Até Adam Smith seria contra privatizar Pacaembu, diz Ruy Fausto
Zé Carlos Barretta/Folhapress | ||
Ruy Fausto, autor do livro 'Caminhos da Esquerda', durante debate no teatro da Livraria Cultura |
Ao pensar o futuro da esquerda brasileira, o filósofo Ruy Fausto olhou no retrovisor para fazer um balanço das colaborações dos governos recentes do país –e segundo ele, não há muito o que salvar.
O professor emérito da USP não poupou críticas ao PT e ao PSDB durante debate de lançamento do seu novo livro "Caminhos da Esquerda", promovido pela Folha e pela Companhia das Letras nesta segunda (3).
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, para Fausto, "podia até querer" fazer grandes intervenções sociais enquanto esteve no cargo, mas não o fez. "E hoje ele apoia gente como João Doria [prefeito de São Paulo], com quem não tem nada a ver", continuou.
"Há a ideia de que o racional é o mercado, mas até Adam Smith seria contra a privatização do Pacaembu", disse, em referência ao pai do livre mercado. "Colocar um pensamento egoísta para decidir a política cultural do Estado é um delírio. E hoje isso é tratado como moderno."
Já Lula, para o filósofo, representa um modelo de "populismo fraco" que "já se esgotou". Na análise exposta no livro, o autor diz que a esquerda pode falhar em três direções: aderindo ao sistema capitalista (caso de FHC), recaindo no autoritarismo (como o venezuelano Hugo Chávez) ou incidindo no populismo –caso mais próximo ao governo petista.
Ele defende que há necessidade de o campo esquerdista se redefinir, sem apostar suas fichas nos partidos que dominam esse lado do espectro atualmente (PT e PSOL). "Ou a esquerda faz isso ou ela morre."
O sociólogo Celso Rocha de Barros, colunista da Folha, concordou que o modelo implementado pelo PT deve ser criticado, mas alertou para "não jogar fora a criança junto com a água da banheira".
Zé Carlos Barretta/Folhapress | ||
O economista Samuel Pessôa, o sociólogo Celso Rocha de Barros, o mediador Marcelo Coelho e o filósofo Ruy Fausto em debate sobre o livro 'Caminhos da Esquerda', nesta segunda (3) |
Ele defende que há um "núcleo a ser preservado no PT" para avançar na construção de uma alternativa social-democrata no país. As políticas redistributivas implementadas no governo Lula, para ele, são caso de sucesso.
"As pessoas não estão interessadas se a nova matriz econômica petista superou o neoliberalismo, mas no quanto a vida dos pobres melhorou. Em termos de desigualdade, o Brasil ainda vive nos tempos [do seriado britânico] Downton Abbey..."
O economista Samuel Pessôa, que também participou do debate, criticou os mandatos petistas por terem gerido as relações com o Congresso pior que o governo anterior ("virou um presidencialismo de cooptação") e por terem pesado a mão no intervencionismo ("foi um desastre").
Mas para ele, o primeiro mandato de Lula representou um verdadeiro governo social-democrata. "Ele roubou o programa de governo do FHC, mas isso é natural na política". Isso mudou, segundo Pessôa, quando o ex-ministro Guido Mantega assumiu a Fazenda.
O colunista da Folha e professor da FGV contou ter sido favorável, em 2006, a uma guinada à direita do PSDB, para fazer contraponto à posição social-democrata que já estava ocupada pelo PT.
PÓS-CAPITALISMO
Fausto defende um modelo de "pós-capitalismo", já que o sistema capitalista "implica muitos sofrimentos, catástrofes". Para ele, é preciso agir "para que formas não capitalistas dentro da sociedade de mercado se transformem em hegemônicas".
Pessôa disse que o incomoda na esquerda a "visão crítica antipragmática", especialmente nas questões econômicas, e o "tom conspiratório".
"É algo ingênuo, como se precisasse vir alguém iluminado para resolver [os problemas]. Sinto falta de uma explicação de como as coisas vão ser implementadas. Há uma baixa paciência da esquerda com a tecnicidade."
O debate, mediado por Marcelo Coelho, colunista da Folha, lotou o teatro Eva Herz da Livraria Cultura, na avenida Paulista.
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