No lugar de começar do zero, reformas tiram partido das plantas originais dos imóveis

Como quase todos os novos proprietários de velhos imóveis, o casal Karin Alvo e Tiago Cortez sabia da reforma que vinha pela frente. E sabia também que tinha de fazer uma opção: recuperar o que já existia ou começar do zero.

A solução escolhida foi intermediária. Um projeto que combinasse elementos arquitetônicos contemporâneos e características originais da casa recém-comprada, aquelas que os seduziram à primeira vista.

"Havia duas coisas marcantes na construção. Uma larga escada caracol em concreto e uma cobertura bem inclinada na parte da frente do imóvel", conta Pedro de Melo Saraiva, autor do projeto com Fernando Mendonça, seu sócio no PPMS Arquitetos Associados. "Eu nem achei tão bonito assim, mas senti que eles queriam manter principalmente a inclinação do teto."

E assim ficou. Na área de estar foi mantido o pé-direito duplo, e sobre a de jantar estendeu-se o antigo mezanino que acompanha a inclinação do teto, permitindo a criação de um terceiro quarto e uma biblioteca para o casal de advogados e os três filhos.

Em um ano de reforma, paredes foram derrubadas e substituídas por grandes janelas, como as que envolveram e revitalizaram o jardim de inverno que já existia no local.

"Combinamos concreto, estruturas metálicas —essenciais para as novas intervenções— e amplos caixilhos de madeira. Nossa intenção era abrir para o exterior uma casa antes muito confinada", afirma Saraiva.

Para Tiago Cortez, que se diz um "arquiteto frustrado" por ter desistido da graduação, a obra foi uma oportunidade de exercer um pouco do seu sonho. Uma de suas sugestões foi aproveitar uma peça pela qual tem muito carinho e que hoje não passa despercebida por quem chega à casa no Jardim Paulistano, zona oeste.

"É uma porta feita em 1987 pelo artista plástico Tuneu para uma casa que a minha mãe construiu em Ilhabela. Ela nos deu de presente. Criei uma dificuldade para os arquitetos porque a porta não cabia no vão da entrada, mas o resultado ficou muito bacana."

PROJETOS RENOMADOS

A ideia de melhorar a iluminação e enxergar a vegetação do entorno, recuperando elementos originais da planta, também norteou a reforma do apartamento da designer Fabiana Zanin, em Higienópolis, região central, e da residência do engenheiro químico e administrador de empresas Lúcio Gagliardi Diniz de Paiva, no Jardim das Bandeiras, zona oeste.

Os dois imóveis tiveram seu projeto original desfigurado pelos antigos proprietários. Gagliardi, porém, não fazia ideia de que a ampla e malcuidada casa havia sido construída pelo arquiteto alemão Adolf Franz Heep (1902-1978), autor do edifício Itália, no centro, e da igreja São Domingos, em Perdizes, zona oeste.

Para a arquiteta Ethel Pinheiro, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ, a desfiguração de imóveis como esses têm explicação. "Você olha um piso de taco em péssimo estado e pensa: 'Vou gastar tempo com ele'. Então, é mais fácil e barato tirar tudo e botar um material de rápido acesso no mercado. Revitalizar dá mais trabalho."

Segundo ela, trazer de volta elementos originais custa tempo e dinheiro até porque há técnicas de outras décadas que exigem profissionais qualificados. "E essa mão de obra não existe em abundância."

Irmão de Gagliardi, o arquiteto Hilmar Diniz Paiva Filho diz que nem mesmo ele sabia se tratar de uma obra de Heep. "Passamos a desconfiar disso quando identificamos algumas soluções arquitetônicas de muito boa qualidade. Após uma pesquisa mais apurada, constatamos que o projeto é de sua autoria", afirma ele, que conduziu a reforma com Marisa do Valle e Rafael Cavalheiro, do escritório DP+G.

Lá estavam as curvas, a ventilação cruzada, as venezianas, as floreiras e os terraços, marcas do arquiteto da Bauhaus. "Decidi restaurar o imóvel, acrescentando poucas variáveis que melhorariam sua funcionalidade e proporcionariam economia e adequação ambiental", diz Gagliardi. "A ideia foi dar um ar mais moderno e com o máximo de conforto possível."

Fabiana Zanin, por sua vez, sabia exatamente que o apartamento que estava prestes a revitalizar era do modernista João Batista Vilanova Artigas (1915-1985) —de cuja autoria é também o prédio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. "Não pensava mais em fazer reformas, mas não resisti quando apareceu um apartamento para vender nesse prédio", confessa.

O edifício Louveira, construído entre 1946 e 1949 e tombado em 1992, tornou-se um marco da arquitetura moderna paulistana e é especialmente conhecido pelo jardim que interage visualmente com a praça Vilaboim, que fica à sua frente.

Comandada pelo arquiteto Flávio Miranda e pelo designer Marcelo Rosenbaum, a obra no apartamento durou sete meses. "A gente retirou tudo o que havia sido alterado. Não foi um projeto de restauro, mas trouxemos elementos da época da construção, como o latão, a cerâmica branca, o cimento queimado e o concreto, bastante comum nessa arquitetura", afirma Miranda.

A designer incorporou réplicas da porta e da janela originais a uma moderna cozinha com ar industrial e integrada à sala. As outras esquadrias de ferro foram retiradas do local e restauradas por um serralheiro que trabalha há décadas para o condomínio.

"Quem vive aqui sabe onde veio morar. E tem essa preocupação de restaurar. Ninguém está aqui por acidente", diz a síndica Ilana Tzirulnik.

MAIS LUZ, POR FAVOR

O artista plástico argentino Tec Fase não precisou recorrer a cópias quando decidiu que queria manter as louças do banheiro e a banheira de ferro verde no seu apartamento térreo, em Higienópolis, para onde se mudou com a mulher, Laura, a filha, Antonia, e os cachorros Tulipa e Rogelio.

"A ideia era usar aquelas peças 'retrô' como uma memória da casa e misturá-las a elementos novos", explica a arquiteta Gabriella Ornaghi, ela mesma fã de imóveis antigos. "Construímos uma base de concreto contínua para a banheira e a pia, um elemento moderno e neutro que deu valor ao que foi preservado."

Para ressaltar o contraste entre o velho e o novo e revitalizar o cômodo, o artista montou numa das paredes um colorido painel com azulejos usados. "Cortei as peças, uma por uma. As verdinhas são as do antigo banheiro."

Os tacos de madeira e o piso vermelho de caquinhos da varanda também foram mantidos. A planta de dois quartos, que já era bem dividida, perdeu as paredes que separavam a cozinha da sala —o que trouxe claridade e mais conforto aos ambientes.

Os cômodos escurecidos também eram um problema do sobrado que despertou, pela localização, o interesse do importador de vinhos Marcos Ferreira de Paula. Seu imóvel fica numa rua arborizada da Vila Beatriz, zona oeste, perto da casa de seus pais.

"A primeira coisa que sugeri", diz o arquiteto Pedro de Melo Saraiva, "foi tirar as telhas da garagem e deixar plana em vez de inclinada a estrutura de madeira que sustentava o teto, transformando-a num pergolado. Essa alteração já deu vida à casa".

A ampliação da sala —que avançou sobre o antigo corredor externo do imóvel—, e a colocação de portas-balcão e de tijolos de vidro na parede da escada trouxeram mais claridade.

O piso de granilite usado na escada agradava a Marcos de Paula. "Então só o restaurei", conta. Já o chão do lavabo foi repaginado com pastilhas de vidro —que combinaram com as antigas louças brancas.

Ilustrações Deborah Faleiros/Revista saopaulo

COM SOLÁRIO

Apesar de geminado, o sobradinho de Fabiana Blanco Manzano e João Jensen, numa vila do Brooklin, zona sul, é bem servido de luz natural. O que se deve principalmente à decisão de abrir sala e cozinha na parte inferior e à construção de uma varanda e um solário nos fundos da parte superior.

"Mantivemos algumas janelas, como a do quarto do nosso filho, e portas originais, além do piso de tacos. E procuramos material de demolição, porque gostamos desse aspecto mais rústico", conta a engenheira química. Para ganhar mais um cômodo, Hilmar Diniz projetou um mezanino, onde fica o quarto do casal.

TUDO NO CHÃO

Há casos, porém, em que a planta original acaba escondendo o que o imóvel e seu entorno têm de melhor.

É o caso do amplo apartamento de 400 m2 no 17º andar de um prédio no Alto de Pinheiros, zona oeste, cuja reforma foi coordenada por Cristiane Muniz, sócia do Una Arquitetos. "Mas o tamanho parecia muito menor porque a planta era inteira subdividida."

A disposição interna atrapalhava a vista longínqua de 360º, do alto do prédio, justamente o que mais encantou os novos donos. Na contramão da restauração, o objetivo foi modernizar tudo. Como a caixa de circulação do prédio (onde ficam os elevadores) se concentrava no centro do imóvel, foi possível derrubar todas as paredes para liberar o entorno dela.

"Tiramos proveito dessa característica estrutural para colocar uma estante contínua de concreto em volta dessa caixa. Um único móvel que organiza todo o apartamento, adquirindo uma função diferente a cada ambiente", afirma a arquiteta, que aproveitou a estante até na cozinha.

Para destacar ainda mais a tão cobiçada vista, as velhas floreiras da fachada ganharam novas plantas.

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