Na Rubem Berta, de fuscão

No começo do dia 24 de agosto de 1977 eu e a Marta saímos do Itaim Bibi em direção ao Hospital Gastroclínica, no nosso fuscão marrom. Nenhum dos dois tinha problemas gástricos. Já havíamos feito aquele trajeto algumas vezes em horas variadas para sentir o trânsito. A madrugada estava tranquila. Boa para vir ao mundo. Nosso bebê queria nascer.

Passamos na frente do II Exército, no Ibirapuera. Naquela época o governador, imposto pelos militares, era o Paulo Egídio. O prefeito, por sua vez, indicado pelo Paulo Egídio, era o Olavo Setubal, dono do banco Itaú. E la nave va.

Por que dar à luz no Gastroclínica? Porque era o único hospital em São Paulo que permitia a presença do pai assistindo ao parto. E ainda não sabíamos o sexo da criança que estava ameaçando olhar o mundo do lado de fora.

A coisa aqui estava preta, já dizia o Chico. Poucos dias depois dessa madrugada, um encontro de escritores estava rolando na PUC. Como era clandestino, as tropas da repressão invadiram a faculdade comandadas pelo coronel Erasmo Dias ferindo dezenas de estudantes e prendendo mais de mil jovens. Dois dias antes, esses mesmos policiais já haviam invadido o campus da USP para impedir o III Encontro Nacional dos Estudantes.

No trajeto ouvimos Milton e Chico cantando "O Que Será?" e Elis impressionava com "Como Nossos Pais", do Belchior. Eu levava a "Veja" e a Folha para ler na maternidade. Na capa da "Veja" as bandeiras do Uruguai, Equador, Peru, Argentina, Bolívia, Chile e Paraguai. Manchete: America Latina —os militares em busca de uma saída.

Fui procurar agora esta edição de 24 de agosto. Fiquei feliz em ver no expediente tantos e queridos amigos: Geraldo Mayrink, José Márcio Penido, Fernando Morais, Jovem Gui, Humberto Werneck, Escoteguy, Luis Nassif, Regina Echeverria, Ricardo Setti, Zuenir Ventura e Ezequiel Neves, entre outros. Enfim, uma revista!

O Zé Marcio que, dias antes, havia descoberto um novo bairro em São Paulo e se mudado: Vila Madalena. "O único problema é que não tem nenhum bar..."

Os cronistas da Folha eram Samuel Wainer, Plínio Marcos, Paulo Francis e Lourenço Diaféria. O título do Samuel: "Getúlio, o Homem e o Mito". A cara dele!

A cidade de São Paulo tinha 7 milhões e meio de habitantes. De lá pra cá cresceu 57%: hoje são 11 milhões e 821 mil. Mas a frota de automóveis (atenção!) subiu 391%. De 1 para 5 milhões. Deu no que deu!!!

O parto seria pelo método Leboyer ("nascer sorrindo"), a maior novidade. Sala meio escurinha, musiquinha, o bebê não levaria porrada na bunda, nada de ponta-cabeça, e nem seria levado correndo para outra sala. Ficaria ali, nos braços da mãe e do pai. O Elvis Presley tocava baixinho: havia morrido há 8 dias, com 42 anos.

José Wilker arrasava (termo da época) nos dois filmes de maior sucesso do momento: "Dona Flor e Seus Dois Maridos" (Com Soninha Braga e Mauro Mendonça) e "Xica da Silva" (com Zezé Mota e Walmor Chagas). E a novela imperdível —dava 75% de ibope— era Espelho Mágico, do Lauro César Muniz.

Pois às cinco e meia da manhã nasceu o Antonio de Góes e Vasconcellos Prata, que está escrevendo ali na página ao lado. Entre seus melhores amigos estão os filhos do Geraldo Mayrink e do Humberto Werneck. Nosso menino estudou na USP e na PUC, é corintiano e conhece o Lauro César Muniz. Nunca levou porrada na bunda. Mesmo indo pra rua, já maiorzinho, em junho de 2013.

Eu não resisto: em homenagem ao Antonio, aqui vai o time do Corinthians que foi campeão paulista de 77, depois de 23 anos, um mês depois do seu nascimento. Tobias; Zé Maria, Moisés, Ademir e Wladimir; Russo, Luciano, Basílio e Vaguinho; Geraldão e Romeu.

Ah, a manchete da primeira página da Folha:

"DE NOVO, MANIFESTAÇÕES, CHOQUES, PRISÕES".

Amarcord!

*Mario Prata,* pai, 67, escritor, nasceu em Uberaba, Minas Gerais

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