'Rap precisa continuar livre, sem pressão do mercado', diz Lurdez da Luz

"O rap feminino brasileiro está trazendo outros elementos, está contribuindo muito para a evolução do gênero." A opinião sobre o momento das mulheres em um campo tido como machista é da MC Lurdez da Luz, 34, que lançou, em agosto deste ano, "Gana Pelo Bang".

Paulistana, criada na região central, ela ressalta a importância da cidade na sua escolha musical. "Se eu não tivesse crescido aqui, eu nem teria ligação com o rap", conta Lurdez, cujo nome de batismo é Luana Gomes Dias. "Sou até colorida demais para São Paulo, mas é minha essência isso aqui."

Em entrevista à sãopaulo, a MC falou sobre a carreira dela, a participação das mulheres no rap e a fase do gênero musical.

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sãopaulo Em que momento da sua vida descobriu que queria se tornar rapper?
Lurdez da Luz - Comecei escrevendo poesia e, como consumidora voraz de música negra, conheci um pessoal que fazia um hip-hop já mais miscigenado. Fui mostrando minhas poesias, que foram virando letras de música. Não teve um momento, foi um processo. E eu me considero uma MC, rapper é uma palavra legal, mas rimo em qualquer tipo de instrumental, não só em bases de rap.

Como se sentiu quando cantou pela primeira vez e que música era?
Ao vivo tá tudo meio misturado na minha cabeça a essa altura, mas o primeiro show de que me lembro foi na Federal de São Carlos pra 10 mil pessoas. Fiquei muito nervosa, mas eu tinha e tenho um senso de liberdade que me permite dar a cara à tapa. Mas sei que depois desse dia tive experiências sobrenaturais em muitos palcos, de nem lembrar direito o que aconteceu, mas sair deles encharcada de suor.

O que buscava expressar quando decidiu seguir a carreira na música? Qual era a mensagem que pretendia passar?
Se eu pensar e resumir em uma só mensagem, então, é one love, um só coração, somos todos 1, seria essa idéia... Mas, pra mim, expressão artística não tem uma definição assim em uma frase, uma mensagem. A necessidade é a mãe, e tocar as pessoas, assim como se satisfazer com o resultado, é um
objetivo.

Alguma situação, crítica ou adversidade a fez cogitar desistir da carreira?
Na real... Até hoje, é muita situação, é muita adversidade, muita crítica mesmo que não seja na sua cara. Eu gostaria que fosse mais fácil, mas pra mim é luta. É tipo: mais um dia que cheguei ao fim dignamente trampando com meu som.

Como a sua família e os seus amigos reagiram quando contou que se tornaria rapper?
Não contei. Todo mundo foi vendo, sou muito independente desde a adolescência. Mas a minha família mais próxima não tem preconceito nenhum com o rap. Gostam e admiram o movimento. Existe a preocupação do pobre com a sobrevivência, com o progresso. Tipo, meus pais não têm nada pra deixar pra eu herdar. Então, eles querem que você procure uma vida estável. É novidade pra classe baixa viver de arte.

Como descreve o seu estilo?
Intuitivo e autodidata. Sou mais letrista que qualquer outra fita, embora seja muito de performance também. A percussão sempre foi o fundamento da minha música.

O rap era machista, ainda é ou nunca foi? Já foi discriminada entre os rappers por ser mulher?
É, sim. A sociedade é, o mundo... Essa estatística que o Brasil tem o maior índice de violência contra a mulher do mundo me deixou mal. Existe esse machismo institucional sendo reproduzido no rap e não era pra ter, porque a gente se posiciona contra todas as injustiças sociais e pra isso passa um pano. Era pior claro, mas tudo evolui, né? Normal. Mas falta muito ainda. A mulher como um objeto ainda tá arraigado demais

As mulheres são tão respeitadas quantos os homens no rap? Há diferenças entre as músicas delas e as músicas deles? Quais?
Tem uma menor quantidade também de mulheres... Temos que dar um jeito de trabalhar mais e o respeito vem de quem tem que vir. Respeito de um otário quem faz questão? Distância, sim, porque geralmente são covardes. Acho que o rap feminino brasileiro tá trazendo outros elementos pras instrumentais, tá contribuindo muito pra evolução musical do gênero. Estamos trazendo um público novo, criando uma diversidade de público. Tematicamente é claro que são pontos de vistas diferentes sobre vários assuntos. A experiência com a rua mesmo, como a gente prova o sabor dela. Eu estou afim de
ir colocando na minha música uma desconstrução dos arquétipos femininos cantados pelos caras até aqui.

O rap já conquistou o espaço e o respeito que merece?
Acho que, sim. Há vários raps por assim dizer, vários movimentos e vertentes. Se não é tão grande quanto outros estilos do pop brasileiro, tem alguns motivos: o discurso, o fato de não ser canção. Rap é música essencialmente. Mas tem outra forma, nem todo mundo é obrigado a gostar. Acho que precisa continuar sendo livre sem a pressão do mercado ou até mesmo do próprio rap. O rap brasileiro musicalmente é bom, é bem bom e tá melhor a cada lançamento.

Qual a cara do rap brasileiro? E do rap paulistano?
Difícil resumir, tá diverso. Onde tem praia da pra perceber o cheiro de mar, de outro tipo de vida nas letras e produções. O rap de São Paulo já se fundiu muito bem com a música brasileira. Vejo muito samba, vejo muito do balanço negro brasileiro. De funk/soul, mas que foram feitos aqui. De uma MPB tradicional, da vanguarda paulistana até. Busquei no meu último disco jogar tudo que eu tava ouvindo, que tava sendo produzido com uma sonoridade de agora. Não só feito agora, mas que tem timbres e ideias atuais.

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