Lei de Zoneamento

Lei de zoneamento pode transformar avenidas como a Rebouças e a Angélica

A avenida Rebouças, na zona oeste paulistana, pode ficar dividida. De um lado, o de Pinheiros, mais prédios e moradores. Do outro, dos Jardins, casas e mais comércio. Os cenários exemplificam como a nova lei de zoneamento transformaria grandes vias, que reúnem amostras das principais mudanças propostas.

Oficialmente chamado de Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo, o conjunto de normas está sendo revisto e, a partir desta semana, passa a ser discutido pela Câmara com os paulistanos.

As regras em debate definem como pode ser utilizado cada canto da cidade. Ou seja, se um quarteirão pode ter casinhas ou supermercados.

Editoria de arte/Revista sãopaulo

Um dos principais objetivos do plano é incentivar a criação de moradias em áreas próximas a avenidas com corredores de ônibus e linhas de trem e do metrô. Assim, mais pessoas morariam em locais com boa oferta de transporte público.

Segundo a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, os benefícios gerados nesses pontos podem se estender pela cidade.

"A lei anterior se esgotou", afirma o vereador Paulo Frange (PTB), relator do projeto de revisão das regras. "Estamos construindo mal, simplesmente derrubando sobrado e erguendo prédio."

Tradicional via da cidade, a Rebouças concentra três possíveis alterações. E todas têm formado uma nuvem de dúvidas, queixas de moradores e esvaziamento de imóveis.

Em boa parte dos quarteirões do lado de Pinheiros, a prefeitura pretende incentivar, por exemplo, a construção de prédios maiores com comércio no térreo. A ideia é ter mais vizinhos à via, que dispõe de corredor de ônibus.

Ao atravessar a avenida, chega-se aos Jardins. Lá, planeja-se expandir o leque de serviços permitidos, a exemplo de restaurantes e bares. A medida deve atingir tanto a calçada da própria Rebouças como outras vias da região, que segue com foco residencial.

Dos dois lados, circulam dúvidas entre os moradores.

"Em termos de tranquilidade, como andar com o cachorro, pode complicar", diz a psicóloga Vera Mota, 65. Há três décadas, ela mora em um dos raros prédios vizinhos à Rebouças.

"Se mantivesse a região como está, seria melhor", diz a editora de fotografia Susanne Sassaki, 40, moradora de uma rua estreita em Pinheiros. "Já tem prédio e comércio suficientes."

Nos Jardins, a proposta de ter mais atividades na região gerou revolta. Há o receio de que a chegada de bares, restaurantes e igrejas possa elevar a circulação de pessoas.

"Moro ao lado de dois shoppings, onde tem até pessoas para passearem com meu cachorro. Posso ir a pé até lá de tão perto. Que comércio a mais eu preciso?", questiona o advogado Frederico Pessôa, 34.

"A criminalidade vai ser potencializada. Em vez de o ladrão furtar uma casa, vai invadir o restaurante", afirma Fernando José da Costa, 42, presidente da AME Jardins.

A associação de moradores realiza uma campanha contra o projeto e conta com a ajuda de nomes como o publicitário Nizan Guanaes e o empresário João Doria Jr.

Em meio ao debate, estão os donos de imóveis na Rebouças. "Os proprietários subiram os preços em até 50% no último ano", relata Hércules Silva, corretor que negocia oito imóveis na avenida. "E vários estão indecisos. Acham que a mudança do zoneamento poderá valorizar os terrenos e preferem esperar."

Ao todo, no trecho entre as avenidas Brasil e Brigadeiro Faria Lima, há 35 imóveis para alugar ou vender. Um espaço comercial de 450 m² custa R$ 15 mil mensais para aluguel ou R$ 3 milhões em caso de venda.

EFEITOS

A piora do trânsito é repetida por moradores e especialistas como uma das possíveis consequências das alterações propostas. No horário do rush, os carros circulam, em média, a 8,5 km/h na Rebouças.

"As faixas travam e viram quase um estacionamento. No corredor, formam-se filas de ônibus. Vai sobrar para o metrô", avalia Paulo Bacaltchuck, professor de engenharia de tráfego do Mackenzie.

Paulo Frange afirma que todos os pontos devem ser discutidos com a população em 48 audiências. "Ouviremos muito os moradores e os comerciantes", promete. "Mas não queremos o debate de uma coisa contra a outra, de rico contra pobres, casados contra solteiros."

MAIS AVENIDAS

O adensamento às margens das avenidas bem-servidas de transporte pode se repetir, em diferentes graus, em uma série de vias de toda a capital. Entre elas estão Angélica, Cruzeiro do Sul, Pacaembu e Paes de Barros.

Na via que corta Higienópolis, as novidades devem surgir após a construção de um corredor de ônibus, planejado pela prefeitura.

Além de quarteirões com prédios de mais andares e comércio no térreo, a Cruzeiro do Sul, que corta os bairros Canindé e Santana, pode receber imóveis destinados à população de baixa renda, e a Pacaembu tornar-se um corredor com mais opções de serviços, como restaurantes.

Entre elas, a Paes de Barros, na Mooca, apresenta umas das maiores extensões previstas para atender a novos edifícios e moradores.

Líder do PSDB na Câmara, o vereador Andrea Matarazzo ressalta a necessidade de analisar se as avenidas dispõem de estrutura para a transformação proposta.

"Precisa ver se tem galeria suficiente de água, instalação de gás, rede elétrica", diz ele. "Dependendo da capacidade, pode ser um desastre."

Quanto aos setores de serviços, Matarazzo diz ser preciso definir exatamente quais serão permitidos em cada corredor. "Ter comércio não é ruim, o problema é não especificar. Tem de ser claro, senão o pessoal dá a volta na legislação."

O cumprimento das ideias depende, ainda, da ação do mercado imobiliário. Com a desaceleração da economia no país, o surgimento de prédios pode demorar.

Por último, resta saber se haverá áreas disponíveis para os projetos. "Já somos uma região adensada. Não tem terreno. O bairro já está todo construído", diz Fábio Fortes, diretor da associação de moradores de Santa Cecília e Higienópolis.

O projeto que desperta tantas dúvidas e interferirá no biorritimo da cidade segue em discussão até outubro. Até lá, o paulistano pode opinar como espera ver sua vizinhança.

Editoria de arte/Revista sãopaulo
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