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06/05/2012 - 09h40

Maldito pelo branco

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BARBARA GANCIA
COLUNISTA DA sãopaulo

Um dos maiores mistérios da humanidade me foi revelado. Eu costumava me perguntar: como é possível essa bendita velha andar por aí ostentando um imenso pelo platinado no meio da bochecha?

Não estamos falando de um filamento capilar qualquer, mas de um cabelão do porte de uma dessas antenas de retransmissão da av. Paulista. Como é que sua cabeleireira, os filhos, netos, colegas de tranca, ora, sei lá eu. Como é que ninguém chegava para ela e dizia: "Dona madame, a senhora já viu esse pelo que mais parece uma instalação do Tunga e que talvez devesse estar exposto em Inhotim e não decorando o meio do seu rosto?".

Ilustração Alex Cerveny

Se ainda fosse necessário marcar hora com o dr. Pitanguy e passar por anestesia geral para vê-lo removido, eu entenderia a perenidade da parceria.

Mas de que calabouço interno adviria a resistência ao uso da pinça? Qual o trauma a que se poderia incorrer extirpando o impertinente intruso com uma simples tesourinha de unhas? Haveria alguma categoria especial de pelo que apresenta resistência a métodos convencionais de eliminação?

Por anos eu me perdi nesses questionamentos obsessivos toda vez que via senhoras passarem por mim sem a aparente preocupação de posar de um cruzamento entre o Elo Perdido e um anão de jardim. Ficava tão intrigada com a atitude desencanada delas, que muitas vezes tive de me conter para não vomitar: "Quer que eu arranque esse pelo horroroso agora mesmo a dentadas? Posso tentar, não me custaria nada".

Até o dia em que... Bem, até o dia em que dona Barbarica Sabe-Tudo teve sua epifania pessoal sobre a higiene capilar na meia idade.

O sistema endócrino prega peças --e não é só nas mulheres. Nos homens, os pelos começam a brotar feito pés de feijão nas pontas das orelhas e do nariz. De uma hora para a outra eles se tornam gnomos irlandeses.

As surpresas vêm a cavalo. Eu seria capaz de oferecer um Audi 7 0 km aos cinquentões de óculos multifocais que conseguem remover pelos do rosto na frente do espelho munidos de uma pinça. Garanto que é bem mais fácil enfiar um camelo pelo buraco de uma agulha. Ao menos, a bunda do camelo você consegue enxergar.

Só a juventude, com sua visão 20/20, é que percebe cada detalhe do seu drama em nítida tridimensionalidade. Nem mesmo o laser para remoção de penugem, processo quase 100% garantido, conseguirá "ler" a existência de pelos brancos. Os malditos vieram para decretar o início de sua decrepitude e lá permanecerão estoicos para lembrá-lo de que você finalmente atingiu uma idade em que o corpo não condiz mais com aquela sua cabeça arejada que não mudou quase nada nos últimos 20 ou 30 anos.

A pior coisa de envelhecer é que a gente não envelhece, dizia Jean Cocteau.

Mas amadurece. Antigamente, chegava a me ofender o desleixo da velhinha com seu pelo no rosto. Hoje, coloquei no lugar do que imaginava ser falta de asseio uma boa dose de solidariedade. "Coitada, ela não viu, tomara que perceba logo", penso, ao cruzá-la na rua. Depois, automaticamente, levo as mãos ao rosto para tateá-lo e fazer um reconhecimento aflito do terreno.

 

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