'Acho São Paulo a cidade mais reacionária do país', diz filho de Laerte

Às vezes contador de histórias, às vezes artista plástico. Outrora dono de loja, agora dono de selo. Majoritariamente desenhista, Rafael Coutinho se alimenta (e é fruto) das contradições de uma megalópole.

"A cidade está sempre te comendo e te cuspindo", diz o paulistano, filho da cartunista Laerte.

São Paulo sempre dá as caras em seus projetos, como na série "O Beijo Adolescente" (publicada pelo seu próprio selo, Cachalote), na história "3014" e na graphic novel "Cachalote" (Cia. das Letras), estas duas últimas em parceria com o escritor Daniel Galera.

Recentemente, o desenhista assinou a curadoria da Ocupação Laerte, que vai até o dia 2/11 no Itaú Cultural, onde ele conversou com a sãopaulo. Leia trechos a seguir.

sãopaulo – São Paulo te inspira?
Rafael Coutinho - Adoro a cidade. E a odeio. Acho ela agressiva, nojenta, cruel. Sou fruto desse contrassenso que é uma megalópole.

Que contrassenso?
Querer sair e ficar ao mesmo tempo. Conviver com a violência e a miséria e procurar mecanismos para que isso não te destrua.

O que você ama?
Amo esse jeito pretensioso e carinhoso que o paulista tem de associar vida e trabalho, uma ambição muito desmedida.

O que odeia?
Odeio o conservadorismo paulistano. Odeio entrar num comércio qualquer e ouvir alguém me dizer que na época da ditadura era melhor. Esse é o clássico do monstro que aqui habita. Odeio o racismo paulistano, velado.

A cidade é muito preconceituosa?
Acho São Paulo a cidade mais reacionária do país. É impressionante a forma desumana como a gente trata a periferia e ignora o fato de que a desigualdade é colossal. Talvez até por isso a resposta contrária seja tão forte.

Que resposta é essa?
A própria Parada Gay, a luta pelos direitos humanos... O movimento hip hop deixou de ser um gueto e se expandiu. Acho importante que nós, paulistanos, desenvolvamos uma vergonha de sermos tão conservadores, tão puristas.

Isso está mudando?
Depois de muitos anos São Paulo caiu na mão de um prefeito decente, mais humano. Estamos vivendo um ciclo muito feliz. O Haddad está tentando sair com ideias que as pessoas achavam inúteis.

Como está a cena atual da HQ?
É um momento histórico da produção nacional, muito livre e original. Dos coletivos que admiro, tem o Beleléu, o Samba, a Picabu, a Vibe Tronxa... Tem feiras incríveis de publicação independente. A feira Plana, a Tijuana, a Ugra. É uma tentativa bem paulista de quebrar um formato massacrante de comercialização e edição. É uma relação bonita, meio comunitária, para achar saídas e não ficar na mão do mercado.

Ezyê Moleda/Folhapress
Rafael Coutinho, 36, desenhista e artista plástico
Rafael Coutinho, 36, desenhista e artista plástico
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