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02/08/2012 - 07h00

Leia a íntegra da entrevista de Francisco Rezek à Folha e ao UOL

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DE BRASÍLIA

Francisco Rezek, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal e ex-ministro das Relações Exteriores, participou do "Poder e Política", projeto do UOL e da Folha conduzido pelo jornalista Fernando Rodrigues. A gravação ocorreu em 1º.ago.2012 no estúdio do Grupo Folha em Brasília.

http://www3.uol.com.br/module/playlist-videos/2012/trechos-da-entrevista-com-francisco-rezek-1343858736849.js

Vídeo

Leia a transcrição da entrevista:

Francisco Rezek - 1/8/2012

Narração de abertura: José Francisco Rezek tem 68 anos. É graduado em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Depois, fez doutorado em 1970 na Universidade de Paris em Direito Internacional Público.

Nos anos 70, foi procurador da República. Em 1983, com 39 anos, foi nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal.

Em 1990 e 1991, os dois primeiros anos do governo do então presidente Fernando Collor, Francisco Rezek foi Ministro das Relações Exteriores.

Em 1992, foi novamente indicado para o STF. Aposentou-se em 1997 - quando assumiu um mandato de 9 anos na Corte Internacional de Justiça, em Haia, na Holanda.

Folha/UOL: Olá internauta. Bem-vindo mais um "Poder e Política - Entrevista".

Este projeto é uma realização da Folha de S.Paulo e do portal UOL. E a gravação é sempre realizada aqui no estúdio do Grupo Folha em Brasília.

O entrevistado desta edição do Poder e Política é o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Francisco Rezek.

Folha/UOL: Ministro, muito obrigado por sua presença. Eu começo perguntando o sr. já viu algum caso como esse do mensalão com tanta repercussão no Supremo Tribunal Federal?
Francisco Rezek: Não, nunca houve um caso de tal maneira mediatizado que suscitasse tanto interesse na opinião pública. Nos mais variados setores da opinião pública e da mídia. E nunca houve também, Fernando, um caso tão denso, tão volumoso. Acredito que os arquivos do Supremo não guardam nada de tão denso quanto esse processo por conta do número de réus, do número de acusações formuladas pelo procurador-geral da República [Roberto Gurgel], da complexidade dos fatos, do tamanho da prova documental que se fez e que há de se fazer ainda e, por conta disso, o processo é realmente monumental.

Folha/UOL: E do ponto de vista, vamos dizer, processual o sr. acha que a condução até agora dada pelo Supremo para esse processo, a Ação Pena 470, o mensalão, foi apropriado?
Francisco Rezek: Foi e não havia alternativa. Foi aquilo que de mais apropriado se podia fazer para que o processo nem se precipitasse, lesando de algum modo o direito de defesa das pessoas, nem tampouco se retardasse a ponto de acontecerem casos de prescrição. O que geraria, aí sim, na opinião dos analistas, sobretudo dos leigos que acompanham a agenda do Supremo Tribunal Federal, um incômodo sério. A ideia de que a demora da Justiça em dizer o Direito faz com que a impunidade reine por conta do fenômeno da prescrição.

Folha/UOL: O caso é de 2005, o escândalo propriamente. A denúncia foi recebida dois anos depois pelo Supremo, ou seja, já há cinco anos. Aos olhos da população houve uma demora excessiva. O sr. acha que a população tem razão em achar que houve uma demora excessiva?
Francisco Rezek: É que não tem jeito de ser diferente num caso desse volume. Veja bem, comparemos com um fato mediatizado intensamente nos últimos dias, o atentado com arma de fogo no cinema na cidade de Denver, Colorado, nos Estados Unidos da América. É admirável a rapidez com que as coisas se passam e com que parece que uma decisão final está para ser proferida nos próximos dias. Mas é um caso totalmente diferente. É uma ação individual, instantânea, com a sua veracidade exposta à luz do dia e não havendo nenhum fato controvertido quanto a quem fez, como foi e quais as consequências. Então, um processo assim, no Brasil também pode andar mais depressa e anda, efetivamente. A não ser naqueles casos em que a patologia da defesa retarda propositalmente o andamento na esperança de que a defesa recolha algum fruto. Mas aí [no caso do mensalão] não, aí não tinha jeito. Aí o número de réu, a diferente situação dos réus na hierarquia republicana, por assim dizer, e que motivou várias vezes o pedido de desmembramento do processo, tudo isso tomou tempo.

Folha/UOL: Sobre o desmembramento, o sr. acha que foi a melhor condução possível manter todos os réus no mesmo processo no Supremo ou teria sido desejável, e até correto, do ponto de vista constitucional, remeter os que não têm foro para outras instâncias?
Francisco Rezek: Teria sido possível, dentro dos limites da correção do processo penal. Mas de alta inconveniência. Você atomizar a decisão sobre um caso que envolveu, enfim, um arranjo, qualquer que seja o grau de culpabilidade ou não das partes. Mas não há dúvida de que houve aí uma composição de condutas e toda a atomização, toda divisão do processo de modo de que o Supremo julgasse dois ou três dos acusados e os restantes fossem, em caráter avulso, julgados pela primeira instância em Belo Horizonte, ou pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ou o que quer que seja. Tudo isso faria com que a impressão de incongruência no resultado do processo visto como um todo fosse uma impressão generalizada.

Folha/UOL: Mas, do ponto de vista constitucional, o sr. acha que se sustenta ter mantido tudo dentro do Supremo?
Francisco Rezek: Sim, sim. Não há dúvida de que isso é correto também. Poderia ter havido o desdobramento, mas o não desmembramento do processo é totalmente legítimo. Eu não acredito, veja bem, eu não acredito que os réus sem foro privilegiado estejam sendo, de algum modo, prejudicados por serem levados a julgamento no Supremo. Dizem, enfim, os defensores da ideia do desmembramento dizem que com isso essas pessoas que são cidadãos comuns do setor privado estariam sendo despojados do direito a um duplo grau de jurisdição porque estariam sendo julgadas, já de início, na jurisdição suprema, contra qual não cabe recurso quanto ao mérito. Neste caso, mas veja bem, são tantas as situações em que justamente por uma situação de privilégio que a pessoa tem na hierarquia republicana, por uma dignidade qualquer da qual desfruta, a pessoa julgada em instância única sem que isso signifique um prejuízo, sem que se fale em prejuízo. Até mesmo aquelas hipóteses de crimes dolosos contra a vida. Veja bem, é que se disse já no passado quando alguém que tenha foro privilegiado comete um crime doloso contra a vida e evoque em seu favor o crime passional, da legítima defesa da honra. Esse cidadão tem todo o direito de ir a júri e o júri costuma, costumava, na época, ser mais leniente com os criminosos em defesa da honra, como se dizia na linguagem da época. Ao passo que um Tribunal de Justiça não, ele tende ser severo. De modo que, sem dúvida, o foro privilegiado acaba sendo mais áspero para com o réu do que o foro comum. Mas isso sempre aconteceu e nunca ninguém disse que isso contraria a Constituição.

Folha/UOL: O sr. acha que não contraria?
Francisco Rezek: Não, não. De maneira nenhuma.

Folha/UOL: O sr. acha impróprio julgar o Mensalão justamente agora, às vésperas do processo de eleição nos municípios em todo o Brasil?
Francisco Rezek: Fernando, primeiro eu não acho que esse processo no Supremo Tribunal Federal em Brasília envolvendo autoridades de nível federal e particulares de variada origem, eu não acho que isso influencie em absoluto as eleições municipais. Conheço, pela presidência do TSE em outras épocas, pelo exercício...

Folha/UOL: Mas os políticos acham.
Francisco Rezek: Eles acham. Mas eu duvido de que estão, para ser sincero, eu duvido de que estejam sendo sinceros quando dizem que acham que um processo como esse afete a eleição de Santa Rita do Sapucaí, ou de Cristina, ou de Quixeramobim onde quer que seja. Os eleitores brasileiros se conduzem, sobretudo nas primárias municipais, os eleitores brasileiros se conduzem por critérios que não têm a ver com prestígio ou desprestígio de uma determinada instituição federal ou de um determinado partido político no nível federal. Então, eu não acho, para começar, que isso vai influir, qualquer que seja o resultado, nas eleições municipais.

Folha/UOL: E o oposto? Os ministros do Supremo se sentirem pressionados por todos esses políticos reclamando.
Francisco Rezek: Eu acho que os ministros do Supremo tem toda a razão em manter uma atitude de absoluta indiferença ao que o meio político diz ou deixa de dizer.

Folha/UOL: O sr. se declarou impedido, se não me falha a memória, no caso do julgamento [no STF] do ex-presidente Fernando Collor.
Francisco Rezek: Sim. Eu próprio e [o ministro] Marco Aurélio Mello [que é primo de Fernando Collor].

Folha/UOL: Agora, neste caso, há uma discussão sobre se algum ministro deveria se declarar impedido. Alguns foram indicados pelo ex-presidente Lula, que não é réu mas é muito citado no caso. Um dos casos mais salientes é o do ministro Dias Toffoli, que foi advogado-geral da União, no governo Lula, e foi advogado do PT no passado. Analisando o caso do ministro Dias Toffoli, o que o sr. acha que seria recomendável?
Francisco Rezek: Eu tenho a convicção de que ele se declarará impedido. Eu creio que ele conhece a história da Casa. Afinal, se o tribunal tem 11 membros, por que aquele que foi colega de ministério de quem está posto sob acusação, ou teve qualquer espécie de relação que possa levar as pessoas comuns que observam o tribunal a acharem que tal ministro não deveria participar do julgamento... Por quê? Por quê? Se os outros podem fazer o trabalho sem ele?

Folha/UOL: Toffoli errará se não se declarar impedido?
Francisco Rezek: Eu acho que sim. Eu acho que sim. Mas eu creio, pelo que conheço do ministro e das provas inúmeras de sensatez que deu até hoje, que ele não deixará de fazê-lo.

Folha/UOL: Se deixar de fazê-lo?
Francisco Rezek: Eu não sei... Enfim, os demais ministros não têm como interferir nisso. As partes, sim. O procurador-geral da República, eventualmente a defesa de réus do setor privado... Enfim, há quem possa suscitar sim o impedimento, a suspeição de determinado ministro da Casa por qualquer razão que seja.

Folha/UOL: Seria um caso extremo, não é ministro Rezek?
Francisco Rezek: É. Mas eu tento me lembrar de alguma situação em que, por não ter havido a autodeclararão de impedimento, isso foi suscitado com sucesso por alguém dentre as partes ou pelo Ministério Público. Não me lembro de nenhum caso.

Folha/UOL: O julgamento demorou alguns anos para ser realizado, a gente sabe. Algumas penas que são mais curtas, de até dois anos, já estão prescritas, na sua opinião?
Francisco Rezek: Não, eu creio que nada prescreveu até hoje. Eu tenho a impressão de que a prescrição começaria a ocorrer, a se produzir, já pelo final do ano de 2012. Veja por que. A prescrição não tem curso fluente desde o momento dos fatos. Há vários fatores que interrompem. E quando dá interrupção, começa a se... Então, o prazo de descrição de dois anos, que é curtíssimo, ele não se conta pelo só fato de que no calendário dois anos se passaram.

Folha/UOL: São quatro, não é verdade?
Francisco Rezek: É. Na realidade o prazo se renova a cada fato de interrupção. O recebimento da denúncia interrompe. A sentença de pronúncia, no processo do júri, interrompe. Enfim, por conta disso, feita as contas na ponta do lápis por quem está acompanhando esse processo, pelo que eu li, as primeiras prescrições aconteceriam no final de 2012.

Folha/UOL: O sr. acha que há, pelo que o sr. conhece desse caso e todos nós damos tanto na mídia sobre ele, que é real a hipótese de algum réu, se vier a ser condenado de fato, vir a ser preso e cumprir a pena na prisão?
Francisco Rezek: Pelas características do Direito Penal brasileiro, eu acho isso improvável.

Folha/UOL: Improvável?
Francisco Rezek: Improvável. Possível, sim. Possível.

Folha/UOL: Mas improvável?
Francisco Rezek: Mas improvável. Porque as regras do Direito Penal no Brasil são regras muito dificilmente conducentes ao encarceramento de alguém que não tenha antecedentes criminais. Ou seja, que não tenha praticado os fatos de que é acusado depois de ter sido já condenado em processo anterior com sentença transitada em julgado. Quer dizer, nessa situação há uma... Se bem que, veja, em casos de acúmulo de crimes de certa gravidade é impossível deixar de impor ao condenado uma pena que leve a algum tempo de reclusão criminal. Eu apenas não sei sinceramente, Fernando, se aí seria uma questão de contabilidade, de dosimetria. Eu não sei se no caso de algum dos réus o número de acusações e a possível condenação cumulativa em vários dos tópicos de acusação poderiam levar a uma situação em que o Tribunal [o STF] não teria alternativa senão aplicar uma pena prisional por algum tempo.

Folha/UOL: Mas essa hipótese, até onde o sr. conhece do caso, ela deve ser improvável?
Francisco Rezek: Eu acho

Folha/UOL: Esse julgamento tem algumas dúvidas principais. Quais são elas? Vou citar três aqui. Primeiro: houve de fato compra de apoio político no Congresso e há materialidade dessa compra? Número dois: há de fato dinheiro público envolvido? Dinheiro que se sabe que foi usado. Ele de fato saiu dos cofres públicos para esse fim? E, por fim, o ex-ministro, ex-deputado José Dirceu apontado na denúncia como chefe da quadrilha, na expressão do procurador-geral [Roberto Gurgel], de fato chefiava todos esses integrantes? Há materialidade disso? Até onde o sr. leu a respeito desses escândalo, o sr. acredita que há materialidade desses três fatos?
Francisco Rezek: O primeiro deles, a questão de saber se essa mesada, daí deriva o nome do contexto, a questão de saber se essa mesada visava comprar votos parlamentares em casos... Aparentemente a mesada desde que real visava aliciar apoio mediante votos sucessivos, em casos sucessivos, em projetos diversos, o apoio de partidos políticos e parlamentares a determinadas bandeiras do governo da época.

Folha/UOL: Não seria necessário provar que o dinheiro entregue resultado, de fato, num voto a favor?
Francisco Rezek: Não, não. Não é preciso. Veja bem. Recapitulando um fato de 20 e poucos anos atrás. Ficou mais ou menos evidente, quando da derrubada do presidente Fernando Collor, que Paulo César Farias , o pivô do escândalo da época desde a denúncia de Pedro Collor à revista Veja e tudo mais, o que fazia ele era arrecadar dinheiros do setor privado de empresários, sobretudo em São Paulo, sobretudo estrangeiros, mas não necessariamente estrangeiros nem em São Paulo. Mas arrecadar seja aceitando, seja tirando o mesmo, tomando o mesmo dinheiro a pretexto de que? De granjear para tais empresários a simpatia do governo. Não se sabe bem o que isso significava. Era esse o discurso de Paulo César Farias. Isso me foi dito de viva voz pelo ex-embaixador britânico William Hardwick que teve contato com empresários britânicos radicados em São Paulo. O discurso do personagem da época era esse. Tomava dinheiro de empresários sob o argumento de que com isso ele carrearia para eles a simpatia do governo. O que significa essa simpatia? Não se sabe exatamente.

Folha/UOL: E qual é a analogia entre aquele e esse caso?
Francisco Rezek: Veja, não é preciso você especificar um determinado voto parlamentar. No Direito Eleitoral também é assim. É claro que, quando se compram votos num processo eleitoral é para que o corruptor tenha em seu favor, ou em favor daquele a quem ele protege, o voto dos eleitores a quem ele dá dinheiro. A corrupção eleitoral é bem caracterizada por isso. No caso desse gênero de procedimento ilícito, é muito difícil você exigir do Ministério Público... Se bem eu não sei o que Ministério Público conseguiu provar até agora nesse exato domínio. Mas é muito difícil você exigir do Ministério Público que diga quais foram os votos proferidos no plenário da Câmara ou do Senado por tal ou qual parlamentar, por tal ou qual partido em nome da mesada recebida pelos seus integrantes.

Folha/UOL: Basta haver uma materialidade do pagamento.
Francisco Rezek: É verdade.

Folha/UOL: E o segundo ponto, que se refere ao dinheiro que foi entregue ser ou não ser de origem dos cofres públicos? É claro que a acusação sustenta que sim, a defesa sustenta que não. O que o sr. acha?
Francisco Rezek: Eu não faço a menor ideia da procedência. Mas veja: se esses dinheiros não tivessem saído, sequer em parte mínima, do Tesouro Público, visto assim, no enfoque direto, mas se tivessem todos saído de bolsos privados em nome da ideia de ajudar o governo, ajudar a administração, ajudar tal ou qual partido e assim por diante, isso não descaracterizaria o crime. Isso poderia, sim, esvaziar a acusação de peculato. Que, tanto quanto eu saiba, foi feita a dois ou três no máximo, se tantos, dos acusados. Mas, excluída a figura do peculato, sobra o restante do processo no que ele tem de mais expressivo. E pra isso, veja bem, não é preciso, Fernando, que o dinheiro seja do Tesouro Nacional.

Folha/UOL: Provado que veio do Tesouro Nacional. Porque o argumento aí é que eram duas empresas de publicidade que tomavam empréstimos em bancos e essas empresas de publicidade, em contrapartida, tinham vantagens no governo, com contratos, licitações que venciam. Recebiam dinheiro público. Mas, e daí, como essas empresas prestavam também serviços para iniciativa privada, o dinheiro fica todo misturado. O dinheiro que saia para esse fim não se sabe foi aquele foi recebido dos cofres públicos ou da iniciativa privada. Para o sr. isso seria um detalhe menor nesse caso?
Francisco Rezek: Exato. Na caracterização dos demais crimes. Agora, se o processo leva o Supremo a convicção de que nada foi drenado diretamente do Tesouro Público, neste caso as acusações de peculato se esvaziam. E, neste caso, enfim, a própria configuração dos demais delitos é diferenciada porque aí o argumento da defesa, do caixa dois, foi uma prática, é claro que um pouco sofisticada, mas foi uma prática de velhos hábitos políticos deteriorados não apenas no Brasil, mas em várias partes do mundo. Sim, faz uma diferença a questão de saber se houve dinheiros do Tesouro Público ou não no contexto. Mas, decididamente, isso não desnatura o processo no que ele tem de principal.

Folha/UOL: No caso da formação de quadrilha e da acusação formal feita ao ex-ministro José Dirceu, que seria o chefe dessa dita quadrilha... É claro que a defesa alega que isso não existe, que o ex-ministro não tinha ascendência sobre os demais ali citados, e a acusação sustenta o contrário. Do melhor do seu conhecimento, qual a impressão que o sr. tem dessa acusação específica?
Francisco Rezek: Eu sei pouco a respeito do ex-ministro José Dirceu. Agora, uma coisa que tantos os seus amigos e admiradores quanto seus desafetos, dos mais brandos aos mais agressivos, uma coisa em que todos concordam é que se tratava de uma liderança irrecusável. José Dirceu não parecia uma pessoa fadada pelo destino a ser o número dois em coisa alguma. Isso é uma visão clara que se tem deste personagem da história recente do Brasil por todos os fatos que cercam a sua trajetória. Eu imagino que não, mas se não fosse por isso...

Folha/UOL: Como é que se materializa isso como prova?
Francisco Rezek: É difícil. É muito difícil. No fundo você trabalha, e o Ministério Público trabalha, e com certos dados que são aparentemente válidos e que induzem a convicção da liderança. São eles: a biografia do ex-ministro e a sua ascendência na própria hierarquia republicana da época. Ele era, de todos os personagem citados no processo, o mais iminente na posição que ocupava. Porque era um ministro de Estado extremamente próximo do presidente da República e com uma evidente ascendência sobre todo o contexto do governo e do partido.

Folha/UOL: Não quero aqui pedir para o sr. prever o futuro mas tomar partido da sua grande experiência no Supremo. Esteve lá por duas vezes, é experiente jurista. São 38 réus. Ninguém consegue prever o que pode acontecer. O sr. acha que o ânimo do Supremo hoje é para que vários desses réus acabem condenados de alguma forma ou absolvidos?
Francisco Rezek: Eu vejo com muita dificuldade a absolvição. Mesmo por amostragem. Mesmo em caráter avulso de um ou outro dos 38 réus.

Folha/UOL: O sr. acha ou analisando a composição do Supremo atual?
Francisco Rezek: Veja, Fernando, aí eu estou especulando a seu pedido em torno de conhecimento que tenho do passado e da observação que faço do Tribunal na sua composição atual. O Tribunal não tem como fugir de determinadas regras. Não tem como, enfim, se apartar de determinados parâmetros de procedimento que a Corte adotou ao longo da sua história e que ele, Tribunal, na sua composição atual, adotou em vários processos de igual natureza, embora de menor porte, nos últimos anos. Agora, veja bem, há tantas modalidades possíveis de condenação. Porque absolver qualquer dos 38 réus significa dizer: "Nada disso procede. Nada disso tem qualquer fundamento". O procurador-geral da República, o primeiro acusador, Antônio Fernando e o dr. Roberto Gurgel, duas figuras exponenciais da carreira que foi um dia minha, enfim, deliraram quando acusaram esse rapaz que é absolutamente inocente. Eu duvido disso. Eu duvido. Eu tenha a impressão de que a condenação é dificilmente evitável em qualquer caso. Agora, veja, uma coisa é a condenação a pena de multa. Enfim, existem inúmeras maneiras de condenar que permitem então que, mesmo reconhecendo que o Ministério Público Federal foi absolutamente sério quando pôs essas 38 pessoas no banco dos réus, não cometeu nenhum abuso, não cometeu nenhum exagero, nenhum desborde. Mas o fato é que alguns deles o Tribunal provavelmente considerará que tem um grau de culpa extremamente discreto se confrontado com outros graus de culpa e, daí, o feixe das condenações possíveis. Porque o Supremo se dará, sem dúvida, o trabalho de individualizar o seu juízo e não fará nada por atacado.

Folha/UOL: Se eu estou entendendo bem, o sr. acha que cada um dos 38 deve acabar apenado em alguma coisa?
Francisco Rezek: Em alguma coisa. Não necessariamente em privação de liberdade.

Folha/UOL: O sr. acha que a maioria, metade, ou a minoria será penado a privação de liberdade?
Francisco Rezek: Na realidade, como eu disse logo no começo, Fernando, é possível que ninguém seja apenado com privação de liberdade. É possível que outras penas se apliquem considerando o fato.. Esse é um fato concreto: todos ali, tanto que eu saiba, tanto quanto tenha transparecido, todos são réus primários. Por conta disso, é possível que nenhuma única condenação a pena privativa de liberdade se profira dependendo do grau de culpa que o Supremo entender que existe nas pessoas.

Folha/UOL: Do ponto de vista operacional é melhor que os ministros, ao proferirem os seus votos a respeito dos 38 réus, exponham as suas decisões e que, ao final, as sentenças sejam decididas entre eles ou como vai funcionar isso da melhor forma, na sua opinião?
Francisco Rezek: A liturgia vai dar muito trabalho ao presidente [do STF] Carlos Britto. É preciso tomar os votos de cada um dos ministros a respeito de cada tópico de acusação contra cada réu. Considerando que os tópicos de acusação dão uma média de quatro. Em alguns casos menos, em alguns casos mais. Vamos por aí quatro tópicos de acusação por 38 réus seriam 150, mais ou menos, tomadas de voto. É claro que isso se faz instantaneamente na medida em que ninguém queira ficar falando e discursando a cada tomada de voto. Mas, de qualquer maneira, isso será conduzido na ponta do lápis à luz da ideia de que ele tem que saber de cada ministro o que acha sobre cada acusação sobre cada réu.

Folha/UOL: A propósito da decisão de cada ministro, o ministro Cezar Peluso deve se aposentar no início de setembro, talvez até um pouco antes, e é possível que ele, no curso do julgamento, peça para antecipar o seu voto. Já ocorreu em outras ocasiões no Supremo, mas é claro que advogados de defesa têm dito que isso vai privar o ministro Peluso de eventualmente acompanhar até o final o julgamento e, quando poderia, até rever o que já havia votado. Não poderá mais porque já terá saído. Qual a sua opinião sobre isso?
Francisco Rezek: O só fato dessa questão ser suscitada leva a um comentário paralelo curioso. O ministro Peluso foi indicado, foi nomeado pelo presidente Lula da Silva. Foi, aliás, o primeiro na ordem cronológica e dentro da ordem de precedência dos três primeiros nomeados. Peluso precede Ayres de Britto, que precede, por sua vez, Joaquim Barbosa. Então foi o primeiro nome de Lula no Supremo Tribunal Federal, quando começou o governo. Mesmo assim, parece que parte da defesa dos réus não está levando isso em conta. Não é a questão de saber quem nomeou quem. É a questão de saber sobre a tendência de cada ministro dentro do processo penal. Independentemente de qualquer consideração política. Em matéria penal, determinados ministros são considerados mais severos, e seria esse o caso de Peluso, outros são considerados mais brandos, seria esse o caso de Marco Aurélio [Mello]. Enfim, são coisas que todos que acompanham a história no Tribunal conhecem. Então, essas elucubrações a respeito da participação ou não do ministro Peluso mediante adiantamento de voto na hipótese de o julgamento se prolongar além da data [aposentadoria] compulsória dele, isso aí tem mais a ver com uma possível consideração de que ele é juiz de carreira com uma tendência a austeridade em matéria penal. O que eu não acho, absolutamente, que num processo dessa natureza que isso aí funcione. Um processo dessa monta tem a vantagem de, enfim, isolar do contexto do passado e do futuro o procedimento do juiz em Tribunal e colegiado.

Folha/UOL: Mas no aspecto específico a respeito de ele votar, sair do julgamento antes do seu final e não ouvir os argumentos de todos os colegas até o final, isso prejudica os réus ou não?
Francisco Rezek: De maneira nenhuma. Até porque, veja bem, isso pode acontecer de uma antecipação de voto levar a uma situação incômoda pelo fato de que as pessoas ficam depois pensando que se aquele ministro que foi embora, em geral pela aposentadoria compulsória, se tivesse ouvido os argumentos do último voto... Isso é para casos corriqueiros, do cotidiano. Não para um caso em que você sabe que todos já leram tudo. Todos os membros do Tribunal já leram cada pagina...

Folha/UOL: O sr. acha que todos já afirmaram convicção sobre tudo?
Francisco Rezek: Todos já têm convicção. É surreal. Parece brincadeira. "Não. O ministro Peluso não deveria adiantar o seu voto se necessário for porque ele poderia ser convencido modificativamente por ouvir um colega dos que vão votar depois..." Isso não faz sentido nenhum.

Folha/UOL: Deixa eu perguntar para o sr. de um episódio muito rumoroso recente quando neste ano, no primeiro semestre, o ex-presidente Lula, no escritório do ex-ministro também do Supremo, Nelson Jobim, recebeu o atual ministro, Gilmar Mendes, para conversar. Nessa conversa, como foi divulgado em versões controversas, haveria se discutido a conveniência ou não de se julgar o mensalão. Do que o sr. conhece desse episódios, o sr. acha que foi condenável de um, dois ou dos três participantes do encontro?
Francisco Rezek: Fernando, eu tendo a ver esse episódio com grande complacência. Eu me ponho na posição de cada um. Nelson Jobim, ex-membro do Tribunal, ex-presidente do Tribunal, ministro de Estado de Lula, ministro de Estado de dona Dilma, enfim, um homem do mundo e bastante correto com seus amigos. Se ele é solicitado pelo ex-presidente Lula a marcar um encontro. "Marque aí um encontro casual com o ministro tal do Supremo etc". Nelson Jobim não tem alternativa. Seria negação de si mesmo se ele dissesse: "Não, não vou marcar". E marca. Que Gilmar Mendes compareça. Eu acredito que ele se arrependeu, não tenho dúvida. Mas não tinha jeito de dizer não. Se Nelson Jobim lhe diz: "Apareça aqui. O ex-presidente estará, talvez ele queira lhe dizer alguma..." Não há, em princípio, razão para supor que isso vai criar problemas e razão para dizer: "Não vou. Se ele quer me dizer alguma coisa, que vá ao Supremo e passe pelo protocolo e me visite no meu gabinete". Enfim, eu entendo também a posição... E quanto a própria posição de Lula? Santo Deus! Ele não tem formação jurídica. Ele não conhece... Talvez já devesse ter aprendido a essa altura da vida uma porção de coisas que não aprendeu, mas ele não é obrigado a ter uma tão precisa noção das coisas a ponto de se dar conta. Ele, que ao longo dos seus anos de governo foi pródigo em gafes de variada natureza. Ele não é obrigado a se dar conta de que é temerário, é perigoso. Pode ter os piores resultados possíveis esse tipo de atitude. Então ele vai e diz algo que, certamente, é sincero nas convicções dele. "Eu acho que esse julgamento deveria ser adiado porque, se não, vai interferir nas eleições". Ele acha. Eu não acho isso. Ele acha que interfere, pelo menos na de São Paulo. Não, eu não acho nada disso. Eu acho que quem vai perder é porque vai perder mesmo. Não é por causa do processo do mensalão.

Folha/UOL: O sr. acha que houve uma exacerbação das interpretações?
Francisco Rezek: Eu acho que, afinal de contas, nós tivemos aí o noticiário, então, de um episódio lamentável que todos lamentaram, mas no qual eu não consigo identificar uma culpa grave de nenhum. Foi mais uma gafe numa história longa de gafes. Mas não foi mais do que isso.

Folha/UOL: Ministro Francisco Rezek, muito obrigado por sua entrevista à Folha de S. Paulo e ao UOL.
Francisco Rezek: Eu que agradeço.

 

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