WÁLTER NUNES
DE SÃO PAULO

A multidão que ocupava a praça da República, no centro de São Paulo, na quarta (24), ainda tentava assimilar a notícia de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia sido condenado a 12 anos e um mês de prisão pelos juízes do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) quando foi convocada pelo senador Lindbergh Farias (PT-RJ). "Vamos parar de ilusões. Será que alguém acha que é pelo caminho institucional que nós vamos derrotar o golpe?", questionou.

"Só há um caminho que é apostar nas ruas, no enfrentamento social, na rebelião cidadã, na desobediência civil."

O tema desobediência civil se espalhou naquela noite em discursos de políticos, sindicalistas e líderes de movimentos sociais. Foi repetido no dia seguinte no evento em que o PT lançou a pré-candidatura de Lula à Presidência. Questionada pela Folha, a direção do partido disse, via assessoria, que não há planos para uma ação dessa natureza. O debate, porém, vem sendo travado por petistas desde o ano passado.

No artigo 12 da resolução do diretório nacional intitulada "Defender Lula é defender a justiça e a democracia", de 16 de dezembro, já era considerada essa hipótese caso a decisão do TRF-4 fosse desfavorável a Lula. "Alertamos que as arbitrariedade [sic] do sistema judicial e as mentiras do oligopólio da mídia podem conduzir à desobediência civil", diz o documento.

A desobediência civil é uma forma de protesto pacífico que consiste no descumprimento de uma determinada norma considerada injusta ou imoral. O conceito surgiu no século 19 quando o filósofo norte-americano Henry David Thoreau anunciou que não pagaria impostos para não financiar a guerra que os EUA travavam contra o México por território. Foi preso por isso. Thoreau acabou influenciando líderes como o norte-americano Martin Luther King e o indiano Mahatma Gandhi, que também foram presos por denunciar injustiças.

EQUÍVOCO

O professor de direito Fernando Scharlack Marcato, responsável por um curso sobre o tema na FGV-SP, considera que o conceito está sendo usado de maneira equivocada no caso do ex-presidente Lula. "Como eles (apoiadores de Lula) conseguem comprovar que a ordem judicial foi ilegal e que o Lula foi julgado sem provas, por exemplo? Não é uma questão muito clara, é uma questão de interpretação. Nos casos de desobediência civil as questões são muito claras, que tocam no direito de muitas pessoas. Eram leis (injustas) que atingiam, por exemplo, uma raça, como os negros, ou cidadãos de determinados países, como o indianos."

Marcato também diz que a desobediência civil implica em consequências que a torna, na prática, de difícil aplicação. "A dúvida é se as pessoas contrárias à decisão (do TRF-4) estão dispostas a sofrer a consequência de descumprir uma lei e serem presas de maneira maciça, por exemplo. Eu não sinto no discurso atual essa disposição", diz. Na quinta (25), Lindbergh Farias disse que antes de prender Lula o Judiciário teria que prender milhões de pessoas. "Não me parece haver uma semelhança (com casos clássicos de desobediência civil). Parece ser mais um recurso retórico."

O senador Lindbergh Farias disse à Folha que a desobediência civil se justifica no caso de Lula porque o Poder Judiciário estaria "rompendo com o ciclo democrático" e "rasgando a Constituição do país". "O que está havendo no Brasil é a ruptura do pacto de 88 (Constituição), que previa eleições livres e democráticas", diz o senador. "Tirar Lula do processo eleitoral viola o direito dos cidadãos (que pretendem votar no ex-presidente)." O petista foi questionado sobre um exemplo de ação que pretende promover, mas não revelou planos.

Segundo o senador, o discurso do partido tem sido mal interpretado. "O que a gente quer fazer são ações pacíficas. Não estamos falando em luta armada. Isso é bobajada", diz. Nos dias que antecederam o julgamento de Lula, a presidente do PT foi criticada ao dizer que para prender Lula "vai ter que matar gente".

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