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Do Leme ao vulcão do Pontal
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BARBARA GANCIA
COLUNISTA DA sãopaulo
Bucicleide por vezes assume as feições de um asno, comporta-se como um jumento e relincha feito um burro, mas, embaixo do couro de um jegue que empacou na sombra, anda lá perdida em alguma parte do seu âmago uma mulher refinada, que sabe colher da quietude e dos pequenos gestos os maiores prazeres da vida.
Apenas recentemente descobri que minha tresloucada amiga é uma "globetrotter". Na minha cabeça, ela nunca tinha saído de Bofete, a aprazível cidade do interior de São Paulo que ela aponta como o logradouro de seu nascimento. Eu aceito a informação, mas não confirmo. Em se tratando de Bucicleide, melhor sempre acreditar piamente no fato, mas desconfiar do santo. Apurada é uma coisa. Jararaca em pele de santa Maria é outra bem diferente.
Ilustração Alex Cerveny |
Fato está que Buci, digo, Cleide acaba de voltar de Reykjavík. Pois é, ela esteve na Islândia visitando a cantora/atriz Björk. As duas parece que montaram lá um evento barra instalação barra rave barra performance barra "flashmob" meditativo curativo barra "heal the world" pré-Rio+20 em prol da Paz de Espírito dos Vulcões de Nomes Impronunciáveis.
Só não pergunte o que isso significa porque eu parei na época do musical "Jesus Cristo Superstar".
No voo de volta para casa, Bucicleide viu-se acomodada no fundão da aeronave, tendo à sua volta os seguintes personagens como companheiros de viagem: um deportado da Alemanha que entrou na cabine aos berros, algemado e escoltado; um trabalhador braçal que fora fazer a vida na Europa e estava voltando depois de anos passados na Holanda; um economista; um decadente que dava pinta de ter sido rico e circulado nas altas rodas; e um jovem cursando uma boa faculdade.
Na hora em que dona Bucicamaleônica, que é mestra em disfarces e na arte de burilar (até na Monga do Playcenter eu já a vi se transformar. Isso, depois de fazer um Alexandre
Frota e uma Marília Gabriela de ar-ras-sar -tudo na mesma noite. Outra vez, eu conto.), se deu conta de que o volume da voz começou a incomodar, e que o pessoal foi se excitando além da conta, ela imediatamente tratou de encarnar "a estrangeira", um de seus disfarces mais efetivos. Fingiu não saber o português, recolheu-se à leitura de um livro em sueco e ficou só ouvindo o papo-furado das matracas empoleiradas ao seu redor.
"Barbara, foi a coisa mais assustadora", contou-me depois. "Pessoal cruzou o Atlântico falando de compras, de dicas de compras no exterior e de coisas que podem ser adquiridas nos quintos dos infernos com descontos." A boca dela até entortou enquanto falava. "Não ouvi ninguém comentar um livro, um museu, um mero busto de praça. O único elo entre o topo e a base da nossa pirâmide social é o apetite voraz pelo consumo e o completo desdém por fazer funcionar o cérebro."
Nossa! A Björk fez um bem danado à Bucicleide!
A não ser quando a cultura vira material a ser devorado, digerido e devolvido, feito um doce de jaca ao molho de javali da, digamos, Neka Menna Barreto, pessoal não demonstra o menor interesse. Cultura só serve quando forma identidade, em outras palavras, quando vira marca de papel higiênico sofisticado.
Explico melhor. Tudo na frase a seguir terá o mesmo valor para a turma do avião da Buci: "Comprei uma Leica no shopping, jantei no D.O.M. e amanhã embarco para ver a exposição de Catarina, a Grande, no Hermitage".
E, pode estar seguro de que, na semana seguinte, estará tudo no Facebook e no Instagram. Comentado em frases telegráficas.
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