Bilhete Único chega aos 10 anos com novidades, mas sem atender Grande SP

Responsável por baratear o uso dos ônibus e do metrô e facilitar a vida de quem usa transporte público, o Bilhete Único chega aos dez anos sem fazer jus ao nome "único".

Na Grande São Paulo, cada município tem seu próprio sistema de transporte, o que resulta em ao menos 20 cartões similares ao aniversariante. Diariamente, mais de um milhão de trabalhadores e estudantes da região metropolitana usam transporte coletivo para chegar à capital.

Bruna Mavie, 18, circula em três cidades diariamente: mora em Cotia, estuda em São Paulo e trabalha em Barueri. Ela possui três cartões: o BOM (para ônibus intermunicipal, trem e metrô), o Benfácil (válido em Barueri) e o Bilhete Único. Por dia, gasta R$ 7 graças à carteira estudantil. "O preço é alto e fica bastante confuso usar tantos cartões."

Para Jilmar Tatto, secretário de Transportes da gestão Fernando Haddad (PT), não há impedimento técnico para a criação de um bilhete metropolitano. "Trata-se de uma decisão política."

O governo do Estado, que gerencia trens, metrô e os ônibus intermunicipais, centraliza esforços na ampliação do uso do cartão BOM, que dá descontos calculados caso a caso. "Depende de cada prefeitura fazer acordo. Não sei se cidades menores teriam condições de dar subsídios. Algumas nem usam cartão eletrônico", diz Jurandir Fernandes, secretário de Transportes Metropolitanos.

Depois de anos sem grandes novidades, em 2014 o Bilhete Único da capital ganhou outras funções e aposta tecnologia para estrear sua segunda década. Novos validadores, com instalação prevista para este semestre, serão capazes de tirar fotos do usuário e recarregar o bilhete na catraca. Por enquanto, o cartão já permite a retirada de bicicletas nas estações do Bike Sampa e a recarga via celular.

Promessa de campanha de Haddad, o bilhete com uso ilimitado, lançado no fim do ano passado, ainda não emplacou. Hoje, só uma em cada cem
viagens realizadas por dia nos ônibus municipais são pagas com bilhete mensal, semanal ou diário. No metrô, esse índice é de 0,5%. Em Londres, 42% das viagens são pagas desse modo.

Vários motivos explicam a baixa adesão. Na ponta do lápis, a modalidade traz vantagem apenas para quem faz mais de 46 viagens por mês.

"Em sociedades que estão em processo de motorização, muitos usam o carro em alguns dias e ônibus nos outros. Nesse caso, uma tarifa mensal não é vantajosa", analisa José Viegas, secretário-geral do ITF (Fórum Internacional de Transportes, que reúne 54 países).

Também falta informação. "Quando fui renovar meu cartão, ninguém falou sobre isso", lembra Larissa Oliveira, 16, estudante que gasta R$ 120 por mês com ônibus. Ela poderia gastar R$ 70 com o bilhete mensal, mas não entendeu o confuso quadro de tarifas —há nove preços diferentes para o bilhete semanal.

O secretário Jilmar Tatto admite o ritmo lento, mas ressalta que o uso vem crescendo. "A população ainda está vendo qual o melhor custo-benefício e as empresas não aderiram de forma adequada [como vale-transporte para funcionários]", analisa. Até o fim do ano, a promessa é lançar o Bilhete Fim de Semana, válido para sábado e domingo.

A cobrança mensal existe há décadas na Europa. Nos anos 1970, Paris criou a Carte Orange, que permitia usar o transporte de forma ilimitada por 30 dias. No início dos anos 1990, a prefeitura de São Paulo, sob comando de Luiza Erundina (então no PT), debateu a ideia de um bilhete nos moldes da Carte Orange.

O tema foi defendido na eleição de 1992 por Eduardo Suplicy (PT). Porém, Paulo Maluf (PPB) foi eleito prefeito e, em 1995, vetou o projeto aprovado pela Câmara Municipal que instituía o Bilhete Único. Sem tecnologia na época, uma das ideias era que cobradores anotassem à mão os horários em um cartão.

Em 2001, Marta Suplicy (PT) tomou posse como prefeita e prometeu criar o Bilhete Único em seu mandato. Em maio de 2004, o Bilhete Único foi lançado, após testes com idosos e estudantes. "Fizemos uma luta imensa. Empresários e perueiros eram contra", lembra o deputado federal Carlos Zarattini (PT), que criou o projeto em 1995, quando era vereador e hoje é deputado federal.

Antes do Bilhete Único, a regra era clara: cada viagem de ônibus custava uma tarifa. Um morador de Santana, na zona norte, que quisesse ir até Socorro, na zona sul, precisaria pagar duas vezes, pois não havia linha direta entre os bairros. Com o bilhete, a viagem pode ser feita com uma tarifa só e o passageiro escolhe entre vários caminhos diferentes.

TROCA-TROCA

Em sua gestão, Maluf investiu em terminais: neles, trocava-se de ônibus sem pagar. Era o início do modelo de linhas-tronco: em vez de cada vila ter uma linha para o centro, micro-ônibus passaram a levar pessoas até um terminal; de lá saem ramais com veículos maiores. Até hoje é assim.

Com a chegada do bilhete, o troca-troca saiu dos terminais e passou para as ruas, o que aumentou as possibilidades de trajeto. Ficou mais fácil circular entre bairros próximos: era comum pagar duas tarifas em um trecho curto, mas fora de mão.

Porém, a ideia de trocar de ônibus no meio do caminho ainda gera queixas. O corte e seccionamento de itinerários foram intensificados na gestão Haddad. O MPL (Movimento Passe Livre) passou a militar contra a prática. Em alguns casos, deu certo.

Os moradores da Vila Gomes, que deixaram de ser atendidos pela linha 577T, conseguiram a criação de um novo ramal para levá-los até a avenida Paulista. "Muitos idosos usavam a linha para ir aos hospitais e tinham dificuldade para ficar descendo e subindo dos coletivos", conta Heudes Oliveira, 16, membro do MPL.

A retirada das linhas visa diminuir o trânsito no centro e otimizar o uso dos corredores, mas o ganho de tempo vai para o ralo se o ônibus que faz o trecho final da viagem demora. "Não há como todos os bairros terem linhas diretas, da mesma forma que o metrô nunca atenderá a todos os bairros", defende Francisco Christovam, presidente do SPUrbanuss, que reúne as viações da capital.

Ao redor do mundo, há diversas possibilidades para aprimorar o modelo. Em Copenhague, está em estudo um sistema capaz de reconhecer o cartão do usuário na entrada e na saída do coletivo, o que permite a cobrança pela exata distância percorrida. A taxa por distância percorrida é adotada por diversas cidades europeias.

Outro modelo é a divisão por zonas: há um valor menor para viagens dentro da mesma região do que para ir de uma zona a outra. Embora mais racional, esse tipo de mudança é polêmica. "Aqueles que moram longe teriam tarifas muito altas. Com uma tarifa só, quem faz percursos curtos subsidia quem anda mais", defende Jaime Lerner, ex-prefeito de Curitiba.

O transporte intermunicipal de São Paulo já é cobrado assim: as tarifas vão de R$ 3,25 a R$ 5,65, dependendo da quilometragem.

Celso Russomanno (PRB) propôs o pagamento por trecho nas eleições de 2012 e, logo depois, caiu nas pesquisas. No pleito deste ano, a questão alcança a esfera estadual, com o debate sobre a integração do bilhete de São Paulo com as cidades do entorno. O candidato Alexandre Padilha (PT) defende a ideia. A assessoria de Paulo Skaf (PMDB) disse que estuda uma proposta sobre o tema. O bilhete não é citado nas propostas de Geraldo Alckmin (PSDB).

SUBSÍDIOS

As empresas de ônibus recebem por passageiro transportado. Mesmo quando o validador mostra que a tarifa foi zero, a viação ganha, pois a prefeitura completa o valor. Esse subsídio custou R$ 1,3 bilhão aos cofres municipais em 2013. Para cortar custos, a gestão Haddad pretende combater fraudes e reduzir postos de atendimento ampliando a compra de créditos via internet.

Uma mudança, mais complexa, é deixar de aceitar dinheiro nos coletivos. "Tiraremos do sistema até o fim do ano que vem", diz o secretário Tatto.

A medida resgata o debate sobre a permanência dos cobradores. O sindicato patronal SPUrbanuss estima em R$ 1 bilhão por ano o custo para manter os 15 mil que atuam na função. "Menos de 8% [dos passageiros] pagam em dinheiro. Então não teria necessidade do cobrador, mas ele também tem a função de orientar", diz o secretário Jilmar Tatto. Uma lei municipal determina que os ônibus circulem com dois profissionais a bordo.

Outra opção é buscar novas fontes de financiamento, como taxas para motoristas e donos de imóveis próximos à rede de transporte. "Mesmo quem não usa o transporte se beneficia dele. Quem tem carro encontra pistas mais livres, já que cada pessoa no ônibus é um carro a menos na rua. Os donos de imóveis se aproveitam da valorização da chegada do metrô", compara Rômulo Orrico, professor da Coppe-UFRJ (programa de pós-graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Conquistar novos passageiros também pode ajudar a equilibrar as contas, mas para isso é preciso que o sistema seja mais atraente, com ônibus mais pontuais e confortáveis. "Para quem tem carro, a migração para o transporte público não é questão de preço, mas de qualidade", afirma José Viegas, do ITF.

Publicidade
Publicidade