científico e medicinal, foi aprovado em uma comissão especial na Câmara dos Deputados.

A proposta é alvo de uma série de ações nas redes sociais e na política, por grupos ou indivíduos afinados com o governo Jair Bolsonaro, repetindo de formas variadas a noção de que este PL significaria a “liberação” da maconha no Brasil.

É necessário esclarecer o teor do projeto e entender que a pauta levantada pela maioria de seus estrepitosos opositores não é de natureza sanitária, mas, principalmente, moral.

Deve-se estar ciente de que, apesar de determinar regras mais claras, o projeto não legalizará a maconha medicinal no Brasil; tal regulamentação já aconteceu em 2019, em resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa.

Funcionário manuseia cânabis na linha de produção da Bazelet, empresa israelense de maconha medicinal - Lalo de Almeida - 3.mar.20/Folhapress

Ao fazê-la, a agência seguiu a evidência científica erguida de forma lenta, mas inequívoca: existem propriedades terapêuticas em extratos da planta e seus princípios ativos isolados, os canabinoides. Isso inclui tanto o canabidiol (CBD), que não é euforizante e é defendido na sua forma isolada pelos conservadores, quanto o tetraidrocanabinol (THC), que é o principal responsável pelos efeitos subjetivos.

Contudo, mesmo autorizando o uso medicinal, a Anvisa não tem competência legal para regularizar o plantio de maconha no Brasil. Na prática, isso significa que pessoas que necessitam de medicamentos à base da planta têm que enfrentar a importação de produtos, com preços que superam a cifra de milhares de reais por mês, ou buscar o plantio associativo autorizado pela Justiça.

O PL 399/15 regulamenta os termos em que o plantio, o processamento e a comercialização de medicamentos de maconha e de produtos de cânhamo —cânabis sem THC cultivada por suas fibras de excelente qualidade— possam acontecer em território nacional.

O texto do projeto de lei é rigoroso em relação às medidas de segurança necessárias para que as plantações de maconha atendam a fins estritamente farmacêuticos e científicos. O uso terapêutico de maconha “in natura”, como chá ou produto fumígeno, foi vedado.

Apesar do pioneirismo brasileiro do neurocientista Elisaldo Carlini, é fundamental avançar e entender melhor pela luz da ciência as indicações da maconha medicinal, que não deve ser vista como uma panaceia. Assim, o plantio científico para a prescrição responsável também é bem-vindo.

Ainda que mais pesquisas sejam necessárias, uma análise imperturbada sobre o tema já nos permite dizer que, como qualquer medicamento, a maconha não é isenta de riscos. Um deles é a associação entre o consumo de maconhas com altos teores de THC e o desenvolvimento de sintomas psicóticos, especialmente em jovens.

Não se deve confundir, porém, a prescrição médica de uma substância com o seu uso social. Diversos estudos recentes, inclusive os de Silvia Martins, psiquiatra e epidemiologista brasileira radicada na Universidade Columbia, nos EUA, atestam que o estabelecimento das chamadas leis de maconha medicinal —algumas delas bem mais liberais do que determina o PL 399/2015— não levaram ao aumento do consumo da erva para o chamado uso recreativo.

Portanto, é imperativo reconduzir essa suposta polêmica onde ela possa ser melhor abordada na política pública: no âmbito científico e sanitário. Tentar distorcer a pauta para que o projeto se revista de uma questão de costumes é parte do método habitual do conservadorismo brasileiro de gerar muita fumaça por nada.

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