Descrição de chapéu

Divisão sexual do trabalho ainda marca inserção na política

Mesmo com lentas mudanças, medidas buscam ao menos aumentar o número de eleitas

Marina Merlo

Uma prefeita relatou que uma das dificuldades de seu mandato estava na cobrança de seus irmãos para cuidar da mãe idosa e doente, sendo acusada de não ser mais uma boa filha. Outras, já eleitas, ainda se autoidentificavam como "domésticas". Outra, também já eleita, conta como era questionada por colegas vereadores sobre sua capacidade de dar conta da agenda parlamentar e do cuidado dos filhos.

Parlamentares do PSOL e de partidos de esquerda fazem ato e participam de sessão solene em homenagem a vereadora Marielle Franco, do RJ, que foi assassinada no Rio de Janeiro - Pedro Ladeira/Folhapress

Os dois primeiros relatos foram colhidos em 1980 pela socióloga Eva Blay em seu livro "As Prefeitas", um dos estudos pioneiros sobre a desigualdade de gênero na política do Brasil. O último foi registrado 36 anos depois, durante uma pesquisa que conduzi na USP com vereadoras eleitas na capital paulista.

Esses casos ilustram como há uma expectativa diferente sobre quais papéis mulheres e homens podem desempenhar na sociedade. Conforme a literatura acadêmica aponta, existe uma divisão sexual do trabalho: a mulher deve ser responsável pelo cuidado e do lar enquanto que ao homem cabe trabalhar fora e tomar decisões por todos na família. Essa desigualdade sobre o que a mulher poderia fazer é um dos entraves para sua atuação na vida pública. Elas são desencorajadas a entrar na política sob o argumento de que esta é uma trajetória de homens e que à mulher cabe cuidar da casa e dos filhos.

As mulheres que insistem em tentar a carreira política são questionadas sobre sua capacidade e qualificação para atuar como eleita, já que seriam boas apenas para o cuidado. Além disso, se confrontam com a falta de recursos e apoio para suas campanhas, sendo muitas vezes recrutadas pelos partidos apenas para preencher a cota feminina determinada em lei. A consequência está no pouco mais de 10% de eleitas para a Câmara dos Deputados em 2014.

Mesmo com lentas mudanças sobre o que as mulheres podem fazer, medidas recentes buscam ao menos aumentar o número de eleitas. A partir deste ano, 30% dos recursos públicos destinados aos partidos terão que ser investidos em mulheres. Além disso, uma iniciativa inédita do Ministério Público Federal e do Estado de São Paulo terá promotora exclusivamente dedicada ao monitoramento das candidatas, recebendo denúncias e reclamações sobre o descumprimento da lei.

São passos importantes, mas ainda iniciais, para garantir a igualdade constitucional entre homens e mulheres.

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