Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
  Acompanhe a sãopaulo no Twitter
13/01/2013 - 03h00

Calor, umidade e descuido causam invasão de pragas urbanas em SP

Publicidade

GUILHERME GENESTRETI
REGIANE TEIXEIRA
DE SÃO PAULO

O casal Amilcar, 82, e Maria Rosa Bortolai, 79, tinha acabado de entrar em casa, num fim de tarde de abril do ano passado, quando o teto da sala desabou. "Quase matou meus pais. A sensação era que tinha caído um avião ali dentro", conta a filha Adriana, 44.

O sobrado de 57 anos no Ipiranga, zona sul, estava tomado por cupins, que se alimentaram da madeira que sustentava o forro do telhado e forçaram a família a gastar R$ 150 mil na reforma do imóvel, em andamento.

Assim como essa, casas de bairros ricos e pobres da capital também são afetadas por pragas no verão, a estação mais suscetível para o aparecimento delas. Nesse período, é comum ratos invadirem lares próximos a córregos, morcegos entrarem por janelas dos Jardins e pernilongos atacarem apartamentos da zona oeste.

Isso acontece porque a umidade e as altas temperaturas encurtam o ciclo de reprodução de insetos como pernilongos, formigas e cupins, incentivando a sua proliferação e tornando-os mais ativos em busca de alimento. Já a maior concentração de baratas atrai predadores como escorpiões. Jovens morcegos ensaiam seus primeiros voos. E ratos saem de suas tocas, desalojados por frequentes alagamentos.

"Há uma explosão desses bichos nesta época. As queixas mais do que dobram no verão", diz Sérgio Bocalini, vice-presidente da Aprag, associação paulista que reúne empresas controladoras de pragas, fabricantes e distribuidores de insumos contra esses animais. Segundo ele, baratas respondem por até 40% das solicitações.

Fora isso, há o descuido de moradores e agentes públicos. Reportagem publicada na Folha nesta semana mostrou que o controle dos pernilongos foi afetado por falta de carros e de integração entre as secretarias.

O que define uma praga urbana é o incômodo que causa aos habitantes da cidade. O conceito é "antropocêntrico", segundo o biólogo Luiz Roberto Fontes, especialista em cupins.

"A rigor, não existe praga, porque tudo tem o seu papel na natureza. Mas, na cidade, alguns animais podem causar transtornos à economia, à saúde ou incomodar mais pela presença", diz. Nesse último caso, entram baratas e pernilongos.

Gabo Morales/Folhapress
Agente de dedetização durante operação para erradicar baratas em bar da zona sul de Sao Paulo,
Agente de dedetização durante operação para erradicar baratas em bar de Santo Amaro, na zona sul de Sao Paulo

Autoridades sanitárias preferem o conceito de animais sinantrópicos, que vivem junto ao homem contra a sua vontade, aproveitando-se da comida e dos abrigos abundantes nas cidades. Inspiram preocupação por danos à saúde, como a leptospirose, transmitida pela urina dos roedores.

Em São Paulo, esses bichos são controlados pela Covisa (Coordenação de Vigilância em Saúde), ligada à Secretaria Municipal da Saúde, e suas subdivisões: o Centro de Controle de Zoonoses e as Supervisões de Vigilância em Saúde. Por mês, os 2.700 agentes atendem cerca de 60 ocorrências de morcegos, 141 queixas sobre pombos e 933 solicitações sobre ratos, em média, na capital.

A sãopaulo acompanhou uma desratização feita pela prefeitura em um córrego localizado no Campo Limpo, na região sul. "Aqui tem tudo o que um rato precisa", afirmava o engenheiro agrônomo Ludvig Genehr, que coordena o programa de roedores da cidade.

Beirando o riacho, que recebe esgoto de uma favela na vizinhança, pés de acerola e bananeiras, além de uma caçamba de lixo transbordante, serviam de fonte de alimento para esses animais.

"O último rato que eu vi foi há dois meses", contou a auxiliar de limpeza Reduzina Quessada, 60, moradora de um sobrado no outro lado da rua. "Todo mundo estava na sala e correu para pegar. Era pequenininho, mas já teve dos grandes também."

Até 12,4% dos imóveis na cidade estão infestados por roedores, segundo dados de 2010 da Covisa. Portões vazados e calhas sem grelhas, por exemplo, asseguram fácil acesso às casas, segundo Genehr. "Muitos são atraídos pela ração de cachorro."

Vizinho de um córrego na Vila Formosa, região leste, o restaurador Marcelo Medeiros, o China, 38, trava batalhas diárias com os ratos em sua oficina de lambretas. "Meu cachorro já matou um de 25 centímetros", diz ele, que tentou resolver o problema com produtos especializados. "Não posso sair da casa para fazer uma dedetização porque trabalho aqui", conta.

Quem também se aproveita da boa oferta de comida são os pombos. "Ninguém dá comida para rato, mas dá para pomba porque acha bonitinho. Isso é um grande problema", afirma a veterinária Rosiani Bonini, que coordena as ações sobre esses animais no Centro de Controle de Zoonoses. "Ela fica superalimentada, bota mais ovos e os animais nascem mais e mais vigorosos." Essas aves são vetores de ácaros, que causam alergias na pele, e a poeira de suas fezes transmite criptocose, que afeta o sistema nervoso.

SEM VENENO

No rastro dessas pragas, as empresas do setor comemoram um crescimento médio anual de 15% no Estado, segundo Bocalini, da Aprag.

O paulistano Rogério Nogueira, 45, o Sammy, era skatista profissional quando começou a fazer bicos em dedetizadoras nos EUA, em 1996. Após formar-se em gestão ambiental, abriu seu próprio negócio em 2010.

Gabo Morales/Folhapress
Agentes de zoonose promovem desratização em córrego no Campo Limpo (zona sul de São Paulo)
Agentes de zoonose da prefeitura promovem desratização em córrego localizado no Campo Limpo, na zona sul de São Paulo

Na Hard World Environmental, Sammy tenta diminuir o impacto dos produtos químicos fazendo análises do ambiente. "Busco entender por que aquilo acontece, se há gordura no azulejo, já que até uma faxina mal feita pode gerar uma infestação", diz.

Na sua equipe, os colaboradores são especializados em gestão ambiental ou biólogos. (Curiosamente, um dos funcionários também integra a banda Ratos de Porão.) Em um apartamento em frente ao Esporte Clube Pinheiros, Sammy fez um estudo em conjunto com a arquiteta e o engenheiro responsáveis pela reforma.

O método também é parecido com o usado pelo biólogo Randy Baldresca, 42, na Biópolis, há 12 anos no mercado. Segundo ele, grande parte das dedetizações elimina o problema apenas temporariamente. "Quando você acaba com um foco de cupim, pode estar espalhando o problema para outro ponto se a coisa não for bem feita", atesta.

O dono de um bar em Santo Amaro (região sul), que não quis se identificar, trocou tacos e balcão de madeira do estabelecimento para acabar com as baratas e contratava um
dedetizador informal como reforço.

"Ele vinha todos os meses, mas elas sempre apareciam", conta. Enquanto os insetos voltavam, o dedetizador sumiu e o comerciante teve que chamar uma empresa especializada para resolver o problema.

Há 26 anos no mercado, a Tecnomad tem como clientes instituições que vão do Centro Cultural São Paulo ao Club Athletico Paulistano, além de residências de classes A e B, segundo o diretor Antonio França Oliveira.

"O mais complicado na parte residencial são os insetos voadores", diz França. "Pernilongo é problema crônico nas proximidades da marginal Pinheiros." Mas o animal não é eliminado pela empresa. "Recomendamos usar aerossóis e aparelhos de parede, porque o mosquito vem de fora, então a nebulização [aplicação da fumaça de veneno] é pouco eficiente", afirma.

Na Tecnomad, metade das queixas se deve aos cupins. "Praticamente toda a cidade está dentro do raio de ação deles", diz o biólogo Luiz Roberto Fontes, que estuda essa praga desde 1978. Dentre as duas principais espécies que assolam São Paulo, a pior, diz, é o cupim subterrâneo, que habita as árvores urbanas.

"Essa é a grande praga", diz. "O cupim de madeira seca só danifica a peça que ele infesta. Mas o outro transita pelo ambiente, pelos vãos da parede, destrói conduítes."

Em 2002, o pesquisador fez um cálculo do prejuízo que ambas as espécies causariam à cidade. O valor estimado oscilava entre US$ 10 milhões e US$ 20 milhões anuais, entre despesas com reparo, substituição de peças e dedetização. "Se hoje [o valor] não for maior, deve estar por aí", calcula.

Segundo ele, o problema começa muitas vezes na obra dos edifícios, em especial dos mais antigos. "O entulho da construção hoje é removido, mas antes era usado dentro da obra, virava lar de cupim."

Mas a tendência do momento na capital é o percevejo. Segundo as empresas do setor, cresceram as reclamações de paulistanos sobre eles.

"O percevejo está voltando. Quase 100% das reclamações são de quem viajou para o exterior", diz o biólogo João Justi Junior, do Instituto Biológico do Estado. "Como ele fica na cama, não pode aplicar inseticida. O pente-fino tem de ser muito bem-feito."

Justi também destaca o problema dos escorpiões, especialmente na zona leste e em Franco da Rocha, na região metropolitana. No ano passado, até o mês de novembro, 80 acidentes envolvendo o inseto foram notificados na cidade, segundo a Secretaria de Estado da Saúde. Uma das piores espécies, o escorpião-amarelo, é também a mais comum de ser encontrada.

Gabo Morales/Folhapress
Espécimes de morcego conservadas em formol em armário no Centro de Controle de Zoonoses, na zona norte de São Paulo
Espécimes de morcego conservadas em formol em armário no Centro de Controle de Zoonoses, na zona norte de São Paulo

CARINHO NO MORCEGO

O universo das pragas é repleto de histórias excêntricas. Uma conversa com quem lida com esses bichos geralmente descamba para casos de escorpiões que sobem escadas, ratos no topo de prédios e morcegos vampiros na região da Cantareira.

"Conheci um apartamento tomado por cupins", conta França, da Tecnomad, sobre o caso de uma mulher que havia ficado três anos longe de casa. "A mão afundava onde a gente encostava. Livros e discos de vinil desmanchavam no toque."

Na zona leste, a filha de 14 anos do restaurador China já acordou com um rato ao lado de sua cama.

No Centro de Controle de Zoonoses, quem chama a atenção é a bióloga Miriam Sodré, 52. Ela trabalha no setor de quirópteros da instituição, uma sala apelidada de 'batcaverna' no prédio da zona norte.

Cercada de bonecos do Batman, adesivos e bichos de pelúcias do mamífero alado, Miriam fica indignada se o associam apenas ao aspecto negativo. "Eu passo a mão na cabeça deles e eles até fecham o olhinho."

Colaborou GUSTAVO FIORATTI

 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página