Mercado canino se expande; SP tem dois pet shops para cada livraria

A cada cinco dias, a diarista Claudiane Alencar, 45, vai alisar os cabelos num salão do Tremembé, bairro da zona norte onde mora. Além do aparelho de chapinha próprio, leva outra "chapinhazinha" para escorrer os pelos de Fifi, 7, sua minipoodle.

"A cabeleireira aprendeu a fazer com ela e agora também dá um trato em três cachorros aqui da rua", diz Claudiane. Ela paga R$ 20 por seu procedimento e R$ 15 pelo de Fifi, que pertence a uma família classe C na definição do IBGE (com renda mensal de R$ 2.900 a R$ 7.249,99).

Os gastos com Fifi não param por aí: ração e veterinário semestral consomem, em média, R$ 120 por mês.

Do outro lado da cidade, em Higienópolis, um apartamento de quatro quartos serve de morada para uma família de dez membros. A empresária Simara Sukarno mora com as duas filhas e mais sete convivas.

São eles: as yorkshires Belinha, 11, e Pixie, 3, as maltês Tai Lang, 5, e Hope, 5, os cockers Filha, 10, e Theodoro, 1, e o sem raça definida Bobo, 5. O banheiro exclusivo dos bichos, com estoque de perfume, fica entre paredes com originais de Di Cavalcanti e de Portinari. Na festa de debutante de uma de suas filhas, Simara pediu que o bufê preparasse minicarré (lombo bovino ou suíno cortado em quadradinho) para as cachorras cearem com convidados.

Quando vão aos EUA, a matilha voa na classe executiva. "Para as minhas pequenas, água mineral." Simara diz não ser possível precificar o quanto gasta com sua paixão.

Uma pesquisa feita pela consultoria All in Brand para lojistas apontou que famílias da classe C, como a de Claudiane, gastam R$ 112 com um cão por mês, em média. Já as como a de Simara, com renda maior que R$ 14.500, ficam nos R$ 417.

O mercado para pets cresceu 16 vezes mais que o PIB na última medição. A expansão do gasto com bichos foi de 16,4% em 2012, cifra computada pela associação Abinpet, comparada a um aumento de 0,9% na economia do país no mesmo ano.

Ainda que os números sejam poucos, é fácil ver nas ruas da cidade a importância que os melhores amigos ganharam na vida do paulistano. Há dois pet shops na cidade para cada livraria (são 2.000 contra mil). E o mercado não parece pôr a língua de fora de cansaço.

A sãopaulo apurou que um grupo de investidores está em busca de terreno em Pinheiros ou nos Jardins para fazer na cidade o primeiro clube canino do país. A empreitada, na casa dos R$5 milhões, será um terreno que reproduzirá o modelo de espaço de lazer para sócios vitalícios, com piscina e quadras, mas cães estarão na foto da carteirinha de associado.

Será uma espécie sofisticada de creche, modelo de negócio que vai de vento em popa na cidade.

Pegue-se como exemplo o caso da profissional de marketing Ana Paula Company, 41, e Manolito Company, 4, o labrador que ela chama de "filho". E custa tanto quanto um. "Brinco que não tenho filho porque tenho Manolito. Tem a creche, que sai por R$ 1.000, mais R$ 150 de ração, R$ 50 do banho por semana, veterinário e hotelzinho, quando vou viajar."

É coisa de mais de R$ 1.500 por mês. Ainda que não seja o intuito, Ana recupera pouco do dinheiro que investe com uns bicos que "primogênito" faz. Ele é garoto-proganda de uma marca de cerveja sem álcool para cachorros, a Dog Beer, e já fez outras campanhas publicitárias.

FILA DA CRECHE

"Estamos trabalhando com fila", diz Paula Shiota, dona da creche onde Manolito "estuda". A espera para fazer parte do plantel de 60 alunos tem tido uma média de dois meses.

Entre os atrativos do lugar estão fisioterapia, piscina e gelo com frutas nos dias mais quentes. Além das festas: há uma celebração semanal dos "alunos" que fazem anos.

A mãe de Ana Paula fez o bolo para um casamento realizado lá, com mel no lugar de açúcar, mais aveia. "Gente come também, ainda que não seja o mais saboroso", diz ela.

Em dia de festa, as portas estão abertas para humanos. E, para os clientes que não conseguem ir, há uma câmera mostrando tudo em tempo real pela internet.

Editoria de Arte/Fonte: Pesquisa All in Brands

Outras creches passam por bonança igual. Ou maior. "Deu um 'boom' por causa da lei das empregadas [que obriga o pagamento de hora extra]. As pessoas pararam de deixar o cão com a empregada, que passou a trabalhar menos, e agora a trazem para a creche", diz Raquel Hama, dona da Dog Resort, em Santo Amaro.

Enquanto a casa de Hama, que oferece soneca em sala com cromoterapia e aroma de capim-limão nos cômodos, tem espera de três meses, a Casona de Cachorro, na Pompeia, já bate os seis meses. "Só teremos vaga para cachorro grande em novembro", diz o gerente, Fred Diaz.

Surgiu em dezembro até uma opção virtual para o paulistano atribulado achar quem fique com seu bicho. O Pet Hub, um site em que usuários oferecem suas casas (e seu tempo) para tomar conta dos cães de outros. A diária custa entre R$ 25 e até R$ 100, e o dinheiro só é pago depois do cão retornar à casa do dono. "É um modelo parecido com o site Airbnb, em que se pode alugar quartos em qualquer cidade", diz o fundador Sergio Hernandes.

A comida, responsável por mais de 60% dos gastos do brasileiro com cães, está se sofisticando.

É possível comprar marmitas de cordeiro com grão de bico congeladas, e pedir que um motoboy as entregue em casa.

"Percebemos que os donos queriam algo a mais do que comida num saco", diz Juliana Noda Bechara Belo, 43, que juntou seus conhecimentos de veterinária com os da irmã, Veri Noda, que trabalhou na cozinha de restaurantes chiques como o Dui Cocci para abrir a La Pet Cuisine.

A empresa tem 120 clientes mensais; parte deles tem alguma restrição alimentar e outros só querem perder peso mesmo.

Já no reino da futilidade, as novidades imitam caprichos das donas. Um novo tratamento usa laser para tornar as madeixas mais sedosas. "O laser sela a cutícula do pelo, que pode estar descamando ou com pontas duplas", diz Bianca Mesquita, do Pet das Meninas, nos Jardins. Ali, Kyridinha fazia a sessão de R$ 80.

Já sua irmã Rita, outra chinese crested, mas de pelo curto, assistia a tudo de dentro da bolsa Hermès da mamãe, dividindo espaço com a carteira e o celular.

Há ainda opções de beleza mais analógicas, como a "patacure" —manicure para as patas animais, que custam de R$ 40 a R$ 100. O esmalte usado é para humanos. "Muitas donas querem combinar o dela com o do bichinho", diz Susana Garmanda, do VIPet Shop, na Vila Olímpia.

VALE UM DIAMANTE

Diamantes são o limite. Ou eram. A empresa americana I Love Dogs, especializada em coleiras-joias que custam até R$ 7,3 milhões, afirma ter despachado três delas para São Paulo no último ano. "Eram todas do modelo La Jeune Tulipe, que custa US$ 150 mil [cerca de R$ 345 mil]", diz Carl Admoe, funcionário da marca.

Padroeira dos cachorros na cidade, Luísa Mell, 35, não abana o rabo para o aumento dos gastos. "Acho que é mais para os donos do que para os bichos. Mas, contanto que não faça mal a eles, tudo bem", diz.

A própria apresentadora dispensa cuidados especiais para os labradores que resgatou de maus-tratos e hoje fazem sessões de acupuntura para a dor nas costas.

"Eles são meus filhos, literalmente. Não é jeito de falar." No Carnaval, todos foram de helicóptero à praia.

Mas o importante é o bem-estar, diz Mell, que promove feiras de adoção. Bem-estar tanto do dono quanto do cão: ela teve de arrumar novos lares para os beagles que resgatara do instituto Royal, no ano passado, porque o marido não se acostumou à ideia. "Ele acordava no meio da noite com medo que a polícia viesse. Eles estão felizes."

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