Compartilhamento de carros pode piorar trânsito onde transporte é ruim

Carros circulando sem motorista pela cidade vão, de ponto em ponto, pegando passageiros. Chamados pelos smartphones, guiam-se automaticamente pelos melhores trajetos em busca de nova chamadas numa rotina calculada milimetricamente para não haver perda de tempo.

O cenário parece de ficção científica, mas seus impactos sobre o transporte público já estão sendo estudados na Europa —e com notícias pouco animadoras para países como o Brasil, que ainda não desenvolveram um transporte público de qualidade em suas principais cidades.

Se o uso dos chamados carros autônomos poderá, em cidades com bons transportes de massa, reduzir drasticamente o número de carros existentes (até 90%, a depender do cenário) e os tempos de viagem e espera dos passageiros, os mesmos resultados não deverão ser alcançados em cidades sem transporte de alta capacidade.

Nelas, a tendência é a redução do uso do transporte público e não motorizado e aumento do número de carros e do número de viagens nas horas picos, aumentando os engarrafamentos.

O desenvolvimento das ferramentas que vão dar capacidade para um meio de transporte como este já está em curso. Programas como o Uber, uma rede em que se pode pegar carona paga, estão em uso, mesmo proibidos.

Em algumas cidades do mundo, o controle de tráfego já consegue fornecer os melhores caminhos para o motorista antecipadamente, com uso de grandes bancos de dados para analisar o comportamento do trânsito a cada minuto. E os carros autônomos não demoram.

Mas o que deverá fazer com que as cidades passem a adotar esse tipo de sistema compartilhado é a redução de custos com transportes. Principalmente na Europa, onde há forte pressão no orçamento das cidades para maiores gastos com o cuidado de idosos, os políticos querem cada vez mais cortar custos com mobilidade. E os carros compartilhados podem reduzir os dispêndios em até 70%, segundo levantamentos já realizados.

Por causa dessa tendência, o ITF (Internacional Transport Forum), organização responsável pelo sistema de transporte dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), decidiu bancar um grande estudo sobre o tema.

O cenário escolhido foi Lisboa, a capital de Portugal, onde pesquisadores se debruçaram detalhadamente sobre as viagens diárias de cada cidadão da região metropolitana da capital, que tem 2,8 milhões de habitantes (o que corresponderia no Brasil à região metropolitana de Brasília ou Curitiba).

Considerada uma cidade de médio porte, a capital portuguesa tem 210 mil veículos. Os pesquisadores criaram um cenário em que seria possível ter acesso a carros autônomos em 60 pontos espalhados pela cidade.

Foram estudadas duas hipóteses: que todos os carros da cidade pudessem ser compartilhados e que apenas metade da frota estivesse disponível para esse tipo de transporte.

Os carros poderiam ser de dois tipos: com mais de um passageiro compartilhando o veículo ao longo das viagens ou com apenas um passageiro por vez.

Para uma cidade como Lisboa, onde há linhas de metrô e VLT, os resultados da pesquisa apontam para um cenário de sonho. A redução do número de veículos foi estimada em 90% se todos os carros fossem compartilhados. A cidade também poderia deixar de reservar proporção semelhante para áreas de estacionamento.

A queda nos tempos de viagem é significativa, com melhoria de até 37% em relação ao tempo médio do transporte atual (assustadores, para os padrões brasileiros, 19 minutos de viagem na hora pico em média) e de 88% do tempo de espera.

Os pesquisadores resolveram então imaginar uma Lisboa sem transporte público de alta capacidade para simular os impactos em outras cidades europeias de médio porte sem esse tipo de condução. É nessa hora que os carros compartilhados podem se tornar um problema.

Os levantamentos apontam que, num cenário mais realista de 50% da frota com carros compartilhados, haveria aumento do número e das dimensões dos congestionamentos.

Também haveria uma necessidade de mais carros e mais áreas de estacionamento. Isso decorreria do fato de menos pessoas quererem andar a pé, de bicicleta e ônibus devido ao conforto que o carro proporcionaria.

Mesmo com mais engarrafamentos, as viagens nos veículos compartilhados poderiam ser melhores que as de hoje, já que eles tendem a reduzir em mais de 80% o tempo de espera e os tempos de viagem teriam acréscimos insignificantes.

E com uma vantagem: depois de chamar o carro pelo smartphone, você pode navegar em suas redes sociais sem precisar levantar os olhos para ver se o sinal já abriu.

Editoria de arte/Revista sãopaulo
Publicidade
Publicidade