Publicidade
Publicidade
Publicidade

Lei confusa, dificuldades técnicas e falta de tradição são barreiras para as doações de pessoas físicas

Com a proibição das doações eleitorais de empresas, a expectativa era que pessoas físicas tivessem papel de destaque no financiamento das campanhas de 2016.

A participação desse tipo de doador, entretanto, ainda não representa a maioria dos recursos captados neste ano.

Entre as razões para isso, segundo especialistas ouvidos pela Folha, estão a falta de uma regulamentação clara, uma cultura política pouco engajada e dificuldades técnicas e tecnológicas.

De acordo com dados do Repositório de Dados Eleitorais, da Justiça Eleitoral –atualizados até às 17h da terça (27)–, somente no Estado de São Paulo foram arrecadados R$ 251 milhões de reais para as eleições de 2016.

Destes, R$ 62,2 milhões (25%) vieram dos diretórios partidários e R$ 82,5 milhões dos próprios candidatos (33%).

As doações de pessoas físicas representam 39% dos recursos–um total de R$ 98,3 milhões, incluindo R$ 2,4 milhões que foram doados a partidos e, então, repassados.

Trata-se, individualmente, da maior fatia, mas especialistas concordam que o valor poderia ser mais relevante.

TECNOLOGIA

Uma forma de incrementar o aporte destes recursos seria o uso da internet como ferramenta para aproximar eleitores e candidatos. Essa é a opinião de Ariel Kogan, da Open Knowledge Foundation Brasil –organização sem fins lucrativos que promove a liberdade de acesso à informação.

"A internet é uma ferramenta. Quem faz a mudança são políticos e eleitores", diz. "Quanto mais facilitar a vida do eleitor, mais doadores ele terá. É difícil imaginar alguém que vá doar por cheque ou transferência bancária."

Para facilitar a arrecadação, fundações e empresas desenvolveram ferramentas on-line que intermedeiam as doações a campanhas.

Uma deles é o Voto Legal, gratuita e desenvolvida em código aberto, que foi criada por uma série de organizações -o MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral), o AppCívico e o Instituto Arapyau.

Além de fornecer uma interface para que o candidato receba os repasses, a ferramenta cria uma espécie de "portal da transparência", em que os políticos precisam divulgar no que gastaram os recursos.

Já há cerca de 120 candidatos usando a plataforma, entre eles Luiza Erundina (PSOL) e Ricardo Young (REDE), que disputam a Prefeitura de São Paulo.

Outra alternativa é o Vamos Apoiar, desenvolvida para uso comercial.

Além de fornecer o sistema para doações com cartão de crédito, a iniciativa também monta o site do candidato –uma tentativa de atrair políticos que querem economizar em um contexto de menor arrecadação.

Para Carla Bensoussan, uma das três empresárias envolvidas no negócio, o desafio é conquistar a confiança do eleitor.

"Quando divulgamos o Vamos Apoiar nas redes sociais, vimos muita gente dizendo que nunca ia doar para político, até com medo de estar fazendo algo ilegal", conta. "O importante é conscientizar as pessoas de que podem fazer isso, de que é uma nova forma de política."

MUDANÇA CULTURAL

De acordo com Kogan, três fatores contribuem para explicar o número reduzido de colaborações nas eleições de 2016.

O primeiro é a falta de uma cultura relacionada à doações. Ele diz que ainda não há, no país, o costume de contribuir com causas. Ele afirma, também, que a situação é agravada pela descrença da população na classe política.

Entretanto, além da falta de tradição nesse tipo de financiamento, Kogan lista mais duas dimensões que afetam a quantidade de colaboradores. Uma delas é a regulamentação das doações feita pelo TSE que, de acordo com o especialista, é confusa.

"Há uma falta de clareza muito grande sobre o que pode e não pode fazer para captar recursos pela internet. Isso gerou uma desconfiança muito grande nas pessoas que doariam e também entre os próprios candidatos", diz.

O outro obstáculo é de ordem técnica. Kogan afirma que há problemas para criar um sistema online funcional. De acordo com ele, muitos candidatos têm dificuldade em conseguir acesso à operadoras de crédito para receberem doações via cartão diretamente na conta de suas campanhas.

"É preciso, urgentemente, construir sistemas para facilitar as doações", afirma. "Nesse contexto, não se pode dizer que a arrecadação foi um fracasso. É um grande aprendizado para construir uma eleição mais participativa", afirma.

CAMPANHA CRUA

Advogado e co-fundador do MCCE, grupo que está entre os principais defensores do novo modelo de financiamento de campanha, Márlon Reis afirma que o número de doadores físicos tende a aumentar nas próximas eleições, quando a nova legislação estiver melhor assimilada, tanto pela população quanto pelos candidatos.

"Nessa eleição, é o momento de aprender a lidar com isso. O setor político não estava preparado", afirma ele, para quem a decisão do STF que proibiu a doação de empresas, à revelia do Congresso Nacional, foi uma surpresa.

Reis diz que, com a mudança, vai surgir um novo formato de campanha política, adaptado para funcionar com menos recursos. Isso significa um estilo de propaganda menos polido, mas com mais conteúdo.

"Menos dinheiro significa mais eficiência. Não dá para financiar o modelo tradicional de campanha com o novo formato de arrecadação", diz. "Sem a roupagem do marketing, as campanhas estão mais cruas, mas não necessariamente mais frias."

Reis também acredita que a internet pode representar um importante front na nova lógica política.

"Não há ambiente mais democrático e acessível que as redes sociais e a internet", afirma. "Lá, o candidato pode falar diretamente para o nicho em que pretende arrecadar votos."

ENTENDA:

Por que as doações de pessoas físicas ainda são baixas, segundo especialistas:
- regulamentação do TSE é confusa
- falta de uma cultura de contribuição financeira para causas
- dificuldade de acesso a operadoras de crédito e em montar sistema de captação online

FERRAMENTAS ONLINE PARA DOAÇÃO DE PESSOAS FÍSICAS

VOTO LEGAL - desenvolvido por fundações e organizações sem fins lucrativos, funciona como ferramenta para captar doações e garantir transparência às campanhas; gratuita e em código aberto, tem entre os usuários Luiza Erundina (PSOL) e Ricardo Young (REDE), candidatos em São Paulo

VAMOS APOIAR - criada por um grupo de três empresárias, a empresa oferece interface para receber doações online e também monta um site para o candidato; a aposta é atrair políticos que queiram reduzir custos. João Paulo (PT), candidato à prefeitura do Recife, é um dos clientes

Publicidade
Publicidade
Publicidade
Publicidade