Talvez a pintura mais famosa de um artista brasileiro e um dos mais relevantes registros históricos do país, "Independência ou Morte", obra de 1888 de Pedro Américo, está vedada ao público até ao menos 2022 graças a uma reforma em sua casa, o Museu Paulista da USP –mais conhecido como Museu do Ipiranga.
O artista Bruno Moreschi, 32, não viu ali um problema, mas uma empreitada: criar uma réplica, discutir conceitos como autoria e releitura e contornar a ausência de um clássico.
"É interessante esse 'desaparecimento' temporário. Pensar que só restariam versões em fotos e apostilas escolares me fez refletir", diz.
Para ajudar, ele recrutou quatro artistas em feiras de artesanato e antiguidades, como as da praça da República e do parque Trianon.
Uma réplica a óleo e em menor escala do original, além de outras telas nele inspiradas, integram a mostra "Em Obras", em cartaz até o dia 29 na galeria Blau Projects, em Pinheiros (rua Fradique Coutinho, 1.464, zona oeste, tel. 3467-8819; terça a sábado, das 11h às 19h; www.blauprojects.com ).
As cópias estão ao alcance do público, ao contrário do original. Solicitada a Pedro Américo por dom Pedro 2º, a composição é heroica e espelha o instante em que, segundo a narrativa oficial, o Brasil se separou de Portugal.
Seus 4,15 m por 7,6 m retratam as margens do riacho Ipiranga. Sob um sol oblíquo e ladeado por nobres e soldados, um altivo dom Pedro 1º ergue a espada e brada: "Independência ou morte!".
Esses e outros detalhes estão reproduzidos no clone, tim-tim por tim-tim. Ou quase.
Em sua carreira, o paranaense Moreschi, há dez anos em São Paulo, vem estudando a reinterpretação. Como quando chamou diferentes fotógrafos de arte para registrarem uma mesma pedra.
Por isso, no projeto de "O Grito do Ipiranga", diferenças e inexatidões não preocupavam, mas interessavam. Em um "Frankestein autoral", os pintores assinam a mostra com Moreschi e dividem ganhos em vendas.
Durante o processo, porém, não foi fácil convencer os colegas —em sua maioria autodidatas sem educação formal— a lidar com a inverossimilhança.
"Para eles, pintura boa é a que parece igual. Diziam: 'Pô, vão dizer por aí que eu pinto mal!'. 'Mas o que é pintar bem?', eu respondia".
REFORMA
O prédio do Museu do Ipiranga abriu em 1890. Integrado nos anos 1960 à administração da USP, o museu está fechado desde agosto de 2013. Deve reabrir em oito anos, no aniversário de 200 anos da Independência, com ampliação do espaço.
A primeira etapa, de diagnósticos, foi concluída. Está em andamento a segunda, de sustentação e consolidação dos forros.
A terceira e última inclui a transferência de obras, a partir de 2015, para seis imóveis alugados no entorno do museu. Um deles pode abrir para visitação durante o processo.
O acervo guarda mais de 120 mil peças, entre mobiliário, armas, vestuário, indumentárias, moedas, selos e pinturas da metade do século 19 até a metade do século 20.
Ainda não foram concluídas as licitações que determinam o custo do projeto, mas Sheila Walbe Ornstein, 59, diretora do museu desde 2012, tem boas notícias: segundo ela, contrariando boatos alarmistas, a tela famosa não precisará de reparos.
A pintura receberá uma proteção metálica e permanecerá no salão nobre durante a reforma.
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CURIOSIDADES
Polêmicas da tela
É possível que Pedro Américo tenha se inspirado na obra "1807, Friedland" (1875), de Ernest Meissonier, que retrata a vitória de Napoleão Bonaparte em uma batalha na Rússia
Historiadores apontam indícios de que o quadro seria ficcional. Por exemplo: Dom Pedro 1º teria viajado em mulas ou jumentos, não a cavalo, e a posição do riacho está errada
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O quadro "1807, Friedland" (1875), do pintor Ernest Meissonier, que teria inspirado Pedro Américo |
Eles também fecharam
O Museu Mariano Procópio, em Juiz de Fora (MG), está fechado desde 2008 para obras avaliadas em R$ 5 mi nos dois conjuntos arquitetônicos, um dos anos 1850, e outro, de 1922
O Museu Casa de Portinari, em Brodowski (SP), que abriga obras do artista, ficou fechado de 2012 até maio de 2014 para restauro de pinturas e da estrutura
A Capela Sistina, construída no Vaticano no século 15, ficou fechada entre 1980 e 1994 para o restauro dos célebres afrescos de Michelangelo (1475-1564) no teto
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"A Criação de Adão", afresco de Michelangelo que ocupa o teto da Capela Sistina, no Vaticano |