Centro de SP tem queda de 70% no número de apartamentos vazios

Ao mesmo tempo em que a área central mantém alguns de seus problemas —a cracolândia continua espalhada por diversas ruas—, a região se tornou também o centro para onde a cidade converge em plena madrugada nas viradas culturais e esportivas, revitalizou equipamentos culturais poderosos, como a Sala São Paulo, e vem ganhando endereços gastronômicos que rivalizam com casas descoladas de bairros como Pinheiros (foram pelo menos nove desde o final do ano passado).

É dessa segunda face, a de centro das atenções, que uma série de paulistanos está atrás quando resolve fixar residência na área.

Levantamento inédito da Prefeitura de São Paulo, obtido pela sãopaulo, mostra que a porcentagem de imóveis vazios no distrito da Sé (o centro velho) despencou: foi de 39,7% para 11,7% em uma década —queda de cerca de 70%.

Em 2000, aproximadamente quatro em cada dez apartamentos estavam vazios; dez anos depois, só um em dez está desocupado. Na vizinha República (o centro novo), a queda também foi expressiva, e a taxa de habitações sem moradores passou de 33,5% para 11,6%.

O mesmo fenômeno ocorreu nos distritos da região central em geral, como Santa Cecília (de 24,2% para 7,5%), Pari (de 27,9% para 9%) e Brás (de 33,6% para 13,5%).

Atualmente, a proporção de imóveis vagos na região está em patamar semelhante a de bairros tradicionalmente bem procurados, como Vila Mariana (de 16,4% para 9,1%) e Pinheiros (de 14,3% para 10%).

Na cidade como um todo, a chamada taxa de vacância também caiu, embora de forma menos intensa: passou de 14% para 7,5% —isso mesmo com a construção, no período, de 381 mil unidades habitacionais.

Os números são os mais recentes e foram obtidos pela análise dos dados dos dois últimos Censos do IBGE, de 2000 e 2010, e urbanistas e profissionais do mercado imobiliário explicam que a tendência de volta de moradores ao centro continua acentuada, com novos empreendimentos surgindo na região.

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Estudos internacionais indicam que taxas de moradias vagas em torno de 5% são adequadas para o bom funcionamento do mercado habitacional e que porcentagens muito altas acendem o alerta vermelho para especulação imobiliária ou degradação da área.

Para urbanistas, a capital paulista perdeu a oportunidade, no início dos anos 2000, com o centro desvalorizado, de ter mais habitações populares na área e atrair moradores.

"A região era onde havia mais imóveis desocupados, mas a mudança não aconteceu com moradia popular, mas porque o mercado imobiliário voltou a se interessar pela área", diz o historiador do urbanismo Renato Cymbalista, da FAU-USP.

VALORIZAÇÃO

O médico Bruno Levenhagen, 40, decidiu morar no centro em 2007. Na época, o que o atraiu foram os preços mais baixos em relação a outros bairros e o charme dos amplos apartamentos da região da República.

Ele disse que estava satisfeito no seu espaçoso lar de 140 metros quadrados, com tacos de peroba e banheiros de mármore na avenida São Luís, quando surgiu uma oferta de compra. "Logo no segundo ano, recebi uma proposta. Isso gerou um ciclo, era fácil vender. Cheguei a pagar R$ 1.000 o metro quadrado. Hoje está em até R$ 7.000 [aumento de 600%]." De lá para cá, ele comprou e vendeu sete imóveis.

No geral da capital paulista, entre 2000 e 2010, a alta média no valor dos imóveis foi de 175%.

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MOTIVAÇÃO

Como é comum em zonas de valorização, não há somente uma motivação para a volta ao centro. Com os preços mais altos em outros bairros, parte da população escolheu os valores menores da região central em vez das áreas mais periféricas.

Em 1980, o centro chegou ao seu auge populacional, e os distritos da Sé e da República somavam 94 mil habitantes. Mas, 20 anos depois, em 2000, a região tinha perdido 26 mil moradores (28% de sua população). Uma década depois, o Censo de 2010 já mostrava forte inversão nessa tendência, com 80 mil pessoas na região.

Além dos preços mais acessíveis, a questão da mobilidade urbana é apontada como uma das causas da queda na taxa de vacância.

"O fato de a cidade estar com trânsito cada vez pior faz com que o centro, relativamente, passe a ficar mais atrativo, porque ficou muito ruim morar longe do trabalho", diz Vanessa Nadalin, pesquisadora do Ipea que estudou a taxa de vacância durante o seu doutorado.

Quem procura o centro costuma dispensar o carro, já que a oferta de vagas nos prédios costuma ser menor do que o número de apartamentos —isso quando há estacionamento no condomínio—, e aproveitar a oferta de transporte público, além das ciclovias na região.

No edifício Viadutos, projetado por Artacho Jurado, a procura por apartamentos aumentou, mesmo as vagas de garagem sendo disputadas.

"Tinha muito mais apartamentos vazios antes, uns sete. Agora são só dois", diz o síndico do Viadutos, José Marques. Ele comprou um apartamento de dois quartos lá em 2004, por R$ 60 mil. Hoje, devido ao aumento de procura, o mesmo imóvel vale ao menos R$ 500 mil. "Mas eu não vendo o meu nem por R$ 700 mil."

Segundo Regina Meyer, professora da FAU-USP, há outra explicação para essa reversão. "Ao longo dos anos, a mudança do poder público para a área central trouxe quantidade expressiva de funcionários de órgãos administrativos para essa área. Isso não existia na década de 1990."

Entre os anos 1970 e 2000, quando a cidade viu a mudança da sede de muitas empresas do centro para a avenida Paulista, e depois para Faria Lima e Berrini, a tendência da região foi o esvaziamento e a degradação.

Uma das estratégias públicas para reverter esse quadro foi a reforma de edifícios antigos para a instalação de equipamentos culturais, a exemplo da Sala São Paulo, da Pinacoteca, do Museu Catavento e do Centro Cultural Banco do Brasil. Também contribuíram a instalação de campi universitários na região.

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Mas essa conta tem mais variáveis, e o fator econômico é uma das mais importantes, afirma o economista Paulo Sandroni, da FGV.

"A partir de 2000, houve melhora do nível de renda das pessoas, com mais empregos, valorização do salário mínimo e todas essas políticas sociais que ajudaram as pessoas a comprar ou a pagar aluguel. Antes, filhos viviam nas casas dos pais, por exemplo. Com a baixa da taxa de juros, mais pessoas conseguiram a solução da casa própria."

Um outro fator é comportamental, a tendência entre os mais jovens de viver em regiões em que se possa fazer tudo a pé —e hoje há uma valorização da cultura da bicicleta, por exemplo. E uma coisa puxa a outra.

Com o centro mais cheio de jovens adultos, bares e restaurantes descolados estão se instalando ali, especialmente entre as praças da República e Roosevelt.

EFEITO REVERSO

Além da reocupação, a volta do interesse pelo centro tem uma outra faceta: a dos imóveis que são comprados como investimento e ficam vazios por longos períodos.

Para Tomas Wissenbach, responsável pelo novo estudo da prefeitura, os dados indicam que houve uma retenção de imóveis por parte dos proprietários que perceberam que a demanda no centro estava crescendo. Isso explica também a alta nos preços das moradias.

Segundo Marcos Senna, gerente da imobiliária Imóveis Vintage, cujo foco é o centro, até 2005 havia muitos imóveis com o que ele chama de "proprietários finais", pessoas que compram uma segunda propriedade com a finalidade de investir, mas não têm intenção de vendê-la logo. Mas, a partir de 2007, investidores também começaram a comprar, esperando a valorização. Ele cita como exemplo um imóvel de 198 metros quadrados comprado por R$ 300 mil e vendido a R$ 1,5 milhão anos depois.

"O centro estava em decadência, chegou a se tornar o lugar mais barato da cidade", diz Roseli Hernandes, diretora comercial da administradora de imóveis Lello. O que causou um impacto também nos aluguéis.

Segundo ela, os valores giravam em torno de R$ 9 por metro quadrado entre 2000 e 2005. De 2005 a 2010, essa média já tinha saltado para R$ 12, e hoje está em cerca de R$ 20.

TEM ALGUÉM EM CASA?

O edifício Mood, no viaduto Major Quedinho, no centro, teve todos os seus 399 apartamentos vendidos em menos de um mês quando lançado, em 2010. Mas, nove meses depois de ter sido entregue para os proprietários, só cerca de 90 estão ocupados, segundo moradores e funcionários.

A sãopaulo fotografou a fachada do edifício às 21h, por uma semana. O número de janelas acesas nunca passou de 20, das 200 que ficam do lado fotografado do prédio.

"Não foi assim que concebemos o empreendimento [para ficar vazio enquanto valoriza], mas se vai bem para o cliente final, vai bem para o investidor", diz Piero Sevilla, diretor de incorporação em São Paulo da Cyrela.

O gerente de projetos Rodrigo Montini, 33, conseguiu montar um grupo de WhatsApp com quem já mora no prédio. "É uma turma boa, de cerca de dez pessoas." O intuito inicial da compra era colocar o apartamento para alugar, conta Montini, que mudou de ideia "depois de ver a estrutura e as áreas de lazer".

Alguns investidores apostam no aluguel para aumentar o retorno financeiro. Roberto, um médico que pede para ter seu sobrenome preservado, optou por comprar quatro apartamentos no local. Outros três entrevistados somam 12 imóveis no mesmo edifício, que esperam para vender com lucro. Um apartamento de 46 metros quadrados, por exemplo, custa por mês R$ 2.953 (R$ 2.400 de aluguel e R$ 553 de condomínio). A cobertura de 95 metros quadrados está à venda por R$ 997 mil, o equivalente a R$ 10.500 por metro quadrado —no lançamento, o preço era R$ 8.000.

Para João da Rocha Lima Júnior, diretor do Núcleo de Real Estate (mercado imobiliário) da Poli-USP, quanto menor for o apartamento, mais ele atrairá investidores, pois seu preço final é mais baixo, mesmo que o valor do metro quadrado seja maior do que o de outros imóveis.

Fenômeno parecido aconteceu com cidades inteiras em alguns lugares do mundo. Israel é um dos exemplos. O poder público calcula que, só em Tel Aviv, 4.700 apartamentos sejam de estrangeiros ricos que os utilizem menos de 15 dias por ano.

"Além de esvaziar a cidade e tirar dela os benefícios sociais e econômicos de uma vida pulsante, esse fenômeno faz com que seja mais difícil para os moradores fixos acharem uma casa", avalia o urbanista Yeni Sa'ar, da Universidade de Tel Aviv.

Para especialistas, uma das maneiras de evitar essa situação de esvaziamento é o IPTU progressivo, que começou a ser usado pela prefeitura neste ano, e duplica o imposto a cada ano ocioso, até o limite de cinco anos, quando o imóvel pode ser desapropriado pela administração.

Em janeiro deste ano, 81 imóveis foram notificados, 45 no centro. E a partir do ano que vem, se não forem ocupados, poderão começar a sofrer o aumento de IPTU.

MUITO A FAZER

Tanto moradores quanto investidores ainda têm motivos para esperar por melhoras no centro. Promessas de mudanças, como o projeto de revitalização Nova Luz, que custaria R$ 4 bilhões na região da cracolândia, nunca saíram do papel. Agora, a prefeitura aposta na requalificação do Vale do Anhangabaú para irradiar mais transformações na área.

A situação está mudando, mas, segundo especialistas, ainda faltam supermercados, lojas e escolas que tenham como alvo os novos moradores da região.

A sensação de insegurança ainda é um problema. E um dos motivos é justamente o fato de o comércio e os serviços serem focados em um público que vem da cidade toda, sejam eles trabalhadores ou apenas consumidores, mas em geral pessoas que voltam para seus bairros antes do anoitecer, quando então os estabelecimentos fecham as portas.

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