'Falta cultura teatral em SP', diz dramaturgo ganhador do Prêmio Shell

Entre uma passada de mão, vez ou outra, pela barba, o dramaturgo Alexandre Dal Farra fala de forma articulada no CCSP (Centro Cultural São Paulo), onde o seu grupo, Tablado de Arruar, está em cartaz com a peça "Abnegação".

Parte de uma nova geração de autores paulistanos cujos trabalhos têm chamado a atenção da crítica —ele venceu, em 2012, o Prêmio Shell pelo texto de "Mateus, 10"—, Dal Farra acredita que São Paulo ainda carece de uma cultura teatral.

sãopaulo - "Abnegação" é baseada em recentes fatos políticos, como o Mensalão do PT e o Mensalão Tucano?
Alexandre Dal Farra - Há pensamentos meus a respeito do PT, mas não me prendi a isso. Transformei essas sensações em linguagem, porque me importa a maneira como as relações se dão entre as figuras do partido fictício da peça —que mostram a nossa maneira brasileira de lidar com as coisas.

O espetáculo lotou nos primeiros fins de semana, mas a cena teatral ainda reclama da falta de público.
Eu mesmo reclamo disso e acho a falta de público um problema real. [Lotar]foi uma surpresa, mas tem a ver com a projeção de "Mateus, 10", com a peça estar no CCSP, que tem uma circulação maior de pessoas, e com o fato de o tema despertar curiosidade. Porém não renego o que sempre digo sobre a falta de uma cultura teatral.

Como "falta de cultura teatral"?
Acho que não há um costume de ir ao teatro instaurado de forma ampla na sociedade —trata-se de um circuito fechado, fechadíssimo. Estou falando em termos bem simples, quer dizer, costume de ir ao teatro mesmo, como uma opção cultural significativa na cidade.

De que forma se daria a formação de uma cultura teatral em São Paulo?
Para mim essa falta de cultura teatral não é algo natural. Você não pode dizer que é uma espécie de característica do brasileiro. Isso se cria com políticas de Estado. Precisa haver aula de teatro nos ensinos básico e fundamental, as pessoas têm que ler dramaturgia na escola. Porque ver a coisa de dentro é o que gera a vontade de se ver no palco.

A captação de recursos para a sua montagem ocorreu por meio da Lei de Fomento ao Teatro. Você concorda com o atual formato da lei?
O Fomento é o que permite fazer uma pesquisa continuada. O formato da lei é ótimo, acho apenas que é preciso aumentar o orçamento. Mas claro que devem existir mais alternativas municipais de captação de recursos para outros tipos de teatro. O teatro comercial paulistano, por exemplo, vive de Lei Rouanet, que é dinheiro federal. Além do mais, o Fomento fica atrelado apenas ao grupo teatral, o que é um erro.

A figura do dramaturgo perdeu espaço, mas hoje voltou a ganhar força. Por que houve essa mudança?
São 12 anos de Lei do Fomento, que gerou um boom teatral na cidade. Talvez tenha algo relacionado a isso, mas também parece haver uma ligação com o declínio do processo colaborativo, que gerou grandes experiências cênicas, mas não dramaturgias interessantes. Espero que esses dramaturgos consigam transitar entre os nichos teatrais da cidade, porque, se não, constrói-se um feudozinho para se ganhar dinheiro.

Rodrigo Dionisio/Folhapress
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