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Madame entre árvores, árvore entre madames
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CHICO FELITTI
DE SÃO PAULO
Sou gringa. Mas não há quem diga. Até porque estou há algumas gerações em solo brasileiro. Fui trazida para a casa de uma família portuguesa em mil novecentos e pouco. Bem pouco.
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Para se ter ideia de como os tempos eram outros, em 1938 ainda havia uma privada de uso coletivo onde hoje é a rua Oscar Freire, mostram fotos de Benedito Duarte na Biblioteca Mário de Andrade.
Minha família não era rica --bem diferente de quem se senta hoje ao meu redor. Já dei sombra para Bill Clinton, Lula, FHC, Dilma e até Mahmoud Ahmadinejad, o presidente do Irã. Não discrimino quem quiser experimentar picanha sob mim, contanto que tenha R$ 200 para pagar pela refeição, em média, é claro.
"É como fazer um piquenique em São Paulo", disse a modelo Naomi Campbell de mim. E ela tem conhecimento de causa: o "maître" conta ao menos 12 visitas da inglesa à minha sombra nos últimos cinco anos. Eu já desisti de contar.
Minha beleza também já garantiu incursões em novela. Só a Globo já me mostrou em três folhetins: "Belíssima", "Passione" e a refilmagem de "Tititi".
Vou bem de saúde, como a artista plástica e vizinha de idade Tomie Ohtake, que chega aos 99 neste ano. Melhor que a maioria dos patrimônios ambientais que foram tombados comigo em 1989, dizem.
Mas nem sempre foi assim. Na década de 1990, quando o entorno era um estacionamento, passei por algum sufoco. Cobriram minhas raízes com uma manta de asfalto. Mas foi construir o restaurante ao meu redor, em 2001, e me incluir no nome que virei uma madame entre árvores (e uma árvore entre madames).
Meus tratamentos de beleza, que começaram em 2000, incluem um creme diário de citronela, para evitar insetos. Tenho até um assistente pessoal, comandado pelo gerente Gerson Meneses, que me vistoria a cada 24 horas para ver se estou bem e espalhar a loção.
ÁRVORES DE SÃO PAULO |
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Veja o perfil de algumas das mais antigas |
Madame entre árvores, árvore entre madames |
Disfarce de uma sobrevivente |
A última jade atlântica |
A mais alta da micareta |
No ritmo da preguiça |
O triste fim da primeira árvore |
Um pé livre |
Mesmo quando a cozinha fecha e fico sozinha, sigo protegida. Tenho um aparelho chamado Sismotron, que produz um terremoto miniatura. Humanos não sentem, mas animais que rastejam pensam que é o fim do mundo, como num filme de Hollywood, e fogem dali.
Por falar em Hollywood, admito: estou de dieta. Como uma tonelada de húmus de minhoca por ano. Muito? Não para alguém com uma copa de 55 metros de diâmetro. E em fase de crescimento. Tudo bem que esse estirão de um século me fez precisar de ajuda. Construíram um deque sobre minhas raízes, para evitar que a vibração do trânsito me balance.
Também não faço jus a um dos significados do meu nome. Enquanto há quem defenda que me chamo figueira-de-bengala por causa da região indiana onde sou vista há milênios, outros dizem que o epíteto é por causa dos ramos que saem dos meus galhos e vão até o chão.
E que eu não produzo, por razão desconhecida. "Tivemos de colocar escoras artificiais, para a árvore se apoiar", diz o biólogo Gabriel Alvez, que cuida de mim.
Até porque minha árvore genealógica termina em mim. Não deixarei sementes porque vim muda para São Paulo e, por isso, meus frutos não têm caroço. Mas terá sido uma boa vida, pode apostar.
Figueira-de-bengala (Ficus benghalensis) - Restaurante A Figueira Rubaiyat. R. Haddock Lobo, 1.738, Cerqueira César, zona oeste de São Paulo
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