Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
  Acompanhe a sãopaulo no Twitter
26/12/2011 - 20h59

Estudo mostra como o samba embalou a urbanização de SP

Publicidade

JULIANA SAYURI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Uma metrópole em construção, uma coletânea de discos de samba e uma generosa dose de malandragem paulistana. Esses foram os pilares para a tese de doutorado "Debaixo do 'Pogréssio': urbanização, cultura e experiência popular em João Rubinato e outros sambistas paulistanos (1951-1969)", defendida pelo arquiteto Marcos Virgílio da Silva, 35, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

Christian von Ameln/Folhapress
Marcos Virgílio em frente a muro do Bexiga com imagem do sambista Geraldo Filme
O arquiteto Marcos Virgílio da Silva, 35, em frente a muro no bairro do Bexiga com imagem do sambista Geraldo Filme

"Pogréssio"? Sim, como na licença poética dos famosos "fumos" e "vortemos" de Adoniran Barbosa (1910-82) nos versos de "Ói Nóis Aqui Traveis", canção consagrada pelo grupo Demônios da Garoa.

Virgílio pretendia narrar as transformações vivenciadas pela cidade nas décadas de 1950 e 60, mas a partir do ponto de vista dos trabalhadores. "Na época, o discurso das elites costumava enfatizar o crescimento urbano como um progresso inexorável", conta. "Em vez disso, interessava-me investigar o que a população entendia dessas transformações. Era preciso ir além da superfície do discurso ufanista e investigar esses grupos subalternos."

A partir daí, o arquiteto construiu sua documentação: 50 álbuns de samba cedidos por colecionadores (entre LPs, CDs, obras raras e arquivos digitais), entrevistas antigas (mantidas em acervos como o do Centro Cultural São Paulo e o do MIS) e biografias de sambistas como Adoniran Barbosa, Germano Mathias, Osvaldinho da Cuíca, Noite Ilustrada e Nenê de Vila Matilde, além das obras de Geraldo Filme, Demônios da Garoa e Paulo Vanzolini.

No estudo, o nome verdadeiro de Adoniran Barbosa, João Rubinato, prevaleceu sobre a alcunha artística. A ideia era destacar as vivências do sambista na cidade. "No início da década de 1950, ele residia no 'centro novo', em um apartamento na rua Aurora. É a época de 'Saudosa Maloca', música inspirada em uma demolição nessa rua, presenciada pelo artista em suas andanças", conta.

REDUTOS DO SAMBA

Além dos tradicionais redutos do samba paulistano, como a Barra Funda e o Bexiga, o urbanista destacou o ziriguidum despretensioso dos engraxates na praça da Sé e nas intermediações do centro antigo, as rodas improvisadas nos botequins depois do expediente, os bailes de gafieira e os cordões carnavalescos.

Com a urbanização frenética e as fortes correntes migratórias nos anos 1950 e 60, a cidade viu nascer novos bairros, rearticulando as culturas nas periferias -o que deu caldo para uma música popular temperada com os baiões e outros ritmos do Norte e do Nordeste.

Ao mesmo tempo, porém, o estilo ia perdendo espaço nos bairros centrais. Foi o caso do largo do Banana, antes berço do samba na Barra Funda, que se transformou em um viaduto. Na época, nasceram muitas melodias cheias de saudosismo, mas também os desfiles de Carnaval no calendário oficial da cidade, em 1968, as escolas de samba nos bairros, a profissionalização dos músicos e o acesso ao disco e à rádio como formas de perpetuar o samba.

À ideia de São Paulo como "cidade do trabalho" o arquiteto adiciona outra figura: a do malandro. "Para os sambistas, a condição de trabalhador é contingente e precária: talvez haja trabalho hoje, amanhã não", diz. Uma ilustração para a filosofia de botequim é a letra de "Conselho de Mulher", de Adoniran: "Amanhã vou trabalhar, se Deus quiser -mas Deus não quer".

Virgílio diz que prefere pensar que os habitantes atuais de São Paulo, "mesmo judiados por essa urbanização impessoal e autoritária", não deixam de viver a cidade da melhor forma que podem. "Eles preservam seu afeto e sua memória, em qualquer brecha que se lhes deixe", afirma.

E se a urbanização de São Paulo fosse uma música? Seria "Tradição", de Geraldo Filme, arrisca o urbanista: "O samba não levanta mais poeira/ asfalto hoje cobriu nosso chão/Lembrança eu tenho da Saracura/ saudade tenho do nosso cordão/ Bexiga hoje é só arranha-céu/ e não se vê mais a luz da lua/ Mas o Vai-Vai está firme no pedaço/ É tradição, e o samba continua"

 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página