Leia a íntegra da entrevista concedida por Ricardo Berzoini à Folha
Folha - Na avaliação do senhor, a escolha desta próxima direção e presidência do PT tem relação com 2010?
Ricardo Berzoini - Vai ter porque na verdade vai percorrer um período que pode fortalecer ou não o PT. As eleições municipais de 2008 são muito importantes para acúmulo de força do partido. Além disso, a própria vida política interna do PT é decisiva para esse fortalecimento. Precisamos construir, nos próximos dois anos, uma agenda programática para o pós-Lula. Nós temos que disputar 2010 com um candidato ou candidata do PT com uma nova agenda programática. A base do programa que apresentamos ao país em 2002 e 2006 vai estar cumprida. Precisamos apresentar algo além disso. Acho que essa direção vai ter esse papel: evidentemente entregar para a direção que vai assumir em 2009 um partido mais forte, mais coeso, e com agenda programática mais aprofundada.
Folha - Se for reeleito, o que o sr. imagina que o PT pode apresentar de novo sob o aspecto programático para encarar a eleição presidencial de 2010?
Berzoini - Nosso grande desafio é trabalhar essa agenda para o país a partir de 2011. O PT faz parte da base do governo Lula, temos a honra de ter Lula entre nossos filiados, mas sabemos que nosso governo é resultante de um arco de aliança bastante heterogêneo. Uma das tarefas que temos de pensar é como fortalecer essa perspectiva a partir de algumas questões fundamentais, como por exemplo a agenda do crédito no Brasil. O governo avançou muito, mas não na altura do que o PT ambicionava. A própria questão das reformas tributária e política. São duas questões que pelas próprias circunstâncias da base de apoio temos limitações para fazer com a amplitude que o Brasil precisa. A outra questão fundamental é pensar como, neste cenário, o Brasil possa dar continuidade e desacelerar o processo de concentração de renda e riqueza. A agenda do pós-governo Lula, para ter total sintonia, inclusive com o presidente, precisa pautar novas direções que o PT vai disputar na sociedade em 2010.
Folha - O sr. admite que a ampla e heterogênea aliança impediu o avanço de reformas. Como é possível manter a base de apoio até 2010 e ao mesmo ter bandeiras próprias do partido com vistas à eleição?
Berzoini - Eu acredito que uma das possibilidades que temos em 2010 é termos a base aliada unida na eleição. Outra possibilidade é termos disputas mais matizadas ideologicamente. Eu aposto que vamos ter a possibilidade de contar com apoio de boa parte desta base, mas que o PT vai apresentar um programa político à altura da sua história para a disputa eleitoral. Não excluímos possibilidade de aliança com nenhum partido da base do governo, mas sabemos qual é o nosso perfil ideológico e nosso perfil estratégico. Queremos apresentar a nossa agenda para o país num processo pré-eleitoral e discutir quem deseja acompanhar o PT nesta agenda. Evidentemente dialogando com os partidos que também podem ter ambição de ter candidatos. Há essa lógica de o PT ter candidato, que é natural na minha avaliação, mas temos que ao mesmo tempo dialogar com outras aspirações.
Folha - Como o sr. explica hoje o episódio do dossiê contra tucanos, de 2006?
Berzoini - Esse é um assunto que, para mim, é página virada. Tudo que eu podia fazer na época para garantir o esclarecimento eu fiz. Do meu ponto de vista não tem qualquer situação nova a se colocar.
Folha - E o envolvimento dos petistas?
Berzoini - Prefiro não especular sobre isso. Na época fiz todo o diálogo interno, inclusive público, com a imprensa, que permitiu às pessoas formar um juízo sobre esse episódio. Acho que esse episódio não é a pauta desse processo de eleição. Não tem sido. As pessoas têm tratado as questões programáticas, estratégicas e táticas do PT como sendo do debate. Para mim, é a melhor maneira de deixar claro que é um episódio superado.
Folha - É episódio superado também na relação entre o sr. e o presidente Lula?
Berzoini - Houve muita especulação sobre isso no final do ano passado e começo deste ano. Creio que os fatos demonstraram melhor do que qualquer declaração minha ou dele que essa é uma questão solucionada e resolvida.
Folha - Neste espectro de sete candidatos a presidente nacional do PT o sr. é o que conta com o apoio do presidente?
Berzoini - Eu nunca pedi o apoio ao presidente Lula e imagino que ele não deva manifestar apoio a ninguém. Para um presidente da República, o melhor para ele é se manter na posição de neutralidade e acompanhar o processo.
Folha - Em relação às crises vivenciadas pelo PT (o sr. já disse que o mensalão, como esquema de contribuição a parlamentares, não existiu), a eleição no partido inclui o debate sobre ética? Ou isso também é superado?
Berzoini - O PT, como todos os partidos brasileiros, enfrenta um problema que é a estrutura de financiamento da política brasileira. Nós temos, na verdade, um sistema que não tem financiamento público assegurado e uma legislação que prevê financiamento privado, o que sempre coloca à época das eleições um desafio para quem dirige um partido ou uma candidatura, que é o de onde buscar os recursos para financiar essas campanhas. Até 2004, havia, digamos, uma regra não escrita que as campanhas não precisavam ter uma formalização tão grande. Então, quando aconteceu a crise de 2005, eu creio que já se chamou atenção para esse aspecto da formalização. Com certeza a campanha de 2006 já foi um exemplo disso. Agora nós precisamos evoluir para aprovar o financiamento público de campanha. Acredito que, para o Brasil, seria um avanço inestimável para a democracia.
Folha - As discussões internas sobre o mensalão já foram equacionadas?
Berzoini - Fizemos um debate sobre isso no Congresso Nacional do PT. O debate, na minha opinião, foi bastante maduro e qualificado. Eu creio que agora é implementar as resoluções do Congresso e continuar cuidando para que o PT tenha uma vida financeira e de relações internas qualificadas. Não existe crise para ser motivo para nos desunir. Existe crise para a gente aprender com ela.
Folha - O PT aprendeu?
Berzoini - Acho que aprendemos bastante, principalmente sobre o nível de hipocrisia política no nosso país. E que tem que ser superado. Precisamos partir para um processo mais maduro de relação entre os partidos e reconhecer publicamente que existe uma limitação legal, que não conseguimos superar no Congresso. Nós tentamos votar o financiamento público e o voto em lista, que seria uma redução brutal de custos das campanhas parlamentares. Infelizmente, nós não tivemos sucesso. Precisamos retomar esse assunto. Já deliberamos que vamos defender uma Constituinte exclusiva. Sei que o assunto é polêmico, que muita gente é contra porque preferiria uma Constituinte congressual. Acredito que o processo de mobilização da sociedade é vital. Se não houver mobilização da sociedade, não sai reforma política consistente.
Folha - E a polêmica do terceiro mandato? O PT vai adotar postura clara sobre a reeleição, se quer mandato de cinco anos?
Berzoini - O PT já adotou posição clara quando votou contra a reeleição. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso teve a oportunidade de dispor desta novidade na política brasileira. A regra atual são dois mandatos. Eu já me pronunciei centenas de vezes: o PT não está analisando, especulando, estudando sobre isso. Não há qualquer tipo de dúvida. Fizemos um congresso com quase mil filiados e ninguém, nenhum delegado sequer, colocou esse tema para discussão. Portanto, para nós o tema não existe. Estamos nos preparando para apresentar uma candidatura em 2010. Vai ser a primeira eleição presidencial em que o Lula não é candidato a presidente.
Folha - E sobre o fim da reeleição e conversas com tucanos?
Berzoini - No PT há polêmica sobre aprovar agora o fim da reeleição ou não. Eu sou favorável ao mandato maior, de cinco anos, sem reeleição. Não é prioridade nossa. Prefiro discutir financiamento público e fidelidade partidária rigorosa do que discutir uma questão que admito discutir, se alguém propuser sobre a qual não temos qualquer interesse. O atual sistema com mandato de quatro anos e uma reeleição não é um mal em si, embora a reeleição, muitas vezes, provoque desequilíbrio entre os candidatos.
Folha - A ausência de Lula na disputa será absolutamente novo para a oposição e a centro-esquerda. O que muda, quais são as conseqüências?
Berzoini - Temos uma experiência de oito anos de governo. Se prosseguir no ritmo que estamos experimentando agora, o presidente Lula vai ser um grande eleitor em 2010. Por outro lado, você não terá a figura de um candidato altamente conhecido e com o carisma do Lula. Então acho que vai ser uma eleição na qual teremos que chegar mais perto dela para prever o cenário. Até porque não sabemos como vai se comportar a oposição. Pode estar mais unificada, menos unificada, mais pacificada ou menos. É algo para construirmos enquanto trabalhamos pelas eleições municipais para chegar mais próximo e ter mais claro o cenário.
Folha - Sem candidatos conhecidos e grande carisma, a disputa não pode ser transferida, de certa forma, para o significado da sigla?
Berzoini - Não fizemos esse raciocínio, mas o PT, pela força que tem, se incorporou no imaginário social. É uma instituição política democrática da esquerda brasileira. Sabemos que temos força, representatividade e capilaridade. No Brasil, as referências partidárias são limitadas. Nós somos o que mais tem isso. Trabalhamos com a perspectiva que o PT será um vetor importantíssimo, por isso a avaliação de que teremos candidato em 2010, sempre resguardando o diálogo com os demais partidos.
Folha - Já circulam nomes do PT: Marta Suplicy, Dilma Rousseff, Jaques Wagner e Patrus Ananias. Como o partido conduzirá o debate?
Berzoini - Nenhum deles se coloca como presidenciável. São nomes que circulam na imprensa e na militância do PT. Não só dos quatro, mas de outros. Para qualquer pessoa que tenha mesmo que secretamente esse desejo, esse não é assunto para agora. Em 2009 vamos ter que abrir o debate. Numa primeira fase, tem que ser debate reservado, de avaliação interna. Mas no dado momento tem que ser público e talvez mobilize mais a opinião pública que o próprio PT. Ninguém hoje tem pole-position. E nenhum nome que possa ser vetado.
Folha - E a candidatura de Ciro Gomes?
Berzoini - O Ciro é um grande companheiro e tem um respeito muito grande dentro do PT. O seu compromisso com o governo Lula foi sobejamente demonstrado. Agora, como eu disse, o PT é um partido que tem vocação para ter candidato, o que para nós não deve ser nunca uma obrigação, mas uma vocação e uma tendência. Queremos também, obviamente, muito diálogo com os partidos e quem quer dialogar não pode apresentar posições absolutamente petrificadas.
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