Flora Matos quer 'arrancar um sorriso bem largo da cara fechada do rap'

O primeiro show que a brasiliense Flora Matos assistiu na vida foi do grupo de rap Racionais MC's. Naquele momento, aos 13 anos, ela descobriu o que se tornaria. "Vi o Mano Brown cantando naquele palco e pensei: 'Quero ser isso aí'".

No fim do mês passado, Flora participou na capital paulista do SP RAP, na Praça das Artes. Desta vez, ela não estava em meio ao público que aguardava para ver Mano Brown. Ela estava entre os artistas escalados para se apresentar no festival.

Em entrevista à sãopaulo, Flora, que mora na Bela Vista, região central paulistana, desde 2007, falou sobre sua trajetória, a presença das mulheres no rap e os planos para 2015.

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sãopaulo - Em que momento descobriu que queria se tornar rapper?
Flora Matos - Acho que na barriga da minha mãe, mas aos 16 anos realizei meu primeiro show de rap em Brasília, em um lugar chamado Calaff (no setor bancário sul). Fechei um cachê com o DJ e organizador da festa Criolina, o DJ Barata. Nesse dia, eu tinha convidado o rapper Papo Reto e seu amigo Legionário, lá do Rio de Janeiro, para participarem do show.

O que buscava expressar quando decidiu seguir a carreira na música? Qual era a mensagem que pretendia passar?
Sempre fui muito eclética e versátil no que diz respeito à arte, especialmente música. Acho que eu tinha até a ambição de criar um novo estilo, no qual todos os ritmos pudessem se encontrar, sem virar uma salada total. Foi quando me dei conta de que esse estilo já existia: rap, e dentro desse universo tudo era possível.

Alguma situação, crítica ou adversidade a fez cogitar desistir da carreira?
Nunca. Pelo contrário. Todas as vezes que tentaram frear meus passos, tive mais sede de caminhar. Parece que quanto mais dificultam, mais sede tenho de superar o problema. A estratégia de me atrasar não funciona muito bem.

Como a sua família e os seus amigos reagiram quando contou que se tornaria rapper?
Não precisei contar. Eles estavam vendo e acompanhando Eu passava madrugadas e madrugadas gravando áudios de falas e pedaços de músicas do rádio e tentava fazer uma espécie de scratch. Ia dormir de manhã, quando minha mãe acordava pra ir pro trabalho. (risos). Entre meus 13 e 14 anos, eu estudava em uma escola de curso supletivo, pois já tinha perdido dois anos. Essa escola era lado a lado com a escola de música de Brasília. A única coisa que dividia uma escola da outra era um muro (o que eu pulava). Pulei esse muro quase todos os dias durante mais ou menos um ano. Eu saía da aula de matemática e ia meditar na escola de música, observar os alunos tocando nos corredores, e até tentar penetrar em umas aulas. No final deste mesmo ano, minha mãe foi me buscar na escola, e quando sentei ao lado dela, eu disse: "Mãe, preciso ser sincera, estou matando muita aula. O que acha de guardar esse dinheiro pra investir em uma viagem minha pro Rio de Janeiro?". No Rio acontecia a Liga dos Mcs e a Batalha do Real. Depois de assistir os vídeos das batalhas no YouTube, fiquei apaixonada pela possibilidade de conhecer aquele universo de perto, e até de batalhar. Minha mãe demorou a viagem inteira da escola até nossa casa para responder. "Tem certeza que é isso que você quer da sua vida?". Respondi que eu nunca ia deixar a música pra fazer outra coisa da minha vida. Então, ela disse: "Tudo bem".

Como descreve o seu estilo?
Próprio. (risos)

O rap era machista, ainda é ou nunca foi? Já foi discriminada entre os rappers por ser mulher? O que ocorreu?
É sim. Falando em produção, por exemplo, sempre que eu tentava colocar o dedo na mpc ou no teclado eu escutava: "Vai escrever rima, Flora!" Como quem dizia: "Esse negócio de produzir batida não é pra menina!" Há grandes chances de um beat chegar com mais peso e autenticidade se tiver a mão de uma garota. Pretendo abrir meu selo, mas acha que os caras acreditam no meu potencial? A verdade é que quanto mais eles desconfiam do nosso poder de realização, mais a gente se sente na responsa de realizar.

As mulheres são tão respeitadas quantos os homens no rap? Há diferenças entre as músicas delas e as músicas deles?
A mulher ainda tem um caminho longo a percorrer por igualdade dentro do segmento rap e em qualquer outro universo. Mas rap é rap. Partindo daí, cabe a nós, mulheres, dialogar e trocar ideia sobre nossa própria verdade e/ou visão de mundo Seja você homem, mulher, gay, trans, ou o que você quiser. Hoje, há uma luta contra a divisão de gêneros dentro do movimento e ela precisa seguir progredindo. Recomendo os leitores a ouvirem o som do Rico Dalasam, um rapper, gay, novo na cena, mas que já chegou com o pé na porta.

Qual a cara do rap?
Acredito que estamos mudando essa realidade, mas a cara do rap brasileiro ainda é meio fechada. Temos a ambição de arrancar um sorriso bem largo dessa cara quando lançarmos o álbum novo. (risos) A cara do rap paulistano é mais fechada ainda, mas a turma da nova geração vem aos poucos mudando essa realidade com muito sucesso.

Quais os seus planos para o futuro?
Lançar meu álbum novo em 2015, realizar uma turnê bem linda pelo Brasil, abrir meu próprio selo, montar meu próprio escritório, produzir beats/instrumentais e compor canções não só pra mim, mas também pra outros artistas. Ser feliz, explorando também alguns outros talentos que venho identificando na minha terapia pessoal ao longo dos anos.

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