Área do Parque dos Búfalos vive impasse entre moradia e preservação

Apesar da aparente tranquilidade, a região conhecida como Parque dos Búfalos, no extremo sul da capital paulista, vive imersa em uma disputa que envolve dois direitos fundamentais: o acesso à moradia e ao meio ambiente.

Fica ali, no Jardim Apurá, uma das poucas áreas verdes às margens da represa Billings, escalada para ajudar no abastecimento de São Paulo nos próximos meses.

No terreno, de propriedade particular, está prevista a construção de um residencial do Minha Casa Minha Vida para 3.860 famílias, que deveria ter começado no final de 2014.

Em dezembro, moradores do bairro entraram com ação popular para impedir o avanço do projeto. Ela foi seguida por uma ação civil pública, movida pelo Ministério Público.

Eles querem que a área se torne um parque, função que exerce desde o final dos anos 1990, quando os búfalos que ficavam ali foram removidos pelo proprietário.

Desde então, o terreno de 830 mil m² é usado pela comunidade do entorno. Os vizinhos enfatizam a importância de preservar as fontes de água -são pelo menos sete nascentes contribuindo com a Billings.

O início das obras foi suspenso em dezembro por pedido do juiz Kenichi Koyama, que pediu mais explicações das partes envolvidas.

De um lado está a prefeitura, que cuida dos ocupantes do futuro residencial, a construtora Enccamp e a Cetesb (companhia de saneamento ambiental), responsável pelo licenciamento. De outro, a comunidade local e o Ministério Público.

Após analisar a situação, o juiz concedeu em fevereiro liminar favorável ao parque. Construtora, prefeitura e Cetesb vão recorrer, mas por enquanto nada pode ser construído e não há previsão de solução.

O PROJETO

O Residencial Espanha deverá ocupar cerca de 193 mil m², 20% do terreno. O restante será doado à prefeitura para a instalação de um parque municipal. A crítica dos moradores é que os prédios ficarão sobre área central, pedaço mais utilizado pela comunidade para caminhadas e prática de esportes.

O parque oficial, por sua vez, será dividido em duas partes. Uma delas, separada do futuro condomínio por uma rua, alaga quando o nível da represa sobe, segundo uma das líderes do movimento de moradia do bairro, que prefere não se identificar.

Ela diz que o trecho não é muito usado porque fica encharcado e questiona a instalação do parque ali. Segundo a Emccamp, os pontos são elevados e inclinados, e não estão suscetíveis a inundação.

Arte Revista sãopaulo

A maior preocupação em relação ao empreendimento é seu impacto ambiental, como os efeitos nas nascentes e a diminuição do espaço permeável por onde a água infiltra, possibilitando processos de erosão e de redução do volume da represa.

"Você tira a proteção vegetal e a terra vai se compactando. A chuva começa a escorrer sobre a superfície e leva sedimentos, que acabam na represa. Pode causar a diminuição do espelho d'água", diz Eduardo Giansante, professor de engenharia hídrica da Universidade Mackenzie.

Em frente ao local, a profundidade da água em trechos da Billings não alcança meio metro. O resto é lodo e sedimentos, afirma o professor.

Segundo a Cetesb, todo o projeto, incluindo o parque, vai ter 78% de área permeável. O valor está acima dos 30% estabelecidos por lei, o que diminuiria prejuízos ao ambiente.

Baseada nesses parâmetros, a Cetesb concedeu a licença prévia para o residencial, que também recebeu a certificação do Graprohab (grupo de análise de projetos habitacionais do Estado). Esses documentos já permitem o início dos trabalhos.

Apesar de cumprir a legislação ambiental, o promotor de Justiça do Meio Ambiente da capital, Roberto Rochel, considera que o projeto não garante a preservação do local.

"Fizeram estritamente o que o texto seco da lei estabelece. Pegam uma nascente e constroem um muro em torno dela. Não é um buraco que você faz na terra e continua fluindo. Tem uma estrutura para mantê-las."

NOVOS OCUPANTES

Os questionamentos dos moradores não se restringem aos aspectos técnicos do empreendimento, mas atingem também seus ocupantes. O receio é que pessoas de outras regiões venham morar no residencial, adensando ainda mais uma área já bastante populosa.

Desde o início, o projeto foi vinculado ao Programa Mananciais, do governo estadual, que prevê a requalificação ambiental das represas. Dessa forma, as famílias só devem ser trazidas de áreas de risco e de preservação permanente.

"A lei abre para as áreas de manancial, o que envolve outros municípios, mas a prioridade são as pessoas da região nessa situação", diz a assessora técnica de planejamento da Secretaria da Habitação, Márcia Terlizzi.

No entanto, isso não impede que pessoas de outros bairros se mudem para o Jardim Apurá. No site da prefeitura, famílias de lugares como Jardim Solange (Subprefeitura de M'Boi Mirim) estão cotadas para os apartamentos.

O ativista do parque Wesley Rosa diz que a qualidade de vida deve cair se mais 14 mil pessoas -número de condôminos- forem viver em um local com infraestrutura tão deficiente.

"Tira de um ponto cheio de transtornos sociais e traz para outro mais transtornado ainda", afirma.

Cercado de favelas, o bairro tem apenas uma avenida central, a estrada do Alvarenga, que não deve ser ampliada nas obras. Nos horários de pico, passageiros chegam a descer dos ônibus para seguir o trajeto a pé.

As escolas mal suprem a demanda de crianças e as opções de lazer são poucas, dizem os moradores. O projeto habitacional prevê a criação de uma área da prefeitura, com creche e escolas, mas a comunidade considera a medida insuficiente.

DEFICIT

Na lista de futuros ocupantes dos edifícios estão 700 famílias que recebem auxílio-aluguel por não conseguirem vagas em programas habitacionais. De acordo com a secretaria, todas elas são de Cidade Ademar.

O montador de andaimes Gregory Femiano, 26, é um dos que estão ansiosos pela mudança. Ele, a mulher e os cinco filhos dependem do auxílio há cinco anos.

Com renda de R$ 1.500 mensais, viviam em um barraco na beira de um córrego e hoje moram em uma casa de alvenaria. "[A suspensão das obras] dá um desânimo. Fico pensando: 'Até quando vai ficar assim?'"

O deficit habitacional da cidade é um dos principais argumentos da prefeitura para justificar a escolha da área. A Secretaria de Habitação afirma que só no extremo sul 7.000 famílias aguardam moradias.

"Não podemos abrir mão. Vistoriamos todos os terrenos públicos específicos para habitação social e não achamos nada", diz Terlizzi.

O movimento em prol do Parque dos Búfalos afirma que indicou seis áreas na região, mas a secretaria diz que não recebeu oficialmente as sugestões.

POLÍTICA HABITACIONAL

A pergunta "por que aqui?" é repetida por quem é contrário ao empreendimento. Ela ganha peso com a situação crítica da Billings.

Para o professor Giansante, do Mackenzie, é preciso rever os locais destinados às moradias sociais. Ele cita fábricas desativadas ao longo do rio Tamanduateí como opções.

"Não são tão distantes e custam menos no quesito infraestrutura e para o transporte das pessoas."

O arquiteto e urbanista Candido Malta vê na política habitacional a busca por soluções rápidas, mas não necessariamente melhores.

"Resolvem sem gastos maiores com habitação popular, com infraestrutura. Se o interesse é melhorar, por que construir em manancial?"

APEGO

Por mais que o Programa Mananciais e o deficit habitacional da cidade tragam explicações, é difícil para quem cresceu ao lado do terreno aceitar os edifícios.

Luiz Sampaio, 19, lembra do balanço de árvore que acompanhou sua infância. "Quero que meus filhos cresçam brincando no mato", diz.

Os filhos do bancário Marcos Forcelini, 49, foram criados ali. Ele mostra fotos de sua filha posando debaixo de um pau-brasil, aos quatro, aos seis, aos dez anos."Mudei para cá em 1996, e usamos aqui para tudo. Perder isso vai ser a morte."

Para uma das líderes do movimento de moradia do bairro, o susto maior foi ter descoberto pelo jornal que o parque frequentado há 30 anos poderia mudar de lugar.

Ela ficou surpresa por não ter sido contatada para conversar sobre as necessidades da região. "Não nos procuraram. É justo isso? Também moro na beira da represa."

Vizinha do terreno, a empregada doméstica Maria da Silva não sabe o que vai acontecer nos próximos meses. Na sacada de sua casa, pergunta se os prédios vão sair mesmo.

"Se não nos tirarem daqui, tudo bem. Seria bom ir para lá, mas prefiro casa." Maria olha o gramado. Trabalha perto do Ibirapuera e vem descansar as vistas no verde do Apurá. "Uma beleza, né?", diz enquanto se perde em pensamentos.

Vídeorreportagem: INGRID FAGUNDEZ e RODRIGO MACHADO | Fotografia: CARLOS CECCONELLO e RODRIGO MACHADO | Edição: MARCELO DELAMANHA

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