Leitor descreve como é sua relação com a sua 'companheira' Folha
Não sei por que chamam a Folha de "velha senhora". Para mim ela é minha companheira, sempre jovem e brilhante. Esse caso de amor começou há muitos anos. Oficialmente debutamos 15 anos, com o mesmo número de cadastro. Mas certamente completamos Bodas de Prata em nosso relacionamento.
Claro que nem sempre tudo foram flores. No começo do relacionamento tivemos incompatibilidades econômicas. Aprendiz de metalúrgico, ferramenteiro, para ser mais preciso, os meus recursos para pagar uma leitura diária eram restritos. Posso até confessar agora que a dividia com outros dois companheiros do trabalho. Não era nenhum "ménage-a-trois", que por certo seria a quatro, e não a três, mas simplesmente um acordo para saber quem pagava o jornal naquele mês. Todos liam, mas a assinatura já era em meu nome. Levava-a escondida dentro da barra da calça, para o banheiro da empresa, a fim de ter uns momentos de tranquilidade na leitura diária.
Depois das greves do ABC no ano 1985, onde ficamos acampados dentro da empresa, o facão correu e perdi o emprego. Tudo bem. Era questão de tempo mesmo para sair da fábrica e buscar meu caminho profissional na Faculdade de Comunicação.
Os tempos difíceis continuaram na época da faculdade. Havia momento que não conseguia estar com ela e usava de artifício para enganar o setor de assinatura: deixava vencer e não pagava. Ganhava mais uns 30, 40 dias até cortarem a entrega. No dia seguinte fazia nova assinatura e recebia imediatamente o exemplar. Já estagiando em Marketing, ela era minha companheira de viagem do fretado. Dedos sujos, mas leitura em dia, nos 50 minutos até a marginal.
Foi nesse relacionamento que fiquei sabendo que tinha nascido o Datafolha. Como jovem publicitário, nunca poderia ter renegado a sua origem. Tanto acreditava nele que apostei com o gerente uma caixa de cerveja que um candidato ganharia. Ganhei a aposta, saí do emprego e até hoje ele não pagou as cervejas...
Já estávamos em 1992, abri minha própria empresa e todo dia de manhã a companheira me acordando com boas notícias. Sim, tinha as más notícias, os escândalos, a corrupção a todo o momento em suas páginas. Mas tinha o caderno de Informática, nas quartas-feiras, como uma parte sobre fotografia, minha paixão. Apareceu também o caderno de Turismo, a Revista da Folha, nos domingos. Houve um tempo até que ela se chegou mais próxima, com seu caderno regional do ABC. Imagina só a Folha de São Paulo noticiando os acontecimentos do ABC ou de minha cidade. Bons tempos aqueles...
Com a idade, sim, algumas coisas caem. Lá se foram diversos cadernos, suplementos... Sucumbiram pelo peso da idade. Mas minha companheira, a Folha, continuava toda manhã em minha porta. E eu passava sempre o olho na coluna do Leitor, só para ver quem reclamava que ela era a favor do governo, ou muito pelo contrário. Sábios esses jornalistas que sempre colocavam posições antagônicas nessa seção. Parei de ler. O Adilson Laranjeira apareceu demais por lá...
De tempos em tempos torço a cara para uns colunistas e leio com prazer outros, pois esse é o preço da diversidade. Perdi a oportunidade de ler o Luis Nassif depois que ele foi embora e mais tarde o Joelmir Beting também. Delfim Neto, ainda estou esperando o bolo crescer para poder te ler. Sarney, obrigado, mas faço questão de não te ler. Clovis Rossi foi muito longe e espero sua volta. Dráuzio Varela é meu médico de família. José Simão, seu colírio me cegou. Divirto-me e aprendo muito com as cartas psicografadas de Elio Gaspari. Ainda torço por uma F-1 com o Fabio Seixas. A Nina Horta é um prazer te ler, quase gastronômico. Pasquale é meu mestre, Rosely Sayão minha companheira de sala de professores, e Marcelo Gleiser no laboratório. Hélio Schwartsman é o patrono da minha igreja, a Igreja Heliocêntrica do Sagrado EvangÉlio, que ainda sigo seus ensinamentos diários, mesmo ele tendo fugido do culto. Comecei a seguir o Fernando Rodrigues, depois de uma coluna sobre o padre local e sua amante. Eliane Cantanhêde, André Singer, Janio de Freitas, são nomes que me fazem ler o texto abaixo deles. Tinha também o cronista americano, Michael Keep, que morava no Rio e casou com uma mulata...
O tempo passou, casei, fui morar num apartamento, que precisava ter um banheiro grande para eu ler o jornal espalhado no chão. Minha filha nasceu, e ela tem um insuportável asco pelo cheiro do papel jornal que sinceramente nunca reparei. Nem a Folhinha foi capaz de aproximar essa nova leitora de suas páginas. Quem sabe não inventam um jornal com perfume...
Hoje recebo as principais notícias em links no meu email. Um velho pedido meu que foi atendido. Obrigado, jovem companheira!
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