Em 'CPI masculina', interrupções constantes em depoimento de médica viram alvo de queixa

Senadores alegaram necessidade de evitar que Nise Yamaguchi propagasse desinformações, mas houve acusação de excessos

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Brasília

As constantes interrupções de senadores à fala de depoentes convidados ou convocados na CPI da Covid ficaram em evidência nesta terça-feira (1º) durante oitiva da médica Nise Yamaguchi e foram tema da fala de senadoras e de comentários nas redes sociais.

Defensora do uso da hidroxicloroquina contra Covid-19, medicamento sem eficácia comprovada, e de outras teses polêmicas com relação à pandemia, Nise foi interrompida diversas vezes na comissão e acusada de não ter conhecimento para discutir tratamento da doença.

Nise é oncologista, imunologista, possui doutorado em pneumologia e compareceu como convidada à CPI.

De um lado, parlamentares alegaram a necessidade de evitar que a médica propagasse desinformações. De outro, houve acusação de excessos.

O assunto foi tratado ainda no início da CPI, pela manhã, pelas senadoras Leila Barros (PSB-DF) e Eliziane Gama (Cidadania-MA).

O relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), questionava Nise sobre quantas vezes ela havia estado no Ministério da Saúde em 2020.

A médica não especificava um número e acabou interrompida pelo senador Jorginho Mello (PL-SC), que pediu a ela que fosse econômica nas respostas.

"A gente não quer aula, a gente quer que a senhora seja positiva: 'Foi', 'não foi', 'não sei'", disse Mello. "Então, é só pra ajudar, porque senão a gente vai ficar muito tempo aqui, em respeito ao seu currículo. Se a senhora ficar falando, nós ficamos dois dias aqui, porque a senhora tem conteúdo", afirmou o senador de Santa Catarina, que é aliado do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e autor de convite para Nise ir à comissão.

A comissão é formada apenas por homens, entre membros titulares e suplentes.

Minutos depois, Renan questionou a médica sobre fala do ano passado na qual ela dizia que tomar hidroxicloroquina contra a Covid-19 poderia ser tão eficaz quanto tomar a vacina e se ela havia conversado com o presidente Bolsonaro sobre o chamado tratamento precoce.

O senador perguntou também se os irmãos dela haviam participado de reunião no Ministério da Saúde. Nise tentava alegar que os parentes a acompanharam porque ela estava com o joelho machucado, mas era interrompida por novas perguntas.

A senadora Leila Barros (PSB-DF), então, pediu a palavra e reclamou que Nise não estava conseguindo "concluir um raciocínio".

"Vocês sabem o lado em que eu estou, mas, quem está acompanhando, o que a gente percebe é que existe uma ansiedade muito grande pelas respostas da depoente, da convidada. Eu peço só a vocês que a gente tenha um grau de tranquilidade", disse. "Ela está sendo interrompida a todo momento", completou.

A intervenção de Leila fez com que ela chegasse aos assuntos mais comentados do Twitter na tarde desta terça.

Depois, a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), pediu que Nise fosse mais direta nas respostas, mas ponderou que era a primeira vez que alguém da base do governo interrompia a depoente, como fez Jorginho Mello.

"Isso realmente não é uma rotina, não é normal quando se trata da presença masculina", afirmou Eliziane.

Mais tarde, em outro momento do depoimento, o senador Otto Alencar (PSD-BA), que é médico, perguntou sobre a diferença de um vírus para um protozoário, e Nise deu uma resposta, segundo ele, equivocada. Segundo a agência Lupa, porém, ela acertou.

Depois ele questionou se Nise sabia a data da primeira manifestação de coronavírus e qual era o tipo dele. Otto não deu espaço para a médica responder precisamente a todas as questões e foi insistente nas perguntas antes que ela pudesse concluir a resposta.

"Muito bem. O senhor tem perguntas e respostas", reclamou Nise. "Eu preciso responder a uma série de acusações que o senhor me fez", continuou a médica. "Mas a senhora não sabe responder a absolutamente nada (...) A senhora tergiversou em tudo. Não soube dizer o que é o vírus, o que é um protozoário", rebateu Otto.

Ao final da fala de Otto, o senador Eduardo Girão (Podemos-CE) disse que era preciso tratar as pessoas com "o mínimo de humanidade".

"Eu espero que haja essa reflexão aqui, que isso não ocorra, porque constrange. Eu vi colegas aqui constrangidos com isso", afirmou, sobre a fala de Otto. A sessão foi suspensa após a interpelação de Otto e durante o intervalo uma assessora de Nise acusou os senadores de terem sido grosseiros e afirmou que estava assustada com o tratamento dado à médica.

Diante da reclamação, Aziz expulsou a assessora da sala e mais tarde, a convidou para retornar. Ela disse que só voltaria com um convite público.

A sessão prosseguiu em clima tenso e nas redes sociais houve manifestações a respeito. A deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP) pediu que os senadores refletissem sobre a forma como estavam questionando NIse.

"A divergência pode ser exposta com respeito e, a bem da verdade, quem investiga não deve acusar! Espetáculo triste!", afirmou.

Na semana passada, Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação da Saúde, também protagonizou momentos de tensão na CPI.

Em um deles, ela estava sendo questionada pelo senador Renan Calheiros a respeito de como havia sido desenvolvido o aplicativo TraTecov, que recomendava cloroquina a crianças e gestantes. Ela foi interrompida durante sua resposta.

“Senador, deixa eu terminar?", disse Mayra. Ela repetiu essa frase quatro vezes ao longo do depoimento. Mayra também foi questionada sobre a razão de ter pedido um habeas corpus ao Supremo e afirmou que era para garantir respeito na comissão.

"A questão do habeas corpus, senador, foi para pedir o respeito porque eu assisti, da minha casa, os depoimentos anteriores e eu vi depoimentos aqui em que os depoentes, que são simples testemunhas, foram tratados como réus", afirmou Mayra.

As perguntas incisivas têm sido uma tônica dos interrogatórios de Renan. Nos seis depoimentos até esta terça, o senador reclama quando os depoentes não dão respostas objetivas. O questionamento geralmente é seguido pelo presidente da CPI e os outros seis senadores do grupo majoritário da comissão, formado por independentes e oposicionistas.

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