Folha Mulher

Não é preciso escolher entre família e trabalho, diz 1ª cônsul britânica em SP

O consulado do Reino Unido em São Paulo ganhou em fevereiro sua primeira cônsul mulher em 49 anos. Desde sua inauguração, em 1966, a principal representação britânica de negócios no Brasil foi liderada por homens.

No cargo há menos de dois meses, Joanna Crellin acumula as funções de coordenar investimentos e trocas comerciais em toda a América Latina —responsabilidade que seu antecessor não tinha. Soma-se a isso o papel de mãe de duas crianças —uma menina de três anos e um menino de 20 meses— que veio para a capital paulista após visitá-la apenas uma vez.

Com mestrado em Política Latino-Americana pela London School of Economics and Political Science, Joanna sempre quis morar em algum país da região, vontade que a fez se inscrever para o posto quando estava em licença-maternidade. Antes, foi assessora do Ministro Britânico para Negócios, Inovação e Treinamento.

Na entrevista abaixo a cônsul fala sobre se mudar com filhos à tiracolo, a predominância masculina na diplomacia e o sexismo no ambiente de negócios.

Divulgação
Cônsul do Reino Unido em São Paulo, Joanna Crellin
Cônsul do Reino Unido em São Paulo, Joanna Crellin

Folha - O que aconteceu para, depois de 49 anos, haver uma cônsul mulher em São Paulo?

Joanna Crellin - É terrível que em 2015 ainda estejamos falando sobre isso. Isso não deve acontecer, não deve importar se é homem ou mulher. Até 1975, mais ou menos, se você trabalhasse no governo britânico e se casasse, teria que pedir demissão. Achavam que você teria filhos e não poderia fazer seu trabalho, haveria outras prioridades, como ser mãe. Tenho tias que se demitiram porque casaram. Ridículo, né? Inacreditável! E é bastante recente.

Tenho dois filhos pequenos e é difícil mesmo. Você tem que ter um marido que realmente possa seguir você, trabalhando ou estando feliz de ficar com as crianças. Hoje cada um tem sua carreira e nem sempre as necessidades se encaixam. Por isso o pequeno número de mulheres nas posições diplomáticas mais importantes. Espero que possamos demonstrar que não é preciso escolher entre família e trabalho. Você pode fazer as duas coisas. Hoje, sexta-feira, saio às 14h para pegar minha filha e vou para casa. Isso é muito importante. Ontem trabalhei até tarde, minha filha está com saudades e agora eu pago a ela.

Como foi o processo de seleção para o posto?

É um processo muito justo. Você se candidata, como acontece com todos os cargos no governo britânico. Preenche um formulário e as competências são iguais para todos. Alguns ministérios até estão pedindo para você não colocar o nome para não existir essa diferenciação entre homem e mulher. Depois há uma entrevista em que as perguntas são baseadas nas habilidades. Vão testar a liderança, a capacidade de comunicação, de gerenciamento de projeto. E tem algumas perguntas que, por lei, eles não podem fazer. Por exemplo, se você tem filhos ou se está casado, porque não tem nenhuma relevância.

Por que fez a inscrição para a vaga?

Sempre estive interessada em vir para a América Latina, estudei sobre isso. Tinha esse sonho. Meu filho estava com cinco semanas e eu estava amamentando-o no jardim da minha casa quando recebi um telefonema de sobre essa oportunidade. Perguntaram se estava interessada e eu disse "claro!". Tinha visitado o Brasil só uma vez, durante três dias. Fiquei em São Paulo e Recife. Me apaixonei porque era tanta energia, entusiasmo, oportunidade, cores.

Sabia que era um cargo incrível. Todas as pesquisas que fizemos juntos era para a família, como ia ser para a família, para as crianças. Foram todas perguntas sobre estilo de vida, nada de trabalho. Quando fui escolhida eu estava em licença-maternidade. Disse: "vou terminar [a licença]". Meu antecessor saiu em agosto e ficou um vazio. Mas falei que não ia voltar antes de passar um ano inteiro com meu filho. Não recebi nenhuma pressão para cortar a licença-maternidade.

Você acha que ambiente de negócios no Brasil é muito sexista?

Uma coisa positiva é que já fiz várias reuniões com nossos parceiros estratégicos, as empresas britânicas que estão no Brasil, e metade das diretoras são mulheres, e ótimas.

Mas, sim, acho [que há sexismo], e não é só no Brasil. Fizemos uma recepção de negócios aqui e um homem falou: "tão bom ter uma cônsul geral tão jovem, tão bonita". Eu me perguntei "o que isso tem a ver?". Por que não dizer que temos um cônsul tão bonito? Existe esse preconceito ainda, essa ideia de que a mulher saindo às 17h30 para pegar as crianças não está se doando tanto para o trabalho como os homens. É interessante que agora surgem homens que também querem ser pais trabalhadores, participativos, mas as pessoas acham que é mais aceitável a mulher sair para pegar as crianças do que eles.

O que vocês estão fazendo no Reino Unido para trabalhar contra essa diferenciação?

No meu cargo anterior fizemos um trabalho bastante forte para aumentar o número de mulheres nos conselhos das empresas, que é baixíssimo. Há muito a fazer. As estatísticas de mulheres no Parlamento no Reino Unido ficam em 20% e aqui é muito menor. O que é muito interesse agora é que muitas mulheres são diplomatas no governo britânico e elas estão levando seus maridos.

Como aumentar o número de mulheres em conselhos de empresa?

Tem que pensar em como fazer. Ter cotas é difícil. Não gosto da discriminação positiva. Você tem que conseguir o trabalho porque é o melhor candidato, tem que tirar o preconceito. Primeiro é preciso deixar claro que é um problema para a empresa a falta de mulheres, porque você está perdendo a oportunidade de ter um tipo diferente de pensamento, um equilíbrio nos conselhos. Se você não considerar 50% da população vai perder a chance de ter pontos de vista diferentes. Lá tentamos fazer com que as empresas pensassem nisso, no que estão fazendo com as mulheres em posições de liderança. Por que depois de um nível elas não sobem mais?

Estando em uma posição estratégica no Brasil, você pretende importar campanhas britânicas de igualdade feminina?

Acho que podemos tirar os princípios, as mensagens de campanhas como a Preventing Sexual Violence in Conflict, que busca combater a violência sexual contra mulheres e crianças em zonas de conflito, para aplicar no país. Não dá para trazer a campanha inteira porque não cabe na realidade do país, ele não está em guerra, mas há muito trabalho para fazer aqui.

Publicidade
Publicidade