O que a Folha pensa sobre produzir reportagens a partir de conteúdo obtido de forma criminosa?
À luz da divulgação de conversas entre o ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sergio Moro, e integrantes da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, obtidas supostamente de forma ilegal, a questão foi levantada por um leitor durante encontro com a ombudsman Flavia Lima e o diretor de Redação da Folha, Sérgio Dávila, ocorrido nesta terça-feira (18), na sede do jornal.
"Quando há claro interesse público e a alternativa, que é a não divulgação dos diálogos, é prejudicial aos leitores, o jornal deve optar por publicar, mesmo que a informação tenha como origem um ato ilegal", defendeu a ombudsman.
Segundo Flavia, o fato de os envolvidos inicialmente não terem negado as informações também é um fator que corrobora a provável autenticidade do material vazado.
Dávila lembrou que há duas diretrizes inegociáveis na ação do jornal: jornalistas da Folha não podem cometer qualquer tipo de crime para obter uma informação nem pedir a terceiros que quebrem a lei em benefício do jornal.
Para ilustrar, o diretor de Redação lembrou o caso dos Documentos do Pentágono, arquivos do Departamento de Defesa dos EUA que revelavam um padrão de mentiras contadas pelo governo americano sobre a atuação do país na Guerra do Vietnã. O relatório, que chegou aos jornais New York Times e Washington Post em junho de 1971, foi retirado ilegalmente do Pentágono.
“Os jornais não concorreram para que o crime fosse cometido, mas, de posse do produto, perceberam que o interesse público se sobrepunha à maneira como ele foi obtido. Usamos o mesmo critério. Nunca pediríamos que alguém invadisse o celular de uma autoridade e não publicaríamos, por exemplo, diálogos íntimos”, explicou Dávila.
Durante o evento, promovido para tirar dúvidas dos leitores e debater os rumos do jornalismo, integrantes da plateia criticaram a forma como o jornal seleciona as mensagens da coluna Painel do Leitor. Um dos problemas apontados foi o fato de o espaço ser ocupado por autoridades ou pessoas famosas.
“Gente importante não tinha que estar no Painel, tem que estar o Zé da Silva, a Maria Ninguém, eu”, afirmou uma leitora.
A ombudsman explicou que as mensagens demoram para ser contempladas devido à grande quantidade recebida pelo jornal e que há uma busca para diversificar e contemplar o maior número de pessoas na coluna. A reclamação da leitora já constava na crítica interna de quarta-feira (19), que circula para todos os jornalistas da Redação.
O encontro serviu também para esclarecer o papel da ombudsman, cargo que não existe em outras publicações de maior circulação no Brasil. A sua principal função, explicou Flavia, é criar uma ponte entre os leitores e o jornal. “A Folha consegue agradar e desagradar a pessoas diferentes a todo momento. Estou ali para fazer o meio de campo”, disse.
De acordo com ela, nem todas as demandas de leitores e dela própria são acatadas pela Redação, mas boa parte dos pedidos tem ressonância no jornal, gerando alterações em textos, consertos de erros e reposicionamento em determinadas coberturas.
A necessidade de um debate equilibrado, afirmou, só não valem em casos de manifestações de preconceito, racismo e em questões que contradigam achados científicos já estabelecidos, a exemplo do terraplanismo (a crença de que a Terra não é redonda).
Em resposta à questão de um leitor sobre os desafios do jornalismo contemporâneo, Dávila afirmou que a profissão vive um paradoxo. Nunca antes tantas pessoas leram jornais como hoje, principalmente por meio da internet, mas nunca foi tão difícil rentabilizar o negócio.
“Como dar conta de um leitorado tão vasto e exigente e criar conteúdo de qualidade com Redações cada vez mais enxutas? Já que não conseguiremos noticiar tudo nem desmentir todas as notícias falsas, tentamos focar o que deve necessariamente ser noticiado ou desmentido. Isso talvez represente 1% ou 0,1% do total de notícias, e é aí que queremos fazer a diferença. Nem sempre conseguimos, mas é o nosso objetivo e seguiremos nessa tentativa diária e infindável.”
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