Generais começaram carreira na ditadura
Mesmo passados 29 anos de regime democrático, quase todos os oficiais-generais das três Forças Armadas brasileiras entraram para a carreira durante a ditadura militar (1964-1985), segundo relação obtida pela Folha via Lei de Acesso à Informação.
Dos 383 oficiais-generais na ativa, 372 (97,1%) sentaram praça durante os 21 anos em que o Brasil foi governado por presidentes militares.
Destes, a maioria ingressou na carreira no período mais duro, compreendido entre a promulgação do AI-5, em dezembro de 1968, e a aprovação da Lei da Anistia, promulgada em agosto de 1979.
Editoria de Arte/Folhapress |
No Exército, 135 (79% do total) dos generais na ativa entraram para a caserna nessa época. Na Marinha, 84 (75%), e, na FAB, 85 (84%).
Eles encontraram quartéis bastante diferentes aos do governo João Goulart (1961-64): foram 1.437 militares punidos de 1964 a 1978, a grande maioria já no primeiro ano.
"A instituição militar foi o órgão governamental mais atingido pelos expurgos da ditadura, evidência dos conflitos internos e das posições polarizadas entre direita e esquerda ali existentes, sobretudo na década de 1960, e do esforço para que as Forças Armadas se tornassem amplamente pró-ditadura nas décadas seguintes", afirma a historiadora Andrea Paula dos Santos, da Universidade Federal do ABC.
Ao mesmo tempo, o primeiro presidente militar, Castello Branco (1964-7), promoveu a profissionalização da carreira, limitando o período dos oficiais na ativa. O objetivo era evitar que os generais se transformassem em líderes políticos dentro das Forças Armadas.
A limpeza e as mudanças na carreira facilitaram a perpetuação da linha ideológica dos generais que promoveram o golpe.
Para analistas, isso explica a recusa institucional em reconhecer crimes de tortura e assassinatos, avaliando o período com um saldo positivo.
Em 2010, por exemplo, a turma de cadetes da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), por onde passaram quase todos os generais do Exército, se formou com o nome "Emílio Garrastazu Médici", presidente da época mais dura da repressão, entre 1969 e 1974.
Em aparente tentativa de romper o hermetismo da formação dos militares, o Ministério da Defesa tem promovido algumas iniciativas para ampliar a participação civil nas escolas das Forças Armadas, incluindo a inserção de aulas de direitos humanos.
Para o cientista político Eurico de Lima Figueiredo, do Instituto de Estudos Estratégicos da UFF (Universidade Federal Fluminense) a formação doutrinária, o corporativismo e a transição relativamente tranquila para a democracia explicam a visão complacente dos militares sobre o regime que lideraram.
Mas Figueiredo ressalva que, "felizmente, o Brasil não tem uma história oficial".
"É preciso se lembrar da importância dessa corporação na história brasileira e na história que eles escreveram pra eles mesmos. Eles têm uma história e querem mantê-la, mas ela só será vencida pela melhor versão", diz.
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