'A minha música funciona como um remédio', diz a rapper Karol Conká

"A gente tem de estar sempre reclamando da vida?", questiona a rapper Karol Conká, 28. "Isso me incomoda um pouco, me irrita." Sorridente, a curitibana não gosta dessa coisa de reclamar o tempo todo. "Tem de ver o lado bom da vida."

O nome de Karoline dos Santos Oliveira é mencionado como um dos destaques da nova geração do rap nacional. Com seu jeito bem-humorado, apenas neste ano, já levou sua a música à Europa, ao Japão e, no mês que vem, embarca para a Austrália.

Em entrevista à sãopaulo, ela fala sobre o estilo musical dela, as dificuldades na carreira, discriminação e a expansão das mulheres em um gênero tido como machista.

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sãopaulo - Qual o primeiro sinal que teve de que seria rapper?
Karol Conká - Apresentei uma música na escola e acabaram me falando que parecia um rap. E falei: "Vou fazer isso". Eu tinha escrito nessa intenção, pois tinha ouvido um carro passando tocando rap e achei legal. Eram Racionais. Queria cantar daquele jeito. Não lembro [a música], só de curtir a batida, o jeito que cantavam. Eu tinha uns 15, 16 anos. Foi na minha quebrada. Aí minha mãe falou que esse tipo de música não era legal, que era muito pesado e não combinava comigo [risos].

Como reagiu?
Ah, eu falei: "Realmente, você está falando a verdade". Mas algum pedaço dentro de mim representava aquilo. Sempre tive uma coisa, uma garra presa aqui dentro, que só consegui soltar quando comecei a fazer rap.

A partir daí, como se desenvolveu a sua carreira?
Percebi que não adiantava ficar só escrevendo em casa e cantando para os amigos. Vi que tinha de me focar, procurar a maneira certa de distribuir o meu trabalho. Comecei a prestar atenção às pessoas que estavam ao meu redor, quem poderia me ajudar ou me dar apoio. Foi quando encontrei uma produtora. Quando lancei a música na internet, vi que tinha gente de São Paulo, de fora da minha cidade. Vi que poderia ser uma carreira. Fiquei pensando: "Vou ou não vou?". A minha mãe falando um monte de coisa negativa em relação à carreira. Aí falei: "Vou tentar".

Quais coisas negativas?
Que isso não dá dinheiro, que eu morreria de fome e que para se dar bem na música independente eu precisaria ser playboy. [risos]. Ela achou que seria impossível eu me tornar um destaque entre tantos outros artistas que tiveram melhores condições das que eu tive, sabe?

Você chegou a fazer outra coisa, estudou até que ano?
Até o terceiro ano do ensino médio. A escola sempre foi uma tortura. Tenho poucas lembranças da escola, não foi uma experiência boa. Eu não era uma boa aluna [risos]. Parei e fui tentar a vida de artista. E me libertei daquele medo: "Ah, o que vai ser sem faculdade?".

O que queria expressar quando começou?
Eu queria falar que eu era maior do que a minha aparência. Foram muitos anos de discriminação... Na escola eu tinha de lutar para dizer que era uma pessoa legal, que não era só uma negra. Tudo era motivo para me chamar de favelada ou me inferiorizar. Isso acabou criando uma resistência em mim e fiquei com isso na minha cabeça: passar a mensagem para as pessoas de se libertar. Fui criando uma personalidade libertária, de despertar nas pessoas a vontade de elas serem o que são. Sigo nesse caminho até hoje.

Suas músicas da época de escola já eram nesse sentido?
Um amigo meu falava que era rap de autoajuda. Sempre a mensagem no final era de "tu-do vai dar cer-to". Quando apareci no rap, teve o caso de um MC que, ao me conhecer, comentou" "O que te faz tão feliz? Você não tenho dinheiro, tem filho, é mãe solteira. Por que é desse jeito? Você está fingindo?". Falei: "Não estou fingindo, é que eu realmente tiro as coisas boas da vida". A gente tem de estar sempre reclamando da vida, sabe? Isso me incomoda um pouco, me irrita. Não gosto dessa coisa de reclamar. A gente tem de ver o lado bom mesmo.

Como descreve seu estilo?
É um estilo livre, tão livre que nem sei falar o que é [risos]. Não vou falar que é um rap colorido, por que posso escrever músicas cinzas. Gosto de falar que o meu estilo é um remédio, na real. Elas vêm falar isso para mim. Sempre tem alguém me falando uma história de superação e eu fico emocionada, com o rímel todo borrado. Uma menina muito legal me disse que queria se matar. Ouviu o álbum inteiro, olhou-se no espelho e ficou feliz. Ela me conheceu e me deu um presente. Então, a minha música realmente funciona como um remédio. Acho que o objetivo é esse e estou no caminho certo.

O pessoal da outra geração vê com bons olhos o seu estilo?
Olha, eu tenho contato com alguns artistas da velha escola e sou parabenizada, eles gostam, admiram e já cheguei a ouvir que não teriam outra pessoa para fazer isso se não fosse eu [risos]. De uma certa forma, o meu protesto está ali, mas não sigo os padrões. Mostro mais a solução do que o problema. Soube de gente que não gostou, que falou "está estragando o rap", mas aí fui ver o trabalho dessa pessoa e vi que ela não fez muita coisa.

Por que há tantas mulheres no rap atualmente?
A internet ajudou bastante. Com isso, a gente pode ver outros MCs de outros lugares e acaba se inspirando. Várias meninas que vão ao meu show, se apresentam. Acho lindo. Tem a ver com a força que a mulher está conquistando aos poucos. Ela não está conquistada ainda, mas aos poucos está chegando.

O rap era machista e ainda é?
Era machista a ponto de as mulheres terem de se vestir de homem para poder chegar, senão era tirada de vagabunda. Hoje, não é mais assim. Apesar de algumas meninas discordarem, ainda tem o machismo, ele está maquiado. O que a gente pode fazer? Música, videoclipe, trabalhar sem cansar e sem dar muito moral para isso.

Dá para ganhar dinheiro com rap?
Hoje, consigo me manter. Vivo disso há quatro anos. Tenho uma equipe sólida, está bacana e eu com os meus pés bem no chão. Tenho estrutura. O universo me abençoou.

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