Descrição de chapéu Lava Jato

Entenda os episódios da Lava Jato discutidos por Moro e Deltan em conversas vazadas

Ex-juiz e procurador falaram sobre ordem de operações e audiência com Lula

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São Paulo

Os diálogos publicados pelo site The Intercept Brasil, em parceria com a Folha, abordaram bastidores de algumas das principais fases da Operação Lava Jato desde seu segundo ano de existência, em 2015.

Neles, o então juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol discutem aspectos do andamento da operação e combinam posicionamentos. Os procedimentos envolvendo o ex-presidente Lula (PT) têm destaque nas trocas de mensagens reveladas pelo site.

As mensagens obtidas pelo Intercept e divulgadas até este momento pelo site e por outros órgãos de imprensa, como a Folha, expuseram a proximidade entre Moro e os procuradores da Lava Jato e colocaram em dúvida a imparcialidade como juiz no julgamento dos processos da operação.

Entenda alguns dos episódios da operação por meio das discussões vazadas entre Moro e Dallagnol:

Deltan Dallagnol e Sergio Moro, durante evento em 2017
Deltan Dallagnol e Sergio Moro, durante evento em 2017 - Jorge Araújo - 24.out.17/Folhapress

Pedido de prisão de ex-executivo da Odebrecht

Quando: outubro de 2015

Teor da conversa:
Troca de mensagens divulgada pelo site The Intercept Brasil mostra o procurador Deltan Dallagnol discutindo com Sergio Moro um novo pedido de prisão contra o executivo da Odebrecht Alexandrino Alencar.

"Caro, STF soltou Alexandrino. Estamos com outra denúncia a ponto de sair, e pediremos prisão com base em fundamentos adicionais na cota. […] Seria possível apreciar hoje?", escreveu Deltan..

"Não creio que conseguiria ver hj. Mas pensem bem se é uma boa ideia", respondeu Moro, que acrescentou que seriam necessários "fatos graves".

Depois de ouvir a sugestão, Deltan repassou a mensagem do juiz para o grupo de colegas de força-tarefa. "Falei com russo", explicou, usando o apelido que o ex-juiz tinha entre os procuradores.

O contexto:
Alexandrino é tido como uma ponte da Odebrecht com Lula, que na época começava a ser investigado pela equipe da Lava Jato em Curitiba. Em 2015, a Odebrecht ainda não manifestava a intenção de fazer um acordo de colaboração com as autoridades.

A reação de Moro em relação ao plano da Procuradoria reflete um possível receio de transparecer uma afronta ao Supremo, que havia ordenado a liberação ao executivo.

Sugestão em investigação sobre Lula

Quando: dezembro de 2015

Teor da conversa:
Segundo o The Intercept Brasil, Moro repassou a Deltan pista que poderia reforçar a investigação contra Lula. Não fica claro a que ponto da apuração ele se refere.

"Fonte me informou que a pessoa do contato estaria incomodado por ter sidoa ela solicitada a lavratura de minutas de escrituras para transferências de propriedade de um dos filhos do ex Presidente. Aparentemente a pessoa estaria disposta a prestar a informação. Estou entao repassando. A fonte é seria", escreveu Moro.

"Obrigado!! Faremos contato", disse Deltan pouco depois. "E seriam dezenas de imóveis", acrescentou o juiz.

O procurador disse cogitar uma intimação formal com base em notícia apócrifa.

O contexto:
No fim de 2015, a equipe da Lava Jato no Paraná se movimentava em busca de indícios ligando o ex-presidente a desvios cometidos por empreiteiras.

Esse conjunto de investigações resultou na fase Aletheia, deflagrada em março de 2016, que tinha como foco, entre outros pontos, a empresa de palestras do ex-presidente e os imóveis reformados por empreiteiras em Guarujá e Atibaia (SP).

Sugestão sobre ordem de operações

Quando: fevereiro de 2016

Teor da conversa:
Segundo a reportagem do The Intercept Brasil, Moro sugeriu em conversa com o procurador trocar a ordem de fases da Lava Jato.

"Diante dos últimos . desdobramentos talvez fosse o caso de inverter a ordem da duas planejadas", escreveu Moro a Deltan. O procurador disse que haveria problemas logísticos para acatar a sugestão. No dia seguinte, foi deflagrada a 23ª fase da Lava Jato, a Operação Acarajé.

O contexto:
Na época, a investigação em Curitiba atingia o seu mais alto grau de relevância na política nacional. A 23ª fase, batizada de Acarajé, prendeu o à época marqueteiro do PT João Santana, que chegou a ser um conselheiro da então presidente Dilma Rousseff.

Dilma já sofria ameaça de impeachment no Congresso, mas ainda mantinha apoio parlamentar. Ao mesmo tempo, as equipes de Curitiba também investigavam o ex-presidente Lula, que seria alvo naquela época da 24ª fase da Lava Jato, nomeada Aletheia. A inversão sugerida por Moro provavelmente se refere a essa etapa, que acabaria promovendo a condução coercitiva de Lula.

O Ministério Público Estadual de São Paulo também investigava o ex-presidente na mesma época, e o petista reclamava de ser objeto de duas apurações simultâneas sobre os mesmos fatos.

Lava Jato ovacionada em protestos

Quando: março de 2016

Teor da conversa:
Deltan Dallagnol parabenizou Moro pelo fato de o então juiz ter sido destaque em manifestações de rua pelo país que pediam a saída de Dilma Rousseff.

"Seus sinais conduzirão multidões, inclusive para reformas de que o Brasil precisa, nos sistemas político e de justiça criminal", escreveu o procurador ao juiz.

O magistrado afirmou que havia feito uma manifestação oficial sobre o tema. "Parabens a todos nós", acrescentou.

Na sequência, Moro falou sobre o momento político do país: "Ainda desconfio muito de nossa capacidade institucional de limpar o congresso. O melhor seria o congresso se autolimpar mas isso nao está no horizonte. E nao sei se o stf tem força suficiente para processar e condenar tantos e tao poderosos".

O contexto:
O dia 13 de março de 2016 marcou uma das maiores manifestações políticas da história do país. Só em São Paulo, 500 mil pessoas foram à avenida Paulista pedir o impeachment de Dilma, de acordo com o Datafolha.

Em faixas, camisas e nos discursos, Moro foi homenageado pela atuação no combate à corrupção. Ele divulgou uma nota, no mesmo dia, dizendo se sentir "tocado" pelo apoio e afirmando que as autoridades eleitas e os partidos deviam ouvir "a voz das ruas" e se comprometer com a causa anticorrupção.

Liberação dos áudios de Dilma

Quando: março de 2016

Teor da conversa:
Moro e Deltan discutiram a respeito da liberação de um pacote de áudios em investigação sobre Lula. O procurador perguntou, no dia da divulgação das gravações: "A decisão de abrir está mantida mesmo com a nomeação, confirma?"

O questionamento, segundo o The Intercept Brasil, aconteceu às 12h44 do dia 16 de março de 2016. Moro responde: "Qual é a posicao do mpf?".

Por volta das 13h30 daquele dia, Dilma conversou por telefone com Lula sobre a entrega de um "termo de posse" para ser usado "em caso de necessidade". Tudo aconteceu no dia em que o ex-presidente foi nomeado para a Casa Civil, o que tiraria sua investigação da jurisdição de Curitiba.

Durante a tarde, Deltan disse a Moro ser a favor da liberação do material.

Dias depois, comentam a repercussão da medida. "Não entendo que tivéssemos outra opção", disse o procurador. Moro diz: "Era melhor decisão. Mas a reação está ruim"

O contexto
A divulgação de conversas de Lula e Dilma agravou a crise política vivida pela ex-presidente e se tornou mais um elemento para a abertura do impeachment, decidida pela Câmara dos Deputados um mês depois.

O Supremo invalidou as conversas entre os hoje ex-presidentes como prova da investigação.

Cobrança por mais operações

Quando: agosto de 2016

Teor da conversa:
Depois de quase um mês sem novas etapas da Lava Jato em Curitiba, o ex-magistrado perguntou: "Não é muito tempo sem operação?". A decisão, em tese, caberia aos investigadores, e não ao juiz do caso.
"É sim", respondeu Deltan, de acordo com o The Intercept Brasil.

O contexto:
Na época da conversa, a operação mais recente da Lava Jato paranaense havia sido a "Resta Um", que mirava a construtora Queiroz Galvão.

Após dominar o noticiário político do país antes do afastamento de Dilma, em maio daquele ano, a operação em Curitiba vivia um período de entressafra. As atenções haviam se voltado para a delação do ex-presidente da estatal Transpetro Sérgio Machado, que fechou acordo em Brasília implicando dezenas de políticos. A Odebrecht ainda negociava acordo de colaboração.

Após o diálogo de Moro e Deltan, dois ex-ministros petistas viraram alvo em setembro daquele ano: Guido Mantega e Antonio Palocci, que acabaria virando delator.

A primeira denúncia contra Lula

Quando: setembro de 2016

Teor da conversa:
Conversas entre procuradores e também de Deltan com Sergio Moro sugerem incertezas do Ministério Público em relação à denúncia do caso tríplex, que acabou levando o petista à prisão.

Quatro dias antes da apresentação da denúncia da Procuradoria, Deltan afirmou em um grupo que tinha receio sobre pontos da peça jurídica, como, por exemplo, a relação entre os desvios na Petrobras e a acusação de enriquecimento.

"Falarão que estamos acusando com base em notícia de jornal e indícios frágeis… então é um item que é bom que esteja bem amarrado", escreveu.

Na véspera da denúncia contra Lula, o representante do MPF afirmou em um grupo: "A opinião pública é decisiva e é um caso construído com prova indireta e palavra de colaboradores contra um ícone que passou incolume pelo mensalão".

Dias depois, ele comentou em mensagem ao magistrado: "A denúncia é baseada em muita prova indireta de autoria, mas não caberia dizer isso na denúncia e na comunicação evitamos esse ponto".

Mais adiante, enquanto procuradores eram atacados por causa de pontos considerados frágeis na denúncia, o atual ministro da Justiça enviou palavras de apoio a Deltan: "Definitivamente, as críticas à exposição de vcs são desproporcionais. Siga firme".

Contexto:
A defesa de Lula questiona desde a época da acusação o alegado vínculo das reformas no tríplex com os desvios na Petrobras investigados na Lava Jato. A sentença de Sergio Moro, já confirmada por dois tribunais, utiliza elementos indiretos para vincular o ex-presidente à corrupção na Petrobras, como depoimentos de delatores e o contexto do escândalo do mensalão.

O despacho do ex-juiz afirma que Lula se beneficiou de desvios em um contrato com a Petrobras da empreiteira OAS, que reformou o apartamento em Guarujá.

Além disso, foram usados como provas trocas de mensagens sobre a reforma e documentos relativos ao apartamento encontrados com o ex-presidente.

Discussão sobre depoimento de Lula

Quando: maio de 2017

Teor da conversa:
Em 2017, o ex-juiz cobrou os procuradores sobre uma tentativa de adiar o primeiro depoimento do petista com réu em Curitiba.

"Que história é essa que vcs querem adiar? Vcs devem estar brincando", escreveu Moro a Deltan. "Não tem nulidade nenhuma, é só um monte de bobagem", continuou.

O contexto:
Lula depôs como réu em Curitiba pela primeira vez em maio de 2017, no caso do tríplex. Nas semanas anteriores, a defesa dele tentou adiar a audiência, argumentando, por exemplo, que documentos tinham sido anexados ao processo pouco antes, sem que houvesse tempo de examiná-los. Os advogados desde aquela época criticavam a rapidez do trâmite da ação, que foi sentenciada dez meses após ser aberta.

Decisão informada antecipadamente

Quando: maio de 2017

Teor da conversa:
Deltan disse a Moro: "Foram pedidas oitivas na fase do 402, mas fique à vontade, desnecessário dizer, para indeferir. De nossa parte, foi um pedido mais por estratégia".

Moro respondeu: "Blz, tranquilo, ainda estou preparando a decisão mas a tendência é indeferir mesmo".

O contexto:
O conteúdo não deixa claro a que medida se referiam. A mensagem sugere a antecipação de uma decisão judicial a uma das partes envolvida no caso.

Pedido de entrevista com Lula barrado

Quando: setembro de 2018

Teor da conversa:
Faltando uma semana para o primeiro turno da eleição presidencial de 2018, a Justiça analisava um pedido de entrevista da Folha com o ex-presidente Lula, preso em Curitiba. Segundo conversas reproduzidas pela reportagem, procuradores do MPF envolvidos na Lava Jato reagiram com indignação à decisão do Supremo Tribunal Federal de autorizar o jornal a entrevistar o petista.

Derrubada no mesmo dia, a permissão só voltaria a ser concedida pela corte neste ano. A entrevista, feita pela colunista Mônica Bergamo, aconteceu só em abril.

No dia da decisão favorável, em 2018, a procuradora Laura Tessler escreveu no grupo de membros do MPF: "Revoltante!!! Lá vai o cara fazer palanque na cadeia. Um verdadeiro circo. E depois de Mônica Bergamo, pela isonomia, devem vir tantos outros jornalistas… e a gente aqui fica só fazendo papel de palhaço com um Supremo desse…"

"Mafiosos!!!!!!!!!!!!!!!", respondeu a procuradora Isabel Groba.

Tessler, na sequência, afirmou: "Uma coletiva antes do segundo turno pode eleger o Haddad", referindo-se ao candidato que substituiu Lula na campanha do PT.

Outro procurador, Athayde Ribeiro Costa, sugeriu que a Polícia Federal adotasse uma manobra para adiar a entrevista para depois da eleição. "N tem data. So a pf agendar pra dps das eleicoes. Estara cumprindo a decisao."

O contexto:
Os pedidos de entrevista tinham sido barrados à época pela juíza de primeira instância Carolina Lebbos, que administra o dia a dia da pena de Lula. Fernando Haddad (PT) na ocasião aparecia bem colocado nas pesquisas de intenção de voto, inclusive com possibilidade de vitória no segundo turno contra Jair Bolsonaro (PL).

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