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ANÁLISE

'Gestão' está para Doria como 'vontade política' estava para Lula

Quando se define como um "ges-tor", escandindo as sílabas na entrevista à jornalista Mônica Bergamo, o prefeito eleito João Doria está dando verniz moderno a uma velha artimanha dos que chegam ao poder carregando alto grau de expectativa.

Gestão, para a direita, é o equivalente à "vontade política" da esquerda. Números, detalhes, prioridades, onde cortar e como encontrar o dinheiro são submersos pelo slogan do líder em ascensão.

Em 2002, o então candidato presidencial Luiz Inácio Lula da Silva (PT), agora agraciado por Doria com a promessa de receber chocolates em Curitiba, fez amplo uso do mantra.

"É possível, desde que haja vontade política, fazer crescer em 30% ou até 40% a produção de alimentos apenas pelo uso de capacidade ociosa já instalada na indústria alimentícia", disse, por exemplo, no lançamento de seu programa de governo, em 23 de julho de 2002.

Para a esquerda, as coisas se resolvem com vontade política, pois as elites dominantes especializaram-se ao longo de décadas em encontrar maneiras de isolar os mais pobres do bolo da riqueza nacional. Um ato de vontade do líder basta para dar curso a uma "inversão de prioridades" —outro jargão esquerdista, aliás, que vai na mesma direção.

Para a direita, a palavra é gestão, mais associada a práticas do setor privado. Na essência, é a mesma coisa: o líder que chega, por um ato messiânico, começará a resolver os problemas.

Chama a atenção na entrevista de Doria à Folha como ele abusa deste conceito e não se prende à necessidade de dar maiores explicações.

De onde virá dinheiro sem novos impostos? "Da boa gestão e da desestatização". O crescente subsídio à tarifa de ônibus, hoje de cerca de R$ 1,8 bilhão será custeado com "melhor gestão do orçamento". "Com boa gestão", haverá remanejamento de verbas, repete o novo prefeito.

A realização de um segundo turno teria sido importante. Doria provavelmente ganharia, ainda mais contra Fernando Haddad (PT), mas passaria pelo gargalo de um mês de debate programático, mais fácil quando a eleição é mano a mano.

Como passou incólume no primeiro turno, após a barbeiragem de seus adversários, que preferiram se esmurrar pelo segundo lugar e não perceberam o risco de o tucano fechar a conta logo de cara, não teve as propostas escrutinadas da forma como deveriam.

Por enquanto, Doria é aquele vendedor de videocassete paraguaio da propaganda dos anos 90, que responde à pergunta de um cliente sobre garantia do aparelho dizendo "La garantía soy yo".

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