Donos de santuário com 230 animais fazem vaquinha para mudar de sede

Após 24 anos cuidando de milhares de animais no Rancho dos Gnomos, em Cotia (Grande SP), o casal Marcos, 49, e Sílvia Pompeu, 53, decidiu fechar as portas. E reabri-las em uma nova sede, que deve ser construída em Gonçalves, no sul de Minas.

A vontade de se mudar nasceu há cinco anos, motivada pelo avanço imobiliário nas imediações do santuário, fundado pela dupla em 1991. Hoje, menos de 300 m separam o terreno das moradias do entorno e não há como expandir o rancho, de 34 mil m².

Do recinto dos felinos, é possível ver as obras de moradia que a Prefeitura de Cotia está construindo em parceria com os programas Minha Casa, Minha Vida e Casa Paulista, com 576 apartamentos a serem entregues em julho de 2016. "Homens convivem com homens, mas, para os animais, é mais difícil. Eles se incomodam", diz Sílvia, que tenta arrecadar dinheiro para comprar o novo terreno via "crowdfunding" (vaquinha virtual).

Uma das incomodadas é Biná, leoa que veio de Sumaré (interior de SP) em 2003, após ser largada por um circo em uma jaula, com Lupan e Hera, da mesma espécie. Biná chegou ao santuário desnutrida, infestada de vermes, com marcas de queimadura e com os dentes serrados. Traumatizada, até hoje desconfia da presença de humanos.

Desde 1991, cerca de 15 mil animais passaram pelo Rancho dos Gnomos, estima Marcos. No entanto, ao menos 60% morreram logo após a chegada, por estresse e lesões físicas.

O espaço fica à disposição de órgãos oficiais, como o Ibama e a Polícia Militar Ambiental, que encaminham à dupla animais queimados, eletrocutados e vítimas de tráfico. A PM, por exemplo, repassou ao menos 400 animais ao longo dos últimos dez anos.

Ao todo, a corporação resgata 30 mil por ano. "Pode parecer pouco, porém cada animal que consegue ser destinado é uma vitória, porque ele receberá tratamento digno por toda a sua existência", afirmou o major Marcelo Robis Nassaro.

No rancho, a estadia inclui até tratamento espiritual. O leão Antuak, resgatado de um zoológico em Ivinhema (MS) em 2011, passou recentemente por uma cirurgia para a retirada de um tumor. Antes do procedimento, os veterinários voluntários entoaram mantras e meditaram. Os outros leões do local, segundo Sílvia, "rugiram em uníssono pelo companheiro".

NOVO LAR

O espaço escolhido por Sílvia e Marcos como novo lar para os 230 animais do rancho fica em uma reserva ambiental na serra da Mantiqueira. São 180 mil m², mais de cinco vezes o tamanho atual.

Em uma área maior, a expectativa é receber mais resgatados e que bichos como a lontra Fofoquinha ganhem recintos mais espaçosos.

Hoje confinada em 20 m², ela chegou em 2011, após ser abandonada em frente à base operacional dos bombeiros de Cotia. Bebê, com diarreia e anêmica, Fofoquinha nem sequer sabia nadar. Aprendeu com Marcos, em uma piscina. Caso se mudem para Gonçalves, a lontra terá mais de 1.000 m² para brincar e uma piscina natural com água corrente.

Além dos silvestres e exóticos, animais domésticos fazem parte da família. Quem chega ao rancho é recebido por cães vítimas de abandono, como a vira-lata Marina, o pit bull Assú e o desconfiado Shitake, um pinscher com uma perna amputada.

Ali, o objetivo é prestar ajuda aos animais vítimas de violência —oriundos de circos, zoos, desmatamentos, queimadas e atropelamentos.

Caso eles sejam silvestres e não tenham sofrido sequelas permanentes, a expectativa é que um dia sejam reintroduzidos na natureza.

Em 2012, uma equipe do rancho viajou para Itaquiraí (MS), onde mais de 130 aves vítimas do tráfico, como araras e papagaios, foram soltas após um período de reabilitação.

Já os animais domésticos, como gatos e cachorros, depois de tratados são encaminhados para a adoção, por meio da associação Natureza em Forma (rua General Jardim, 234, República, região central, tel. 3151-2536).

O rancho chegou a receber, no passado, até 12% de todas as apreensões de animais silvestres no Estado, segundo Marcos. Hoje, está na sua capacidade máxima. "Há cinco anos entramos em alerta. Há dois, resolvemos que era preciso mudar."

Em abril, o casal lançou uma campanha na plataforma de "crowdfunding" Kickante para comprar o terreno em Gonçalves, orçado em R$ 1,2 milhão, valor sem precedente em vaquinhas virtuais brasileiras.

Caso a quantia não seja arrecadada até 5 de junho —na última quinta (30), as doações somavam R$ 180.402,54)—, eles poderão prorrogar a campanha por mais 30 dias. Depois disso, será possível retirar o dinheiro recolhido, mesmo sem atingir a meta. "Não vamos redirecionar o valor. Ele será guardado para a compra de uma nova sede", afirma Sílvia. As obras de readequação do terreno devem ser custeadas pela venda do local que hoje abriga o rancho.

Agora, no santuário, a ordem é economizar. Reformas e manutenções não imprescindíveis foram suspensas e os programas de educação ambiental e de voluntariado, cortados.

O custo mensal do rancho, que conta com oito funcionários, além de voluntários, gira em torno de R$ 60 mil, recolhidos com doações. Empresas parceiras ajudam com produtos e serviços. Mas, como há sempre gastos inesperados, é difícil tirar a conta do vermelho.

"Não estamos alheios ao mundo. Sabemos que a situação não está fácil", diz Sílvia. "Sinto como se estivéssemos num barco afundando, naufragando aos pouquinhos. Mas eu ficarei de braços cruzados? Vou continuar remando."

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