Descrição de chapéu

Reforçado pela onda de direita, Bolsonaro leva seu bunker para o Planalto

Primeira fala, via internet, é exemplo da mentalidade de comunicação que está por vir

Igor Gielow
São Paulo

Reforçado pelo sucesso nas urnas, o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) levará para o Palácio do Planalto a mentalidade de bunker que acompanhou sua campanha após a fatídica facada de 6 de setembro.

A dúvida que fica é por quanto tempo isso se manterá em um ambiente dividido e fluido —a própria ideia de que o deputado seria presidente era considerada absurda pelo mundo político há um ano.

Bolsonaro entra em carro de polícia, cercado por forte esquema de segurança, após votar no Rio
Bolsonaro entra em carro de polícia, cercado por forte esquema de segurança, após votar no Rio - Li Ming/Xinhua

Ao longo de toda sua jornada, iniciada em 2015 mas gestada um ano antes, Bolsonaro manteve controle do processo decisório de sua candidatura. Organizou círculos ora concêntricos, ora isolados e concorrentes, de apoiadores. Assim como o Kremlin de Vladimir Putin, esses grupos se entrechocam, sem questionar a autoridade central.

Seu quartel-general sempre foi a família, os três filhos mais velhos à frente. Mas a facada e a subsequente impossibilidade de controle direto sobre o cotidiano da campanha acabaram por blindar de vez Bolsonaro, com a adição de alguns membros a esse núcleo duro.

As imersões em massas de aeroporto e a conversa direta com setores da economia em eventos foram substituídas por duramente negociadas visitas privadas.

Para ele, a vantagem óbvia foi poder evitar a exposição ao debate e ao contraditório. Escolheu como e com quem conversar e tudo indica que poderá levar esse estilo para o Palácio do Planalto. Lives e tuítes tendem a ser institucionalizados em detrimento do diálogo com a imprensa —nada diferente do que o PT sempre fez quando estava popular e do que prega Donald Trump, um de seus modelos.

Não sem simbolismo, sua primeira fala foi pela internet, uma comunicação truncada e de má qualidade. Estavam presentes o discurso vago e termos militares, como a marcha do eleitorado, exército de apoiadores. A própria cena, improvisada numa mesa doméstica, emanou a ideia de transmissão quase clandestina.

Isso foi reforçado logo depois na frente de câmera de TV, quando o novo presidente se uniu em oração a Magno Malta, senador religioso que perdeu a cadeira do PR-ES, falando em termos messiânicos sobre a campanha. Essa sensação de clube fechado também esteve presente na evocação de uma certa verdade divina no seu pronunciamento posterior, de resto mais formatado e atendendo à expectativa de ênfase em respeito à Constituição, promoção da democracia e defesa da liberdade.

O próprio momento de seu voto neste domingo (28) foi uma prévia do que deve ser a interação do presidente com a realidade. Policiais e militares fortemente armados, revistas, cães farejadores, o próprio candidato com um colete à prova de balas.

Obviamente, Bolsonaro tem motivos para se preocupar. Quase morreu num corpo-a-corpo, e não é despropositado achar que sua retórica agressiva contra adversários pode convidar novos extremismos. Mas será uma novidade na política brasileira um presidente usando paletós sobre volumosas placas de kevlar.

Transferir seu bunker da Barra da Tijuca para a praça dos Três Poderes, portanto, parece um caminho natural. A indicação de prepostos para negociações específicas, como o futuro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, é outra consequência. Nada disso é um problema em si. Mas é incógnita como se refletirá essa psiquê na condução do governo em um país fortemente polarizado.

Se tiver sucesso em encaminhar suas agendas iniciais na economia e na segurança pública logo no começo da próxima legislatura, é previsível que Bolsonaro terá gordura política para gastar e poderá escolher esse modus operandi livremente. Isso reforçará a demonização de adversários, outra característica da mentalidade de bunker.

Em seus ocasos, Fernando Collor e Dilma Rousseff também viveram sob essa égide de recolhimento. Mas é a primeira vez que um presidente inicia seu mandato desta forma.

A emergência de crises, e elas virão inevitavelmente, é que colocará o presidente à prova. Uma coisa é fazer campanha sozinho por três, quatro anos e ser retirado das ruas no começo da disputa mais aguda. Outra é governar uma nau complexa como o Brasil.

A premissa de que irá quebrar a ordem estabelecida encontrou eco nos números da eleição pelo Brasil afora. O fato de não ter tido uma votação tão consagradora como desejava seu entorno serve como moderador de apetite, mas a confirmação da trinca João Doria (PSDB-SP), Romeu Zema (Novo-MG) e Wilson Witzel (PSC-RJ) no Sudeste afastou temor de refluxo na onda conservadora observada em pesquisas na véspera.

Como diz o clichê, Bolsonaro está empoderado pelas urnas. E isso será testado quase que imediatamente nas composições para a formação do ministério e o começo do governo.

 
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