Com painel de Portinari, prédio de Niemeyer está em ruínas no centro de SP

Um painel de 120 m² de Candido Portinari e um jardim suspenso desenhado por Di Cavalcanti convivem com balcões repletos de coxinhas, dois sex shops e uma loja de DVDs piratas no centro de São Paulo.

Distantes da iluminação própria dos museus, e mais ainda das mãos habilidosas dos restauradores, as relíquias modernistas resistem capengas na galeria Califórnia, prédio pouco conhecido de Oscar Niemeyer na rua Barão de Itapetininga, uma das mais movimentadas da República.

Passados 60 anos da inauguração, sacos de cimento e carrinhos de mão escondem as pastilhas descascadas da obra de Portinari.

No jardim, que a administração do imóvel afirma ser assinado por Cavalcanti, tinta recobre a pedraria colorida original —o projeto feito pelo artista teria sido encontrado por um condômino no lixo do prédio há dois anos.

No subsolo da galeria, durante a década de 1980, a sala de cinema que já exibira filmes como "Crepúsculo dos Deuses", clássico "noir" de Billy Wilder, partiu para a pornografia para não falir. Anos depois, virou bingo. Fechou de vez nos anos 1990.

'JOVEM'

Com 43 anos à frente do hall com cinco elevadores, o zelador Antônio Paglioli, 74, lembra bem de Niemeyer. Enxutíssimo —são mais de 30 anos de pernadas "por esporte" pelos 13 andares do edifício—, ele recorda que estiveram juntos numa visita do arquiteto ao prédio nos anos 1960.

"Como era ele pessoalmente?", perguntou a reportagem. "Jovem", respondeu, sério, Paglioni, mais interessado em contar que viu de seu apartamento o incêndio do edifício Joelma, em 1974.

Nessa época, ainda funcionava ali a loja Wop Bop Discos, babel dos colecionadores de raridades no centrão antigo. Poucas salas à frente, na barbearia, era comum ver o compositor Adoniran Barbosa dando um trato no bigode. Hoje o salão é um boteco.

PAINEL

O enorme painel nos corredores que já foram conhecidos como galeria das Pedras —"Eram 22 lojas de pedrarias, hoje há uma", diz o síndico Jaime Winiawer, 68— precisariam de, aproximadamente, R$ 300 mil para ser restaurado.

Quem afirma é a arquiteta e restauradora Isabel Ruas, que descobriu três croquis com os desenhos originais do artista para a obra. O traços de Portinari, aliás, não é o mesmo que se vê na galeria."O original é mais bonito. Acho que houve simplificação para tornar o projeto exequível", conta Isabel.

A arquiteta acredita que o espaço voltaria aos tempos de esplendor "se as lojinhas se unificassem". "Os comerciantes colaram por cima placas desiguais e isso tira a unidade", diz.

No antigo cinema, há pouco reformado pela Uniesp, será inaugurado um teatro para "eventos e apresentações da faculdade de música", afirma Fernando Costa, presidente da faculdade. Segundo ele, há a intenção de restaurar o Portinari.

"O teatro veio com recursos próprios, mas para o painel precisamos captar o dinheiro." Para isso será preciso autorização do Conpresp, órgão de preservação municipal, já que prédio e painel são tombados.

Publicidade
Publicidade