Com menos árvores e mais luz, av. Rio Branco tenta reaver brilho do passado

Na noite de quarta (29), a avenida Rio Branco foi fechada durante confronto entre policiais e usuários de crack. A confusão começou depois da remoção de barracos construídos na praça Júlio Prestes, que ganhou novos bancos e jardins em abril.

Assim como a praça, a Rio Branco —chamada de alameda dos Bambuzais até ganhar o nome do barão, no século 20— também passa por mudanças, iniciadas com a reforma do corredor de ônibus, em 2013. A obra está parada por falta de recursos, vindos do governo federal. A expectativa da prefeitura é que os trabalhos sejam retomados ainda em maio.

Para a passagem de coletivos, foram retiradas jardineiras do canteiro central, que formavam barreiras, e algumas árvores, que foram realocadas ou tiveram mudas plantadas como compensação. Como resultado, a via ficou mais iluminada, o que aumenta a sensação de segurança. Na próxima etapa, a nova iluminação de LED deve extinguir os pontos escuros que se formam à noite.

Além da reforma, a região recebe um novo espaço cultural na quarta (6): o Teatro Porto Seguro, que fica na alameda Barão de Piracicaba, a uma quadra da Rio Branco.

Na avenida, houve um efeito parecido ao da implantação da Lei Cidade Limpa, em 2007: de um dia para o outro, foram reveladas fachadas antigas e conservadas, mas também prédios desgastados pela passagem do tempo.

Por trás dessas fachadas, há muitos registros da história de São Paulo. O Palácio dos Campos Elíseos, que passa por restauração, foi sede do governo do Estado até 1965. Em frente, há outro palacete, menos conhecido, que abriga um escritório da Unesp (Universidade Estadual Paulista). Seus telhados inclinados, preparados para a neve, são indícios dos planos que nortearam a criação de Campos Elíseos: um bairro com ares europeus para servir de morada aos fazendeiros do café.

Criado nas últimas décadas do século 19, o bairro pegou emprestado o nome da Champs-Élysées parisiense. A recém-aberta estação da Luz permitia acesso fácil ao interior e às fazendas. Outro atrativo era uma novidade da época: o serviço de água encanada, bombeada da Cantareira.

Mas foi a estrutura de transportes a responsável por transformar o perfil da região diversas vezes. Com a abertura da estação Júlio Prestes, em 1929, cresceu a circulação, o que motivou vários donos de palacetes a deixarem a área. Nos anos 1960, a inauguração de uma rodoviária gerou imenso tráfego de ônibus, o que causou um segundo êxodo do bairro.

Ao redor da rodoviária, formou-se uma estrutura com hotéis e comércios voltados aos passageiros. Quando ela fechou, em 1982, vários negócios também sucumbiram. Começava ali um ciclo de degradação que culminaria no surgimento da cracolândia.

"A região foi apontada várias vezes como lugar que precisava ser 'higienizado'. No começo do século 20, com uma epidemia de febre amarela, também tentaram tirar moradores de lá", diz Vanessa Lima, historiadora da Unifesp que pesquisa o tema.

CULTURA E IMIGRAÇÃO

A recuperação completa da Rio Branco passa por um desafio comum a todo o centro paulistano: ocupar as ruas após o fechamento dos escritórios e lojas. O projeto Nova Luz, que visava trazer comerciantes para a região, entre outras ações, não saiu do papel. Atrações culturais são uma forma de atrair público à noite, mas apostas como a Sala São Paulo falharam nesse aspecto.

"A região tem vários equipamentos importantes, porém desarticulados. Falta uma 'cola': calçadas convidativas para circular entre eles", avalia Valter Caldana, professor de urbanismo do Mackenzie. "Numa cidade inóspita, os lugares acabam se voltando para dentro. As pessoas chegam de carro e não interagem com o entorno."

Para o professor Silvio Soares Macedo, da FAU-USP, os diversos usos da região podem trazer incentivos, "mas não sem uma boa gestão e uma boa manutenção do espaço urbano".

Imigrantes árabes, latinos e africanos também transformaram a região nos últimos anos. Um sinal disso são restaurantes que atraem gente de toda a cidade, como o Riconcito Peruano e o Rosa do Líbano.

Além da cracolândia, alguns prédios do centro foram ocupados por moradores sem-teto nos últimos anos, como o da esquina da Rio Branco com a rua Antônio de Godói.

Vizinha ao edifício, a igreja luterana já teve um vitral quebrado. "Mesmo que tenham jogado um saco de lixo no nosso pátio, quase acertando nossa funcionária, temos mantido a política de boa vizinhança [com os sem-teto]", comenta Nelseu Dutterle, gestor administrativo da paróquia, que foi erguida em 1905.

Mesmo com os problemas que há no entorno, os imóveis valorizaram na região. "Se eu tivesse dinheiro no passado, teria comprado cinco quitinetes que hoje valeriam R$ 1 milhão. Imagina em dez anos?", afirma Antonio Vitorino Filho, morador da área há 37 anos.

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