Bares eleitos júri

Drinques ganham mercado e até restaurantes apostam em destilados

A conversa de balcão agora é outra. Envolve um cliente curioso, drinques elaborados e profissionais de alto calibre, que não hesitam em explicar à clientela a história e os detalhes do meticuloso preparo das bebidas.

A mixologia, ou a arte de criar coquetéis, tem suscitado tanto interesse nos últimos anos que elevou o mercado a um patamar semelhante ao da alta gastronomia.

Até os donos de restaurantes despertaram para a área, para agregar valor e lucrar mais. "A coquetelaria é um investimento a longo prazo, pois uma garrafa demora semanas para ser consumida. E há menos desperdício do que na cozinha", conta Michelly Rossi, responsável pelos drinques do restaurante Clos.

Os clientes, por sua vez, estão mais informados, curiosos e exigentes. "O Brasil não tem uma cultura de coquetéis como nos EUA e na Inglaterra", diz Spencer Jr., à frente do recém-inaugurado Frank Bar. "Mas hoje existe um público interessado pelo assunto e que se preocupa em beber algo de qualidade."

"O consumidor não só está mais atento, mas isso também virou um hobby. Hoje ele se senta no balcão, conversa, sabe o gim que quer e em qual copo vai beber", diz Jean Ponce, que em fevereiro deixou o bar do restaurante D.O.M., onde esteve por cinco anos, para tocar projetos pessoais. No segundo semestre, ele inaugura uma casa com assentos exclusivamente no balcão.

O encanto pelo outro lado do balcão vai além da conversa com o bartender. Está também no preparo dos drinques, que muitas vezes requerem técnicas um tanto performáticas: da forma de bater a coquetelaria à decoração do copo.

Das casas, muitas preparam e esculpem o próprio gelo (para que dure mais no copo) e investem em técnicas como infusões e envelhecimento de misturas. Spencer, por exemplo, deixa o seu negroni maturando por algumas semanas em barris de madeiras distintas, como jatobá, bálsamo e amburana.

MERCADO INCIPIENTE

Apesar do crescimento, a formação na área é fraca no Brasil, dizem os profissionais. Há poucos cursos, e os interessados buscam especializações e feiras no exterior. A internet, relatam, é a grande ferramenta de aprendizado e de informação sobre o que se produz pelo mundo.

Também pequena é a oferta de livros especializados. Em especial as publicações em português ou com pesquisa de ingredientes brasileiros. De olho nessa lacuna, o mixologista Marco de la Roche, autor do site Mixology News, prevê encabeçar uma editora voltada à coquetelaria no fim do ano.

Da mesma forma, é difícil se encontrar por aqui alguns utensílios e ingredientes, particularmente bitters, os temperos de drinques. Como muitos são importados, o produto final encarece -em casas especializadas, cada drinque não sai por menos de R$ 30.

Assim, na busca por matérias-primas de qualidade, é comum que bartenders fabriquem ingredientes por conta própria. "Só não concordo em produzir coisas mais elaboradas, como gim e vodca", opina Talita Simões, responsável pelo balcão do restaurante Side.

No Frank, Spencer e sua equipe manufaturam de tudo um pouco: a tônica, o suco de tomate, os xaropes, os bitters (como o criado para a casa, que leva noz-moscada e lúpulo). Pela falta de oferta, Michelly Rossi fabricou o seu licor de lichia, utilizado em uma caipirinha com saquê.

É preciso, porém, adaptar-se à oferta de produtos brasileiros, diz Jean Ponce. "A gente nunca vai ter tudo o que existe na Europa e nos EUA. A única coisa de que eu sinto falta aqui é licores brasileiros de qualidade. O que é um absurdo: olha a quantidade que temos de ervas e frutas!"

"A gente vive um momento de entendimento e valorização da nossa história de coquetelaria: ingredientes, hábitos de consumo e receitas brasileiras", complementa Marco de la Roche.

Há mais de dois anos no Brasil, o italiano Fabio La Pietra, do SubAstor, acredita que se deve aprender a preparar drinques clássicos com material brasileiro.

Ele dá o exemplo do limão-cravo, abundante no Brasil, mas raro em países com história na coquetelaria. De sabor mais adocicado, a fruta não era usada no país, até pouco tempo atrás, por não constar de receitas clássicas. "Aqui usava-se o limão-siciliano, que é extremamente ácido e não necessariamente melhor."

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