Descrição de chapéu Palanque Bandeirante

Cortes de Doria alimentam oposição, atingem vitrines eleitorais e são questionados

Governador comprou briga com setores da economia; apesar de recuos e contas no azul, aliados temem impacto para 2022

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São Paulo

Mirando o Palácio do Planalto em 2022, o governador João Doria (PSDB) acabou deteriorando sua viabilidade eleitoral com cortes em São Paulo que alimentaram a oposição em diversos setores da economia e ainda atingiram programas que serão vitrine em campanha.

No contexto da pandemia da Covid-19, Doria reduziu gastos em 2020 e aprovou na Assembleia Legislativa um pacote de ajuste fiscal que afetou o Orçamento de 2021 e, na prática, aumentou o ICMS de produtos.

As medidas impactaram setores como saúde, cultura, pesquisa e agropecuária. O governador acabou recuando em parte.

Doria também chegou a reduzir significativamente a verba prevista para programas que ele anunciou como prioritários, como estradas vicinais, Baeps (Batalhões de Ações Especiais da PM), delegacias da mulher, despoluição do rio Pinheiros e combate a enchentes.

Os cortes foram justificados pelo secretário de Projetos, Orçamento e Gestão, Mauro Ricardo, em meados do ano passado, para evitar um rombo estimado de R$ 10,4 bilhões no caixa do estado em 2021.

Ao fim de 2020, com ajuda de recursos da União, o estado registrou saldo positivo de R$ 7,7 bilhões. Contrariando previsões de queda de arrecadação, as receitas superaram as despesas (que foram reduzidas) mesmo no cenário da crise econômica agravada pela pandemia. O crescimento do PIB paulista no ano foi de 0,4% —o do país caiu 4,1%.

O resultado levantou questionamentos, na oposição a Doria e entre os setores afetados, sobre a necessidade dos cortes. Aliados do governador afirmam que o aperto foi inevitável e que dinheiro em caixa não significa falta de dificuldade financeira.

Segundo eles, sem o ajuste fiscal, São Paulo iria atrasar salários do funcionalismo, como já ocorreu em estados vizinhos. Tucanos apontam ainda que o momento para remédios amargos é agora, a mais de um ano da eleição de 2022.

A celeuma em torno das contas públicas começou com o projeto de lei 529, proposto pelo governo e que enfrentou obstáculos na Assembleia, até finalmente ser aprovado por 48 a 37 em outubro passado. A oposição ao texto reuniu adversários políticos como PT, PSL e Novo.

O ajuste fiscal teve dois efeitos. O mais ruidoso foi aumentar o ICMS, retirando benefícios fiscais para uma série de produtos, como insumos agrícolas, alimentos, medicamentos genéricos, produtos hospitalares e revenda de automóveis.

Houve protesto de produtores rurais com tratoraço em cidades do interior e manifestação na Ceagesp, reduto de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, hoje adversário de Doria.

A avaliação de tucanos experientes é a de que Doria errou ao afetar o setor agrário, que forma sua base eleitoral, e ao gerar aumento de preço de alimentos durante a pandemia, demonstrando insensibilidade social.

Ainda no pacote de tributos, a lei restringiu a isenção de IPVA voltada a pessoas deficientes, o que gerou uma crise entre Doria e a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), defensora do benefício.

O tucano acabou recuando em relação a hortifrutigranjeiros, genéricos e insumos agrícolas. Mas o desgaste de popularidade, minimizado por aliados de Doria e salientado em outras alas do PSDB, foi preocupante para alguém que almeja ser candidato à Presidência da República em 2022.

Na classe política, as medidas foram contestadas pela esquerda e por liberais, como deputados do Novo.

A Fiesp divulgou nota dura. “É dramático que o governo tente impor um plano desses em plena pandemia”, afirma o texto, ressaltando que viver e produzir em São Paulo ficará mais caro.

Diversas entidades processaram o governo na Justiça —por exemplo Abimo (associação da indústria de artigos e equipamentos médicos e odontológicos), Anahp (hospitais privados), Sindusfarma (indústria farmacêutica) e SindHosp (Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo).

Aliados de Doria minimizam o desgaste. Afirmam que o tucano soube recuar e que a população irá reconhecer que as medidas abriram espaço para outras entregas e ações do governo.

A lei aprovada na Assembleia dá espaço para que a caneta de Doria amplie e reduza benefícios fiscais, agravando a falta de transparência já questionada pelo TCE (Tribunal de Contas do Estado).

Em 2019, o Ministério Público de Contas chegou a recomendar a desaprovação das contas do tucano por essa razão. Nos anos anteriores, a perda estimada com isenções de ICMS e IPVA era de cerca de R$ 17 bilhões, mas alcançou R$ 24,3 bilhões em 2019, segundo o MPC.

​O ajuste fiscal só foi aprovado na Assembleia após perder pontos polêmicos, como o que autorizava gastar sobras orçamentarias das universidades e da Fapesp. Além disso, das 10 empresas e entidades estatais que seriam extintas no pacote, quatro foram poupadas.

O segundo efeito do ajuste fiscal é consequência dessa desidratação do projeto, que frustrou os planos do governo no Orçamento de 2021 e provocou um corte de R$ 2,3 bilhões nas receitas estimadas para este ano, que somam agora R$ 275 bilhões.

Por meio de decreto, o governo Doria detalhou quais programas teriam sua verba prevista reduzida. Os que mais sofreram perderam cerca de 45% do que estava estimado, segundo apontou o deputado estadual Paulo Fiorilo (PT).

Nessa lista estão projetos usados por Doria como vitrine eleitoral, como o Novo Rio Pinheiros, a implantação de Baeps e Deics (Departamento Estadual de Investigações Criminais), a implementação do programa estadual de resíduos sólidos, o programa Prospera e o programa de estradas vicinais.

Também perderam quase metade do Orçamento projetado para 2021 ações de incentivo à infraestrutura esportiva, unidades móveis do Bom Prato e aparelhos para as polícias.

Os cortes deixaram mais distantes o cumprimento de metas de campanha. A promessa de Doria em 2018 era criar 40 delegacias da mulher 24 horas —cinco foram entregues e a verba foi reduzida em 45%.

Em resposta à Folha, o governo Doria informou que irá recompor o Orçamento de áreas estratégicas até maio e mencionou que já houve suplementação de recursos para o Novo Rio Pinheiros (R$ 10 milhões), incentivo ao esporte (R$ 60 milhões), novas aeronaves para segurança pública (R$ 120 milhões).

O governo afirma ainda que a meta de delegacias será cumprida, que o programa de vicinais terá financiamento de R$ 242 milhões do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e que o programa Prospera foi incorporado ao Bolsa do Povo, que tramita na Assembleia e terá R$ 1 bilhão de verba.

A Fapesp escapou de cortes por pouco. O Orçamento de 2021 previa corte de R$ 454 milhões, mas o recurso foi mantido após protestos de pesquisadores e cientistas. O episódio fustigou Doria, que pretende se lançar em 2022 como o anti-Bolsonaro, exaltando ser um apoiador da ciência e da saúde.

Em outra atitude vista politicamente como temerária em meio à pandemia, Doria cortou, no início de janeiro, 12% dos repasses de convênios a Santas Casas, hospitais filantrópicos e outras entidades da saúde.

Em conjunto com o prefeito Bruno Covas (PSDB), também retirou a gratuidade no transporte para pessoas entre 60 e 64 anos. ​

O governo ainda suspendeu dois projetos de incentivo fiscal ao esporte (R$ 50 milhões) e à cultura (R$ 100 milhões), com o compromisso de repor a verba. O secretário da Cultura, Sergio Sá Leitão, afirma que não houve cortes em sua pasta, mas contigenciamento, e que os recursos serão liberados ao longo do ano.

O aperto no Orçamento vem desde 2020, quando as despesas foram estimadas em R$ 269,8 bilhões, mas, com a pandemia, o gasto final foi de R$ 258,5 bilhões.

Secretarias como Saúde, Educação e Segurança tiveram gastos acima do previsto anteriormente, enquanto Turismo, Logística e Transportes, Desenvolvimento Regional e Esportes tiveram queda.

No total, 98% do gasto previsto para obras do Rodoanel e 97% da verba estimada para as estradas vicinais não foram executados —são medidas de impacto eleitoral negativo.

A conclusão do Rodoanel, que virou símbolo de corrupção no PSDB em anos anteriores, será uma promessa não cumprida da gestão Doria, enquanto as vicinais são a aposta do tucano para melhorar sua imagem no interior.

Com o direcionamento do gasto para ações de emergência, mesmo áreas sensíveis para a pandemia tiveram cortes, como reformas e instalações de unidades de saúde (64%) e programas de trabalho, qualificação e empreendedorismo (69%).

Em relação ao Orçamento, há ainda o fato de que, desde que assumiu, Doria mantém a manobra de desviar recursos da educação para o pagamento de aposentados que atuam na área.

Apesar de o novo Fundeb, aprovado em 2020, vetar expressamente a aplicação da verba com inativos, o Orçamento de 2021 ainda prevê essa prática.

Outra medida nesse sentido, que vem de governos tucanos anteriores, é a inclusão de aposentadorias no mínimo constitucional —algo questionado pelo TCE e vetado em decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de 2020.

A Constituição de São Paulo determina gasto de 30% da receita com ações de ensino, mas Doria emprega 25% (o mínimo estabelecido pela Constituição Federal) e completa pouco mais de 5% com o pagamento de inativos. Em 2020, isso significou R$ 9,6 bilhões a menos para educação.

O governo afirma se basear em lei estadual e em modulação de efeitos do TCE para manter as medidas.

Para Fiorilo, deputado que é membro da comissão de finanças da Assembleia de São Paulo, os erros de Doria foram a ausência de diálogo prévio com setores afetados pelos cortes e a falta de foco em ações sociais.

"Infelizmente o governo planejou mal as ações. Prova disso é que teve que recuar pressionado pela sociedade organizada e pela comunidade acadêmica. Fizeram os deputados votarem medidas e duras e agora recuam", afirma.

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