Orelhões de SP fazem menos de duas ligações por dia; veja histórias por trás dos mais utilizados

Uma vez por semana, Alba Lima, 67, sai de sua casa no Glicério, na região central, pega o metrô e vai até a estação Tietê para falar com a sobrinha em um dos 38 orelhões instalados na rodoviária. Prefere os telefones dali porque são mais "conservados" e ela se sente mais segura. Alba não tem nem celular nem telefone fixo.

Fala com a sobrinha, que mora no Rio, por meia hora, a fim de "matar a saudade". Depois, volta para casa. Ela desconfia que alguns orelhões gastam mais unidades do que outros, por isso escolhe a dedo o seu preferido, na ala direita do terminal. "Quem me vê por aqui acha que eu viajo toda semana, mas não", diz, soltando uma risada.

De acordo com a Vivo, concessionária que administra os telefones públicos de São Paulo, a rodoviária do Tietê é o local onde os orelhões são mais utilizados, com cerca de 8 a 10 chamadas por dia em cada aparelho. Em média, os demais registram menos de duas ligações diárias. Tanto o uso quanto o número de orelhões vêm diminuindo consideravelmente nos últimos anos.

Em 2009, a cidade contava com 69 mil aparelhos, segundo dados da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). Hoje, são 48 mil, uma redução de 30% em cinco anos. Enquanto isso, o uso de celulares no país cresceu 107% de 2005 a 2011, de acordo com dados do IBGE.

Apesar dos números em queda, a Anatel evita falar no fim dos orelhões. A agência alerta que "em determinadas regiões só existe essa possibilidade de comunicação entre as pessoas".

Camuflados na paisagem, os orelhões costumam ser lembrados apenas em situações de emergência, quando o celular não está disponível. É o caso de Everaldo Veloso Rodrigues, 36, que chegou à rodoviária do Tietê às 6h de uma sexta, vindo do interior do Rio Grande do Sul, e ficou à espera de um amigo até as 15h30. Como o celular estava bloqueado, tentou entrar em contato pelo orelhão.

"Telefone ninguém atende mais, mas tenho certeza que ele está on-line no Facebook", disse Everaldo. O estudante Daniel Coelho, 22, também recorreu ao aparelho público porque precisava conversar com os familiares em Belo Horizonte. Até encontrar um que funcionasse, passou por três cabines diferentes do terminal.

Antes de embarcar para Colatina, no Espírito Santo, e enfrentar uma viagem de 17 horas, Sebastião da Silva Neto, 56, ligou para a irmã avisando do horário de saída. Tinha o celular no bolso da frente da camisa, mas optou por não pegá-lo. "Só uso para receber chamadas da minha mulher, é muito botão, eu fico incomodado", diz.

O estado de conservação dos orelhões no Tietê é melhor do que os que se encontram nas ruas da cidade. No entanto, pelo menos oito aparelhos estavam inoperantes durante a visita da reportagem, o que torna comum a cena de pessoas trocando de cabine antes de conseguir falar.

Um cartão de 40 unidades, de acordo com a tabela oficial, custa R$ 5, mas o preço cobrado no Tietê é de R$ 7.

MÃES POR UM FIO

A rua Piratininga, no Brás, é outro ponto da cidade onde os orelhões ainda não se tornaram obsoletos.

Há cinco telefones públicos que ficam próximos a uma das unidades de internação provisória da Fundação Casa (antiga Febem) e ao Fórum da Infância e da Juventude, onde são realizadas audiências para definir o destino de menores infratores.

É ali que, durante a semana, forma-se uma fila de mães apreensivas com o futuro dos filhos.

Elas se aglomeram nos arredores dos prédios públicos a partir das 11h, sendo que o atendimento no fórum é iniciado às 12h30. Muitas falam com familiares pelo celular. Outras optam pelo telefone público.

Uma delas, que preferiu não ser identificada, pede ao marido documentos que ficaram faltando e avisa sobre o horário de entrada.

Enquanto a fila não anda, uma mulher que gesticula muito com as mãos comenta o caso do filho com a outra, tentando confortá-la.

Na visão do taxista Cícero da Silva Lima, 57, que está há 17 anos no ponto ao lado do fórum, trata-se de um drama recorrente. "É comum ver mães ligando do orelhão, muitas delas chorando, para falar sobre a condenação do filho", diz.

Ele conta que já atendeu chamadas no telefone público de familiares em busca de informações. Cícero se lembra de um dia em que duas mulheres saíram do prédio, ficaram ajoelhadas no chão e começaram a rezar, pedindo para que o filho fosse solto.

EM FRENTE AO HOSPITAL

No bairro vizinho, na Mooca, um solitário orelhão da rua da Figueira, em frente a uma das unidades do hospital Sancta Maggiore, também contabiliza um número de chamadas acima da média, segundo dados da Vivo.

Além de familiares e amigos de pacientes que recorrem ao telefone em caso de imprevisto, um dos mais atuantes da área é José Cícero de Almeida, 56, o flanelinha que adotou o aparelho como seu principal meio de comunicação para falar com a mulher.

É fácil encontrá-lo por lá. José Cícero, conhecido como o "são-paulino" pelos funcionários do hospital, fica encarapitado numa poltrona em cima de uma Kombi abandonada. Para ampliar a visão, segundo ele. Dali, o vigia monitora os carros que chegam e indica vagas livres.

Veste boné do Bob Marley, óculos escuros e mantém sempre um apito pendurado no pescoço, postando-se como um guarda de trânsito. Mostra uma carteirinha do Ministério do Trabalho para confirmar que é credenciado à função que exerce há 18 anos.

Depois de perder mais de três celulares, decidiu não comprar outro. Conversa com a mulher, que mora em Santo André, três vezes por dia. "Ligo para saber o que ela está fazendo, falo do meu trabalho", diz. "Mas hoje estava embaçado o volume, não ouvi nada." José Cícero recorda que alguns anos atrás havia três aparelhos no local. Hoje, resta apenas um.

A situação de São Paulo reflete o que ocorre no país. A Anatel informa que há uma redução do uso do orelhão no Brasil de cerca de 40% ao ano. Está em andamento na agência uma revisão do processo que regula os telefones públicos. Em cidades como Rio de Janeiro e Florianópolis, por exemplo, já existem testes com outras funções para o orelhão, como o wi-fi.

CAIU A FICHA?

Os orelhões mais utilizados da cidade fazem de 8 a 10 chamadas por dia

Saiba onde estão os três campeões:

Terminal Rodoviário do Tietê, na zona norte

R. Piratininga, no Brás (zona leste), perto da Fundação Casa (antiga Febem)

R. da Figueira, na Mooca (zona leste), em frente ao hospital Sancta Maggiore

Hoje, 8 em cada 10 orelhões do Estado registram menos de 2 chamadas por dia

48 mil orelhões em São Paulo hoje. Há cinco anos, eram 69 mil

Fontes: Vivo e Anatel

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