Governo de SP revê cronograma de todas as obras do metrô

Sonho de transporte de boa parte dos paulistanos, a expansão do metrô enfrentará mais obstáculos à frente.

Além da linha 4-amarela, cujas obras foram paralisadas, o Metrô trabalha em uma revisão do cronograma de entrega das outras seis linhas que estão em construção, o que deverá atrasar novas inaugurações.

"Temos recursos confirmados para fazer o que está previsto até o fim deste ano", diz Walter Castro, diretor de engenharia do Metrô. "As próximas etapas estão em revisão de cronograma", afirma, sem citar novos prazos.

Comandada pela gestão Geraldo Alckmin (PSDB), cujo partido lidera o Estado há 20 anos, a companhia credita os riscos de atraso à crise, que pode afetar a arrecadação de imposto, e aos reflexos da operação Lava Jato.

"Cerca de 90% das construtoras que atendem o Metrô foram citadas, mas até agora não tivemos interferências", diz Castro.

Se estas empresas forem condenadas, terão problemas para se financiar, o que comprometerá os prazos.

Editoria de Arte/Folhapress

Outro motivo apresentado é a troca de comando na Secretaria dos Transportes Metropolitanos. Cláudio Pelissioni assumiu o cargo em janeiro. E Alckmin ainda não definiu quem será o presidente do Metrô neste mandato.

No caso da linha 4, o governo culpa o consórcio Isolux Córsan-Corviam pela paralisação das obras. Para que haja rescisão do contrato, é preciso aguardar parecer do Banco Mundial, um dos financiadores.

A professora Sandra Stevens, 61, observa de sua janela o preparo da estação Oscar Freire. "Os trabalhadores ficam deitados, jogam cartas. Já vi um deles cortando o cabelo dos colegas."

Nas linhas 5-lilás, 6-laranja, 15-prata e 17-ouro, a sãopaulo constatou que os trabalhos seguem em execução.

Atrasos são comuns na história do metrô. A seguir, dividimos o processo de construção em quatro etapas, para mostrar onde estão os entraves.

*

PLANEJAMENTO

Em 1968, no largo Ana Rosa, o prefeito Faria Lima subiu em uma escavadeira e deu golpes no solo para começar a abrir a linha 1-azul. O projeto da época previa a construção de uma rede com seis linhas até 1986.

Porém, a marca de seis ramais foi atingida apenas em 2014, com a abertura da linha 15-prata. A numeração leva em conta as linhas da CPTM e as que nunca saíram do papel.

Sobraram projetos e faltou continuidade: foram elaborados ao menos seis planos de expansão desde os anos 1960, com vários traçados e prazos, que foram descartados sem que seus objetivos tenham sido concluídos. O último deles, o Pitu (Plano Integrado de Transporte Urbano) 2025, é de 2006.

Atualmente, o metrô tem 104,5 km de linhas contratadas ou em construção. A rede atual tem 78,4 km.

Walter Castro, do Metrô, explica que os planos se baseiam nas pesquisas de Origem e Destino, mas que a realidade muda rápido. "Com a chegada do Bilhete Único [que dá desconto na passagem], a demanda dobrou em quatro anos. Hoje levamos 3.5 milhões de pessoas por dia", aponta.

"A maioria dos planos visam a solução de problemas superficiais, como a redução de congestionamentos, mas não se busca uma transformação urbana de fato", analisa Marcos Kiyoto, mestre em arquitetura pela FAU-USP.

Pelo projeto original, a linha 3-vermelha deveria ligar a Casa Verde à Vila Maria. Entretanto, o governo preferiu aproveitar a estrutura de uma ferrovia na zona leste, que foi transformada em metrô. Era uma forma de economizar com escavações e desapropriações. Mesmo assim, as obras duraram dez anos, um reflexo da crise dos anos 1980.

Construir metrô é uma obra cara: a expansão da linha 5-lilás, por exemplo, custará R$ 8,9 bilhões. É mais do que os R$ 8 bilhões que a prefeitura da capital paulista terá para investir em todas as áreas em 2015.

As saídas encontradas pelo governo do Estado para obter recursos incluem recorrer a empréstimos internacionais, ao governo federal e à prefeitura, que pagará parte das obras do monotrilho (sistema de trens menores que circulam em vias elevadas). Outra opção é buscar parcerias com empresas (leia na pág. 20).

A ação de moradores contrários ao metrô também atrasa a ampliação da rede. Em 2010, habitantes de Higienópolis tentaram barrar a criação de uma estação no bairro.

Eles defendiam que a construção deveria ser feita na praça Charles Miller, para atender aos alunos da Faap e aos torcedores do Pacaembu.

Na época, a declaração de uma psicóloga de que o metrô traria "gente diferenciada" ao local gerou polêmica.

"Como em todo bairro, existe quem se acha melhor que os outros. A maioria queria que a estação ficasse onde era mais necessário", afirma Fábio Fortes, 47, diretor da Associação de Moradores de Santa Cecília e Higienópolis.

No final, a estação ficou prevista para a uma quadra do local original. No Morumbi, moradores entraram na Justiça para impedir a construção de um monotrilho no bairro. O metrô manteve o projeto.

-

LICITAÇÃO

Definido o projeto, é hora de chamar alguém para executá-lo. Como qualquer empresa pública, o metrô precisa abrir uma licitação: o órgão divulga o projeto e o consórcio que oferecer o menor preço ganha o contrato de implantação.

Os interessados precisam apresentar garantias, como experiência técnica. A calibragem dessas exigências pode dar espaço a direcionamentos no edital, capazes de restringir a concorrência.

Caso haja suspeitas de que o processo foi fraudado ou participantes se sintam prejudicados, a disputa pode ser travada por ações na Justiça.

Os tribunais levam meses ou anos para julgar os casos. A segunda etapa da linha 5-lilás teve sua licitação anulada após a Folha revelar que os vencedores já eram conhecidos antes da abertura dos envelopes, sinal de um acordo entre concorrentes.

"Fazer um edital preciso e objetivo, que não dê margens a desvios, ajudaria a acelerar o processo", avalia Paulo Boselli, consultor de licitações. "[A construção pesada] é um setor com poucas empresas, o que favorece o surgimento de carteis."

"Depois que o edital é publicado, a administração tem pouco poder sobre o processo de escolha, como rejeitar concorrentes", analisa Carlos Ari Sundfeld, presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público.

Para Sundfeld, uma das formas de evitar fraudes é dar mais poder ao governo para fazer convites diretos a empresas de outros países e, assim, estimular o fim de cartéis. Porém, mudanças nas regras precisam ser aprovadas pelo Congresso.

O RDC (Regime Diferenciado de Contratação) é outra alternativa. Por ele, os concorrentes só podem entrar com recursos ao fim da licitação e o contrato não pode ter aumento de preço. O Metrô fez estudos com o sistema, mas o considerou desvantajoso.

Nas PPP (Parceria Público-Privada) as empresas investem na construção da linha em troca de operá-la por décadas. Com isso, ficam com a arrecadação da bilheteria e outros rendimentos, como aluguel de espaços.

Entretanto, a tarifa de metrô não dá conta de arcar com os gastos de operação e, ao mesmo tempo, compensar o investimento. Isso atrai menos interessados do que concessões de rodovias e aeroportos, por exemplo.

"Operar um metrô é muito caro. Não é uma mina de ouro", defende José Carlos Viegas, presidente do ITF (Fórum Internacional de Transportes).

Em 1995, o governador Mário Covas (1930-2001) esperava encontrar empresas que pagassem por 100% da construção da linha 4-amarela em troca da concessão. Como não achou interessados, o governo pagou por 73% do valor e ficou responsável pelas obras. O consórcio ViaQuatro arcou com 27% dos gastos e ficou com a operação.

Na linha 6-laranja, o consórcio Move São Paulo investirá 46,9% do total e fará toda a construção. "É um tipo de casamento. Convém estar seguro da reputação da empresa para evitar problemas futuros", alerta Viegas.

DESAPROPRIAÇÃO

Há oito meses, o compositor Benito di Paula, 73, saiu de casa. "Fui obrigado", diz. Ele teve o imóvel desapropriado para a realização das obras da linha 17-ouro, no Morumbi.

Em 2013, ele contou ter recebido proposta de R$ 549 mil por sua casa, mas a avaliação de um perito convidado pela Folha, na época, apontou valor de R$ 1 milhão.
A história de Benito se repete para moradores de outros bairros no caminho das novas linhas, que precisam deixar suas moradias.

Os maiores problemas ocorrem quando se trata de pessoas vulneráveis, como idosos que possuem equipamentos hospitalares em casa, e ocupações irregulares.

"É o caso das comunidades Comando e Buraco Quente, na zona sul, cujas negociações levaram dois anos", diz Castro, do Metrô.

Segundo Otavio Andere Neto, especialista em direito imobiliário, a desapropriação só pode ocorrer por meio de processo judicial. "Eles [Metrô] sugerem um acordo com um preço quase sempre inferior ao valor real do imóvel. Muitas pessoas, por desconhecerem a lei, aceitam para não brigar."

Em caso de processo, um perito nomeado pela Justiça é contratado para fazer uma avaliação. A pessoa afetada poderá contratar outro profissional para também dar um preço. Com os dois resultados, o juiz determina o valor que considera justo. O dinheiro é depositado em uma conta sob cuidado da Justiça e pode levar meses para liberação.

-

OBRAS

Especialistas ouvidos pela sãopaulo apontaram a má qualidade dos projetos básicos como um dos principais motivos pelo atraso durante as obras.

Quando os trabalhos começam, é comum surgirem condições que não constavam no planejamento. Se a construtora avaliar que o imprevisto gerará aumento no custo da obra, pode pleitear um aditivo ao valor inicial do contrato.

"Demora e preço maior andam juntos. Quem acaba pagando é o contribuinte", avalia Carlos Alberto Guimarães, especialista em transportes da Unicamp. A aplicação de aditivos ou não é discutida entre Metrô e construtoras, e pode ir à Justiça caso não se encontre um acordo.

A lei atual limita os acréscimos em 25% do orçamento. Se o atraso for culpa da construtora, há aplicação de multa diária por descumprimento de contrato.

Em municípios que possuem redes extensas, como Nova York e Londres, o metrô foi construído enquanto as cidades se transformavam em metrópoles. Assim, as grandes avenidas eram literalmente escavadas por completo, recebiam os trilhos na trincheira que se abria e depois eram reconstruídas.

"São Paulo demorou demais para fazer seu metrô. Quando começou, a cidade já estava construída por cima", comenta Alfredo Savelli, engenheiro responsável pela construção do trecho Jabaquara-Saúde e professor do Mackenzie.

O trecho sul da linha 1-azul ficou pronto em três anos, por ter sido escavado a céu aberto. "O solo dali também facilitou as coisas, pois é argiloso e com pouca água", recorda Savelli.

Com a cidade já ocupada, a ideia de interditar uma avenida importante por meses é algo impensável. Como o subsolo também abriga garagens e fundações dos prédios, o metrô precisa ser escavado a muitos metros do chão.

O buraco fica cada vez mais fundo: depois de Pinheiros, com seus 36 metros abaixo do solo, a linha 6 prevê atingir 60 metros de profundidade, pois precisará cruzar morros e vales em regiões mais íngremes, como Perdizes.

Técnica de escavação mais conhecida, o shield, ou tatuzão, é capaz de cavar e concretar de 10 a 15 metros de túnel por dia. Trata-se de um tipo de escavadeira que pesa 1.800 toneladas.

O shield é rápido, mas custa mais caro: uma máquina dessa sai na faixa de R$ 100 milhões. A técnica NATM, ou túnel mineiro, que usa explosivos e britadeiras, é mais barata, mas dez vezes mais lenta: produz um metro de túnel por dia. O uso de cada técnica é definida pelo tipo de solo e relevo.

Vencidas todas as etapas mostradas nestas páginas, o Metrô faz uma inauguração do novo trecho em horário parcial, para testar todos os sistemas em busca de falhas. Na linha 15-prata, estreia do monotrilho, os testes no trecho entre Vila Prudente e Oratório duram seis meses. A companhia espera aumentar o horário de funcionamento no começo de abril.

Seguindo pela obras da linha 15, fica exposta uma situação curiosa: embora os trilhos de concreto estejam implantados ao longo de dez quilômetros, de Oratório a São Mateus, falta construir todas as estações.

Situação similar à da linha 4, na qual os trens passam reto desde 2010 por futuras paradas, como Oscar Freire e Higienópolis-Mackenzie. Isso porque as plataformas e acessos não ficam prontos.

Em São Paulo, não basta ter um caminho pronto: é preciso esperar anos para poder usá-lo por completo.

Publicidade
Publicidade