Empresas contrataram disparos pró-Bolsonaro no WhatsApp, diz espanhol

Informação aparece em gravações obtidas pela Folha; dono de agência negou saber que se tratava de mensagens de campanha

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Corunha (Espanha)

Durante a campanha eleitoral de 2018, empresas brasileiras contrataram uma agência de marketing na Espanha para fazer, pelo WhatsApp, disparos em massa de mensagens políticas a favor do então candidato a presidente Jair Bolsonaro (PSL).

A informação, que aparece em gravações obtidas pela Folha, é do espanhol Luis Novoa, dono da Enviawhatsapps.

Nos áudios, ele diz que “empresas, açougues, lavadoras de carros e fábricas” brasileiros compraram seu software para mandar mensagens em massa a favor de Bolsonaro, que comentou o caso nesta terça-feira (18).

Além de obter o áudio, a Folha confirmou posteriormente detalhes da conversa.

Celulares usados em empresa para enviar mensagens de WhatsApp em massa
Celulares usados em empresa para enviar mensagens de WhatsApp em massa - Reprodução

De acordo com Novoa, ele não sabia que seu software estava sendo usado para campanhas políticas no Brasil e só tomou conhecimento quando o WhatsApp cortou, sob a alegação de mau uso, as linhas telefônicas de sua empresa.

O WhatsApp confirmou à Folha que cortou linhas da empresa. “Não comentamos especificamente sobre contas que foram banidas, mas enviamos uma notificação judicial (Cease and Desist) para a empresa Enviawhatsapps.”

Não há indicações de que Bolsonaro ou sua equipe de campanha soubessem que estavam sendo contratados disparos de mensagens a favor do então candidato. Procurada, a assessoria de imprensa do Palácio do Planalto afirmou que não iria comentar.

Doação de empresas para campanha eleitoral é proibida no Brasil. Doações não declaradas de pessoas físicas também são ilegais.

A empresa de Novoa é especializada no envio automático de mensagens para milhares de números de telefone. 

A Folha teve acesso à gravação na qual o espanhol fala sobre a contratação da empresa para disparar mensagens a favor de Bolsonaro. Ela foi realizada durante um encontro de empresários com Novoa, na Espanha. A Folha confirmou as informações citadas na gravação.

“Eles contratavam o software pelo nosso site, fazíamos a instalação e pronto [...] Como eram empresas, achamos normal, temos muitas empresas [que fazem marketing comercial por WhatsApp]”, afirma o espanhol, na gravação.

“Mas aí começaram a cortar nossas linhas, fomos olhar e nos demos conta de que todas essas contratações, 80%, 90%, estavam fazendo campanha política”, completa o empresário espanhol.

Uma outra pessoa, nessa mesma gravação, pergunta a ele: “Era campanha para algum partido?” Novoa então responde: “Eram campanhas para Bolsonaro”.

Os cortes de linhas a que ele se refere foram feitos pelo próprio WhatsApp, cujas regras proíbem o uso da plataforma para envio de mensagens em massa. 

Segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), apenas as campanhas oficiais podem fazer contratação de impulsionamento de conteúdo eleitoral nas redes sociais.

​“A contratação do serviço de impulsionamento deve ser realizada exclusivamente por partidos, coligações, candidatos ou seus representantes e diretamente por meio da ferramenta responsável pelo serviço, cujo provedor deve ter sede e foro no Brasil, ou com filial, sucursal, escritório, estabelecimento ou representante legalmente estabelecido no país”, segundo lei de outubro de 2017.

Além disso, está proibido o uso de ferramentas de automatização, como os softwares de disparo em massa.

A contratação de empresas estrangeiras para enviar mensagens de WhatsApp evidencia a dificuldade de contabilizar gastos de campanhas efetuados por terceiros em favor de candidatos.

Procurado pela Folha, o empresário espanhol negou que tenha trabalhado para políticos brasileiros.

“É mentira, não trabalhamos com empresas que tenham enviado campanhas políticas no Brasil”, afirmou.

“Tanto faz se gravaram sem permissão uma conversa informal. Repito pela enésima vez: não trabalhamos com campanhas políticas no Brasil”, disse à reportagem o empresário espanhol.

No áudio obtido pela Folha, Novoa afirma que não sabia que empresas estavam usando seu software para beneficiar candidatos e só tomou conhecimento disso após o WhatsApp iniciar o corte das linhas. 

Ou seja, pode ser que ele de fato nunca tenha sido contratado por uma campanha política brasileira, mas somente por brasileiros que se identificavam como empresas.

“Estávamos tendo muitíssimos cortes, fomos olhar os IPs, era tudo do Brasil, olhamos as campanhas, eram campanhas brasileiras”, diz Novoa, ainda no áudio. 

Segundo a Folha apurou, os brasileiros compraram cerca de 40 licenças de software na agência espanhola. Cada linha pode disparar até 500 mensagens por hora —portanto, o pacote permitia até 20 mil disparos políticos por hora nas últimas eleições.

Alguns usavam números da Colômbia para enviar mensagens a números do Brasil, também por meio do software comprado de Novoa.

Os pagamentos eram feitos pela plataforma PayPal. As contas ficaram ativas durante alguns dias durante a campanha. Os brasileiros contratavam o software por meio dos seis diferentes websites que pertencem à empresa.

Segundo o site da Enviawhatsapps, a licença para um mês sai por 89 euros (R$ 386), a anual custa 350 euros (R$ 1.518), e o WhatsApp Business API, voltado especificamente a empresas, sai por 500 euros ao ano (R$ 2.169).

Eleição na Espanha

Na eleição espanhola deste ano, o espanhol Luis Novoa, dono da  Enviawhatsapps, foi responsável pelas campanhas de disparos em massa de WhatsApp dos partidos Podemos e PSOE.

A plataforma suspendeu as contas desses partidos e do PP durante a campanha eleitoral, ao alegar que as legendas estavam violando as regras de uso da plataforma ao fazer envios em massa.

A Folha apurou que Novoa também prestou serviços para o partido de extrema direita Vox. Procurado, o partido não retornou pedido de entrevista.

ENTENDA O CASO

Empresários
Em 18 de outubro de 2018, a Folha revelou que empresários impulsionaram disparos por WhatsApp contra o PT na campanha eleitoral. O serviço foi vendido pelas agências Quickmobile, CrocServices e Yacows. Uma ação foi aberta no TSE para apurar o caso.

PT
Uma semana depois, o UOL mostrou que o PT também usou o sistema de envio de mensagens em massa e que a agência responsável pela campanha de Bolsonaro teve registros de uso do sistema da Yacows apagados após a reportagem da Folha.

Fraudes com CPFs
Em dezembro, reportagem baseada em relatos de um ex-funcionário, fotos e documentos apresentados à Justiça do Trabalho detalhou o submundo dos disparos em massa que se instalou no Brasil durante as últimas eleições. Uma rede de empresas recorreu ao uso fraudulento de nome e CPF de idosos para registrar chips de celular e garantir o envio em massa de mensagens em benefício de políticos.

Multa
Em março deste ano, o TSE multou a campanha de Fernando Haddad por ter impulsionando um site com ataques a Bolsonaro no mecanismo de busca do Google. Na decisão, o ministro Edson Fachin considerou que o impulsionamento feriu a lei eleitoral e causou desequilíbrio na disputa.

TSE
Até agora, ninguém foi ouvido na ação que apura os disparos contra o PT. O processo é relatado pelo corregedor-geral eleitoral, ministro Jorge Mussi

Empresário espanhol
Luis Novoa, dono da Enviawhatsapps, afirma, em gravação obtida pela Folha, que empresas brasileiras compraram seu software para fazer disparos em massa pelo WhatsApp de mensagens a favor de Bolsonaro

Erramos: o texto foi alterado

A legenda de uma das fotos que compõe a galeria "​Bolsonaro e Haddad disputam segundo turno das eleições presidenciais de 2018" afirmava incorretamente que Flávio Bolsonaro foi eleito pelo PSL-SP o deputado federal mais votado do país, com 1.843.735 votos. Na verdade, ele foi eleito senador pelo PSL-RJ. Quem teve essa votação para a Câmara foi seu irmão Eduardo Bolsonaro. O erro foi corrigido.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.