Perfil: A solidão de Dilma e seu estilo durão
Dilma Vana Rousseff, 66, descobrirá neste domingo (26) se deixará as urnas como a primeira presidente mulher reeleita do Brasil ou, na hipótese de derrota, se entrará para a posteridade como o "erro histórico" do PT, termo ouvido entre seus próprios auxiliares do partido.
Dilma jamais sonhou chegar tão longe. Ela demorou a acreditar quando as primeiras notinhas de jornais falavam sobre o desejo de Luiz Inácio Lula da Silva de vê-la conduzir seu legado.
Venceu em 2010 na esteira da popularidade de Lula, mas enfrentou problemas de saída no cargo. Decidiu, sozinha, desacelerar o ritmo da economia em 2011. No ano anterior, o Brasil havia crescido 7,5%. A inflação, contudo, preocupava.
Para desespero dos desenvolvimentistas da Esplanada, Dilma autorizou contingenciamento salgado de R$ 50 bilhões nas despesas públicas. Depois, deu aval para uma economia de R$ 10 bilhões a mais, frustrando aqueles que preferiam investimento estatal em infraestrutura.
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Confira a linha do tempo da vida e a biografia da candidata Dilma Rousseff (PT) |
"Pega bem com o mercado", defendia o ministro da Fazenda, Guido Mantega, durante uma fase diferente da atual, em que, para o mercado, nada parece pegar bem.
Em dezembro de 2011, ano da lua de mel entre governo e sistema financeiro, empresariado e imprensa, uma frase passou incólume. "Nós tivemos de deliberadamente diminuir o ritmo de aceleração [da economia]", disse Dilma em um evento.
Era isso mesmo: a mãe do Plano de Aceleração do Crescimento reconhecia ter tombado o crescimento do país voluntariamente.
Àquela altura, os efeitos da crise internacional ainda não eram tão evidentes no país. Desacelerar o PIB era, portanto, aposta arriscadíssima.
Mas Dilma tinha crédito. Exibia taxas de aprovação altas, escoradas em mudanças no ministério que lhe deram a fama de "faxineira" de corruptos, ainda que boa parte deles tenha voltado ao governo depois. A autoconfiança da presidente evoluía à medida que sua popularidade avançava.
Aos poucos, Dilma foi dando lugar a Rousseff, brincam pessoas próximas que acompanharam a metamorfose.
O jeitão duro, as broncas, as exigências descabidas e o microgerenciamento não só afloraram com maior intensidade como começaram a atrapalhar o próprio funcionamento do governo.
O detalhismo desceu ao ponto de a presidente avaliar pessoalmente listas de convidados para almoços no Itamaraty. Em outra ocasião, fez questão de definir o vinho que seria servido em um almoço com o cantor Bono, da banda irlandesa U2.
A notória obsessão pelo programa de apresentações PowerPoint já não se limitava à sua utilização em reuniões internas. Ela passou a corrigir a apresentação dos subordinados –houve ocasiões em que tirou o laptop da mão do dono e refez os números no computador.
Amigos arriscam que o estilo durona tenha vindo dos tempos de cárcere na ditadura, no começo dos anos 70.
Na superfície, a tortura deixou-lhe ao menos uma marca evidente: um violento soco na cara projetou para fora seus dentes da frente.
Dilma costumava se preparar para os interrogatórios noturnos da repressão dormindo de sapatos. Detestava a ideia de apanhar descalça.
"O estresse é feroz, inimaginável. Descobri, pela primeira vez, que estava sozinha. Encarei a morte e a solidão. Lembro-me do medo quando minha pele tremeu. Tem um lado que marca a gente pelo resto da vida", disse ela num raro depoimento em 2001 a uma comissão que investigava casos de tortura para eventual indenização.
Filha da classe média, Dilma nasceu em Belo Horizonte em 14 de dezembro de 1947. Conheceu seus dois ex-maridos na VAR-Palmares, organização em que militava. Tanto Cláudio Galeno, o primeiro, quanto Carlos Araújo, pai de sua única filha, Paula, marcaram presença na posse da ex-mulher, em 2010.
Galeno atuou no sequestro de um avião, e Araújo ajudou a planejar o roubo do cofre do ex-governador Adhemar de Barros para bancar a luta armada. Mas não há registros de que Dilma tenha participado de ações armadas.
Ao longo dos quatro anos de mandato, o entorno de Dilma coleciona anedotas mais ou menos engraçadas sobre as explosões da chefe. O mau humor presidencial, relatam assessores, não faz distinção de escalão. Ninguém, nem ministro nem auxiliar, é imune.
No início do governo, por exemplo, deixaram o trabalho no Palácio da Alvorada por problemas com o temperamento da "patroa" uma secretária particular, uma camareira e uma maquiadora.
Nos episódios relatados, Dilma não pede desculpas. Amigos dizem que a presidente considera assumir erros uma forma de se fragilizar.
Quando é alvo de reparos, cita sempre o "Velho do Restelo", personagem pessimista criado por Luís de Camões em "Os Lusíadas", para ilustrar o que considera cegueira dos críticos. O velho em questão rejeitava o sucesso das grandes navegações portuguesas da época.
Dilma costuma resgatar seu exemplo. "Se ele tivesse sido ouvido, o Brasil não seria descoberto."
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